quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Sirkis, enviado especial, relata reunião de meio ambiente na China

Quem acompanha os textos dos colunistas do Congresso em Foco, sabe que o deputado Alfredo Sirkis encontra-se na China. De lá, ele mandou colunas que falaram de sua participação numa convenção sobre meio ambiente e sobre suas impressões sobre as megalópoles daquele país. Na sequência da sua viagem, Alfredo Sirkis acompanhou em Pequim uma reunião do “Basic”, grupo que reúne as potências emergentes Brasil, África do Sul, Índia e China. De lá, ele enviou, com exclusividade para oCongresso em Foco, um relato sobre o que foi discutido.


A nova ministra do meio-ambiente e das florestas da Índia Jayanthi Natarajan frustrou os planos do Brasil e da África do Sul para um resultado que lançasse uma ponte de entendimento – uma pinguela que fosse – com a União Européia, com vistas a um entendimento para o segundo período de vigência do Protocolo de Kyoto. Os compromissos definidos no documento são considerados por todos os quatro países presentes à reunião do “Basic” (Brasil, África do Sul, Índia e China), encerrada nesta semana em Pequim, como o objetivo primordial da Conferência de Durban, a ser iniciada no próximo dia 28. Eis o resumo da novela da conferência Basic.

A coisa já está mal parada com o anúncio do Japão e o aviso-prévio da Rússia de que não ficam no marco de Kyoto após o final de 2012. Teme-se que outros países, como Austrália, Nova Zelândia e Canadá, também o façam. Os países da União Europeia gostariam de permanecer no protocolo, mas explicitaram condições em um documento enviado ao Basic, e ao qual tive acesso. Nele, afirmam que a situação mudou muito desde 1997, quando o Protocolo de Kyoto foi assinado, e que atualmente eles são responsáveis por apenas 16% das emissões de gases de efeito estufa do planeta. Além disso, alegam que não podem continuar sendo os únicos com metas legalmente vinculantes (legally bounding) para cortar essas emissões. Querem que as “grandes economias” (leia-se EUA e China) e os demais países emissores significativos, em geral, pelo menos sinalizem que assumirão as metas no futuro. Hoje, os países de fora do Anexo I de Kyoto, entre os quais o Brasil e a China, apresentam objetivos voluntários enunciados e “anotados” pela ONU na Conferência de Copenhagen, em 2009.

Nossos negociadores – uma equipe muito competente de diplomatas dirigida pelo embaixador André Corrêa do Lago, e que na conferência foi encabeçada pelo secretário geral do Ministério do Meio Ambiente, Francisco Gaetani – procuravam o “jeitinho brasileiro” para responder favoravelmente à União Européia. Um aceno pelo qual o Basic, ao começar pela China, toparia metas obrigatórias, a partir de 2020, caso os EUA também o façam.

A China, nas nossas sondagens informais com o chefão do partido, Xie Zhenhhua, o negociador-chefe Su Wei e sua diretora de Clima, Lia Gao, com a qual me reuni, nunca topou isso explicitamente. Mas a delegação, comandada por Xie Zhenhua, formalmente vice-presidente da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, insistentemente referia-se à disponibilidade chinesa para fazer “concessões” para preservar Kyoto – embora nunca as tenha explicitado, porque a ministra do meio ambiente da Índia, a novata Jayanthi Natarajan, assumiu de forma incisiva seu papel de “Madam No”, vilã de um dramalhão de Bollywood.

Vestida com um sarong verde e com cara de poucos amigos – não participou do almoço com os outros ministros –, ela não admitia que o Basic se afastasse um milímetro sequer do entendimento das “obrigações comuns, porém diferenciadas”, da forma com que eram entendidas na década de 90: só os países desenvolvidos deveriam reduzir suas emissões; os em desenvolvimento deveriam primeiro se desenvolver para depois reduzir.

Mas o que fazia sentido nos anos 90 mudou muito nos dias de hoje. A China ultrapassou os EUA em emissões e o mundo em desenvolvimento caminha para ser responsável por 70% das emissões, dentro de poucos anos. As obrigações comuns, porém diferenciadas, devem evoluir para o entendimento que todos devem cortar suas emissões – o que determina o futuro do clima são as futuras emissões em absoluto, não as históricas ou o cálculo per capita, por mais pertinentes que sejam –, mas aí é que está o ponto: a conta de uma economia de baixo carbono deve ser paga na proporção da responsabilidade do acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, desde o início da era industrial, segundo o princípio “poluidor pagador”. Por essa linha de raciocínio, que venho propugnando insistentemente, os países desenvolvidos teriam que se responsabilizar por 70% do financiamento a longo prazo para a transição rumo à economia mundial de baixo carbono. As economias emergentes não podem aspirar a repetir a trajetória do seu desenvolvimento poluente para só depois – lá para o final do século – assumir compromissos legalmente vinculantes de corte de GEE (Gases do Efeito Estufa). Porque até lá estaremos literalmente fritos pelo aquecimento global. Mas essa tese que a própria China começa discretamente a abandonar foi reafirmada em todo seu dogmatismo pela senhora Jayanthi Natarajan.

A África do Sul, país anfitrião da COP 17, a se iniciar em menos de um mês, estava representado por duas ministras importantes – a de relações exteriores, Maite Mashabane, que vai presidir a Confrência de Durban, e a do meio ambiente e águas, Bomo Edna Molewa. Mashabane foi ainda mais explícita que os brasileiros em relação a conveniência de um gesto positivo em direção à Europa. Ela já se move – e com muito charme – pensando no seu papel de presidente da Conferência de Durban. A tensão entre ela e a senhora Natarajan era visível e ficou registrada nas fotos que tirei no encerramento da reunião. Muito significativa foi a ausência das duas ministras sul-africanas na conferência de imprensa final. Enquanto a China, Brasil e Índia sentaram à mesa com seus representantes de nível ministerial, a África do Sul, numa sinalização clara de “não me comprometam com esse negócio aí”, mandou apenas seu negociador chefe, o branco Alfred Wills.

O documento do Basic é primor de “diplomatês”, que repete fórmulas consagradas e vagas com um aspecto preocupante, que abordarei adiante. Ressalta claramente a prioridade do Basic em obter a prorrogação de Kyoto para um segundo período de compromissos dos países do Anexo I, mas deixa de formular qualquer sinalização de que é preciso “combinar com os russos”, como se diz – originalmente, na historia envolvendo o técnico Feola e o craque Mané Garrincha, eram os tchecos. Queremos obrigar os países europeus do Anexo I que ainda não roeram a corda a permanecer em Kyoto, mas não lançamos nem uma pinguelazinha para o entendimento com eles por obra e graça da senhora Natarajan e seu governo.

É claro que a dinâmica de Durban poderá levar ao Basic – e mais especificamente à China, que é quem mais conta – a dar esse passo que o Brasil e a África do Sul procuravam obter no Basic. Mas, sob os holofotes do mundo e na presença de 193 países, vai ser mais complicado. Foge-se daquela boa e velha recomendação tancredista: a boa reunião é aquela onde já foi tudo previamente acertado. Não será o caso. O grande personagem oculto, mas subjacente a isso, é o segundo maior país emissor, e o maior em responsabilidade histórica: os EUA. Nada se pode esperar dos americanos até novembro de 2012. Se Barack Obama for reeleito, terá nova oportunidade para entregar o que prometeu em Copenhagen – não o fez por veto do Senado. Se ganharem os republicanos, bau-bau… eles não acreditam em mudanças climáticas.

Um dos pontos mais preocupantes do documento do Basic é uma passagem em que há referência ambígua à necessidade de se aguardar a quinta reavaliação científica que o IPCC vai divulgar, em 2015 – inclusive para se reexaminar a pertinência do limite dos 2 graus como máximo tolerável para o aquecimento médio do planeta neste século. Claro, o IPCC está constantemente refinando seus estudos e apresentando novas conclusões (que quase sempre apontam para uma situação mais grave do que aquela anteriormente apresentada). Mas os dados atuais já são mais do que suficientes para sabermos que todos e, sobretudo, a China e os EUA, que respondem por 40% das atuais emissões de gases de efeito estufa, precisam cortar suas emissões. E a melhor maneira para isso são compromissos legalmente vinculantes. Quanto mais cedo, melhor.

No entanto, esse não era clima da reunião do Basic. Nesses processos diplomáticos não se percebe o menor sentido de urgência. Tudo gravita em torno de siglas, textos e formulações previamente consagradas que acabam criando um universo paralelo alheio às secas, ondas de calor, furacões, enchentes, elevação dos mares, crises agrícolas, desertificação, fome, ondas de refugiados climáticos escancaradas nos últimos anos e com seu agravamento garantido no futuro. Restando apenas saber se o processo tornar-se-á exponencial e catastrófico. Nessas reuniões, a “verdade inconveniente” do aquecimento global do planeta é pasteurizada em diplomatês. Ao condicionar eventuais novos compromissos para a “revisão científica de 2015”, o documento abre brechas para os negacionistas e céticos, a começar pelos republicanos em plena campanha, nos EUA.

Nesse sentido, a posição intransigente da Índia pode ser vista sob nova luz. Se Kyoto vai para o espaço, desaparece a pressão e o desgaste sobre os EUA, ninguém mais terá compromissos “legalmente vinculantes” e os americanos, párias climáticos, desde que se recusaram a ratificar Kioto, no governo Bush, ficam a cavaleiro. Nesse sentido, não passou despercebida uma curiosa pergunta feita, na conferência de imprensa, por um jornalista chinês, da oficialíssima agência Chin Hoa, à senhora Natarajan, a quem até então ninguém perguntara nada: como a Índia via seu papel no BASIC à luz de suas relações privilegiadas com os EUA. Ela se saiu politicamente, dizendo que seu país tinha também relações privilegiadas com a China – o que não é bem assim… – e olhou o repórter de cara feia.

Seja como for, o radicalismo da vilã de Bollywood nos levaria, numa outra época, a eventualmente tachá-la de “agente do imperialismo”. Atualmente, é apenas a representante de um governo sem noção. Seu subserviente chefe negociador, Jayant Mauskar, no almoço na véspera, já me deixara alarmado ao garantir que não havia claras evidências científicas de que as geleiras do Himalaia estivessem de fato derretendo. Na sua visão – que contraria estudos retificados e ratificados do IPCC – “uma parte está derretendo, mas uma parte está aumentando, assim não há uma conclusão científica clara”. É onde os vilões climáticos de Hollywood e Bollywood se encontram e Rick Perry, governador do Texas, se apaixona por Jayanthi Natarajan. Sem final feliz.

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