sábado, 12 de novembro de 2011

eEntrevista com Marcos Toyansk Guimarais sobre o povo cidano e a perseguição que historicamente sofre

UOL Notícias: Quem são os ciganos?

Marcos Toyansk Guimarais: Os ciganos são um grupo étnico heterogêneo, originário provavelmente do subcontinente indiano e com aproximadamente 12 milhões de pessoas dispersas pelo mundo. Apesar de diversos, os grupos ciganos mantêm aspectos culturais similares, relações de parentesco e falam dialetos derivados de uma mesma raiz linguística, o romani, originário do sânscrito. O romani tem mais de sessenta dialetos, com destaque para o vlax romani, que é falado por aproximadamente metade dos ciganos.

UOL Notícias: Esta não é a primeira vez que grupos ciganos são expulsos ou reprimidos por um governo ou por forças paragovernamentais. Quais os principais momentos na história que isso aconteceu?

Guimarais: Há uma longa tradição de hostilidade contra os ciganos na Europa. Deportações, extermínio e discriminação acompanham a trajetória dos ciganos na Europa. O anticiganismo institucionalizado começou já no século 14, e perdura na Europa e em outras regiões do mundo até os nossos dias. A primeira grande manifestação foi a longa escravidão de ciganos na Valáquia e na Moldávia, que só deixou de vigorar em 1864. Durante a Inquisição ibérica, os ciganos eram, ao lado de judeus, mouros, negros e indígenas, considerados incapazes por tradição, sendo tratados como párias e inferiores.

Os ciganos também foram vítimas dos nazistas. Considerados associais e criminosos genéticos pelos nazistas, os ciganos foram excluídos da sociedade logo após a ascensão de Hitler, em 1933. Ciganos e judeus foram os dois únicos grupos étnicos a serem designados para aniquilação com base na “raça” pela ideologia nacional socialista. Estima-se que cerca de 500 mil ciganos tenham sido assassinados, e muitos milhares de outros foram esterilizados e torturados pelos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial, no episódio conhecido como “Porraimos” (a devoração, em romani).

UOL Notícias: Por que os ciganos são alvos freqüentes desse tipo de violência?

Guimarais: Dentre as causas do anticiganismo, podemos citar a aparência física de muitos ciganos distinta da maioria dos europeus, diferenças culturais, a ideia de ciganos como intrusos estrangeiros e, a mais importante, o uso dessa minoria como bode expiatório.

UOL Notícias: É possível comparar entre esses casos e o que acontece hoje na França?

Guimarais: A participação francesa na deportação, aprisionamento e assassinato de ciganos durante a Segunda Guerra faz com que muitos comparem a situação atual com a França de Vichy. Na década de 40 as autoridades francesas enviaram os ciganos franceses para campos de concentração na França, mantendo-os presos até 1946, aproximadamente dois anos após a libertação da França dos nazistas. Muitos foram deportados pelos franceses para campos de extermínio como Dachau e Buchenwald. Sarkozy, por sua vez, está deportando para a Romênia e Bulgária e não está eliminando fisicamente a população romani. Porém, o documento do ministério do Interior francês mostrou que os ciganos estão sendo alvejados coletivamente, por motivos étnicos, deixando claro que se trata de uma medida racista. É uma nova versão da antiga perseguição, reforçando o estigma dos ciganos e privando-os de igualdade e liberdade.

UOL Notícias: O embaixador francês na ONU em Genebra, Jean-Baptiste Mattei, defendeu seu governo afirmando que “não há um ‘problema cigano’, mas cidadãos europeus mais desfavorecidos que outros, que têm dificuldades de inserção e que merecem atenção particular”. Que avaliação o senhor faz da iniciativa francesa?

Guimarais: A iniciativa francesa é vergonhosa. A França deveria pressionar outros países da União Europeia, como Romênia, República Tcheca e Itália, para que interrompam as medidas de discriminação contra os ciganos, assumindo a liderança na promoção e defesa da justiça e dos direitos humanos. Em vez disso, a política francesa tem dimensões raciais e recorre às deportações e ao uso da violência fazendo ressurgir na memória os momentos mais sombrios da história europeia.

UOL Notícias: Representantes da União Europeia criticam a iniciativa, indicando que ela esvazia os preceitos de união e queda de barreiras que justificam a existência do bloco. A ONU e o papa também se manifestaram. No seu entendimento, os comentários das organizações multilaterais são benvindos ou se trata de uma questão interna da França?

Guimarais: A questão não pode ser tratada como um problema interno da França. Primeiro porque os ciganos são uma população transnacional, dispersa por quase toda a Europa, e perseguida por vários governos e grupos. Há notícias de expulsões em diversos países europeus e de perseguição perpetrada por partidos políticos e grupos neonazistas, como a Guarda Húngara (destinada a aterrorizar ciganos e judeus) e o partido Jobbik da Hungria. Em segundo lugar, a política francesa é destinada à comunidade cigana, a quem Sarkozy – utilizando antigos estereótipos – ligou ao crime, e não a todos os cidadãos da UE que estejam ilegais. Em vez de verificar quem estava ilegal, o governo francês preferiu atacar toda a comunidade. Por fim, o principal alvo da direita francesa são os ciganos da Romênia e da Bulgária, países que recebem recursos da UE e não destinam à comunidade cigana.

É preciso compreender que os ciganos estão entre os povos mais perseguidos do mundo, sofrendo discriminação no emprego, na educação, nos serviços de saúde e sujeitos à violência racista. A expectativa de vida de um cigano na União Europeia, por exemplo, não atinge os 50 anos e a porcentagem de ciganos europeus abaixo da linha da pobreza, de 86%, é bem maior que de palestinos em Gaza, pouco mais de 50%. A União Europeia deve repreender duramente a França, além de realizar esforços verdadeiros na emancipação dos ciganos em toda a Europa.


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