sábado, 12 de novembro de 2011

Crime recruta trabalhadores rurais de municípios lindeiros ao Lago de Itaipu

O contrabando e o tráfico de drogas começam a interferir negativamente na vocação turística e agrícola dos municípios lindeiros ao Lago de Itaipu, na Costa Oeste do Paraná. Sitiantes ameaçados e moradores envolvidos com a venda e o transporte ilegal de mercadorias transformam cidades e distritos tranquilos em portos da contravenção.

Na região de Guaíra, os focos da ilegalidade estão espalhados pelo distrito de Oliveira Castro e no entorno de Pato Bragado. Na área de Foz do Iguaçu, a localidade de São José do Itavó, próximo à Itaipulândia, Missal, Santa Helena e Entre Rios do Oeste, figura na lista das rotas mais utilizadas para a passagem de contrabando. Na fronteira seca entre Brasil e Paraguai, no Mato Grosso do Sul, a situação é crítica na região de Sete Quedas e Coronel Sapucaia.

a área de Guaíra, grandes grupos atuavam no contrabando, segundo a polícia. Hoje, a prática se pulverizou e chegou à população de pequenos municípios e distritos, inclusive de outras cidades do Noroeste e Norte do Paraná, diz o delegado da Polícia Federal (PF) Érico Saconatto. “Cresceu muito o número de “formiguinhas”, aquele sujeito que sai de Londrina, Maringá e Cascavel para atuar no contrabando”, diz.

Na região lindeira, o clima do silêncio impera. Moradores relatam que desde 2007, quando foi inaugurada a nova aduana em Foz do Igua­çu e a repressão na cidade aumentou, as atividades do contrabando e descaminho se intensificaram nos municípios que margeiam o lago.

Proprietários de sítios que pagavam diárias de R$ 20 a R$ 30 para autônomos nas lavouras, perderam a mão de obra para o narcotráfico, que oferece de R$ 100 a R$ 150 por noite para quem carrega caixas de mercadorias. As presas mais comuns são os jovens, que às vezes deixam de ir à escola para atuar no contrabando.

Com delegacias em Foz do Iguaçu, Cascavel e Guaíra, a PF faz operações constantes na região lindeira, mas não tem efetivo suficiente para conter a ação ininterrupta das quadrilhas via Lago de Itaipu, que atuam com uma estrutura de carregadores, olheiros e batedores. O superintendente da corporação no Paraná, José Alberto Iegas, reconhece o problema. Por outro lado, diz que a PF recebe poucas denúncias dos moradores. “As pessoas precisam fazer denúncias nem que seja por meio de cartas anônimas”, diz.

Policiais consultados pela Gazeta do Povo avaliam que seriam necessários 200 policiais para patrulhar os 170 quilômetros do Lago de Itaipu, entre Foz do Iguaçu e Guaíra. Hoje, a Delegacia de Polícia Marítima (Depom), responsável pelas incursões no lago, tem 18 agentes em Foz e oito em Guaíra.

Multas

Quando são flagrados com cigarros contrabandeados nas propriedades, os agricultores são multados. O auditor-fiscal da Receita Federal (RF) em Cascavel, Sérgio Barbieri, explica que a multa é aplicada somente quando alguns tipos de produto são encontrados – cigarros, bebidas e relógios.

Como o cigarro movimenta o grosso do contrabando que vem do Paraguai, as multas são constantes. O valor equivale a R$ 2 para cada maço de cigarro encontrado. Até outubro deste ano, a RF aplicou cerca de R$ 20 milhões em multas referentes a contrabando de cigarro somente na região de Cascavel. Algumas caixas do produto foram encontradas em caminhões e veículos de passeio dentro de propriedades rurais. “Nesses casos é feito um auto de infração e diligências para identificar o responsável pela carga”, diz Barbieri.

Moradores não consideram o contrabando uma ação ilegal

O professor do curso de Ciência Sociais da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Eric Cardin, diz que nem todos os moradores da fronteira envolvidos com o contrabando consideram a atividade ilegal. Para alguns, a prática não é crime; para outros, apesar de o contrabando ser ilícito, há outros crimes com mais impacto social, incluindo desvios de dinheiro público e corrupção. Um terceiro grupo de moradores considera o contrabando ilegal, mas não imoral. As informações foram coletadas por Cardin durante uma tese de doutorado sobre fluxos nesses territórios.

Para o professor, as diferenças sociais entre os países acentuam os problemas nessas regiões. “As fronteiras com os maiores problemas relacionados à violência e ao contrabando são aquelas onde existe uma maior discrepância entre os países limítrofes e onde os controles aduaneiros são mais vulneráveis”.

Bandidos recrutam indivíduos  que vivem na beira do Rio Paraná e do Lago de Itaipu para carregar mercadorias

Pacto do silêncio

H.T.C., agricultor da região do Lago de Itaipu

No meio rural, aliciados ou pressionados pelos contrabandistas, os agricultores têm medo de circular à noite nas propriedades e e até mesmo chegam a evitar comentários sobre o assunto. Há relatos de contrabandistas que invadem as propriedades, abrem picadas e obrigam os sitiantes a ficarem dentro de casa enquanto passam mercadorias e drogas à noite.

Nesta entrevista, um agricultor que não quis se identificar por medo fala sobre o assunto.

Os agricultores sentem-se pressionados pelo crime?

O problema existe sim, mas os produtores não querem falar porque temem pela própria segurança e da família. Preferem ficar quietos. Um conhecido teve a propriedade invadida em época de plantio às 17 horas. Os contrabandistas chegaram, pediram para o agricultor retirar as máquinas pois eles iriam “usar” a propriedade. No outro dia ele viu rastros de caminhão, mas teve de ficar quieto para poder continuar trabalhando.

O que o senhor acha que deve ser feito?

O problema começou a surgir depois da formação do Lago de Itaipu. A empresa responsável pelo lago, que deveria se preocupar com a questão, está omissa. Eles criaram o problema e agora teriam de resolver.

Hoje falta até mão de obra no campo por conta do crime?

Falta gente para trabalhar com leite, suínos e avicultura. Isso porque é mais fácil entrar na conversa de quem puxa muamba. Normalmente eles ganham no contrabando o dobro do salário que pagamos nos sítios – acima de R$ 1 mil ao mês. (GP)

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