domingo, 31 de julho de 2011

Tutela efetiva sobre as novas formas de trabalho na América Latina

*Luiz Salvador


No início do capitalismo, com a inexistência de legislação trabalhista, a exploração do trabalho se dava por meio de salários muito baixos, jornadas de trabalho muito longas e da utilização habitual de crianças na produção com remuneração bem menor que a de adultos. A quantidade de horas diárias tendia a se estender até o limite da capacidade humana, atingindo quase sempre 15 a 16 horas de trabalho.

Atualmente, ao invés de sucessivos avanços, o trabalho tem sofrido retrocessos, pela ganância do lucro fácil, sem responsabilidade social.

Mesmo em países considerados de “Primeiro Mundo”, como a França, o noticiário recentemente informou que trabalhadores executivos da Renaut estão se suicidando por pressão para o cumprimento de metas e aumento da produtividade e lucratividade, com jornada excessivamente dilatada.

Também no Brasil, mesmo em SP, o noticiário informa que há empresas onde funcionários trabalham até 25 horas seguidas Isso mesmo: 25 horas até duas vezes por semana.

Com a queda do muro de Berlim e com o apregoado fracasso da economia planificada de Estado do Leste Europeu, as repudiadas práticas do capitalismo selvagem do século XIX retornaram revigoradas, com as propostas liberalizantes a um mundo sem fronteiras a uma economia mundialmente globalizada, cujas diretrizes liberalizantes passaram a ser conhecidas como do “Consenso de Washington”.

Analisando os reais objetivos dessas propostas tidas como de necessárias ao progresso e desenvolvimento econômico de cada um dos países aderentes, o próprio J.K. GALBRAITH, Prêmio Nobel de Economia, Norte Americano, ridicularizou a infantilidade dos governos que passaram a adotar, sem reservas, o receituário do FMI, concluindo:

"Globalização não é um conceito sério. Nós, americanos, o inventamos para dissimular nossa política de entrada econômica nos outros países" (Folha de SP, julho/98).

Não obstante esse alerta, o receituário neoliberal proposto foi seguido à risca pela quase totalidade dos países tida como “emergentes”, ganhando força assim ao retorno em nossos dias do capitalismo selvagem do século XIX, revigorado, um modelo de economia de mercado, mundialmente globalizado, sem fronteiras, de feições neoliberais, com a prevalência da busca do lucro especulativo a qualquer custo, sem responsabilidade social, baseado no triplé conhecido:

“aumento da produtividade, maximização dos lucros e ao menor custo operacional possível”.

Com o fortalecimento desse modelo econômico, o maior patrimônio conquistado dos povos livres, passou a ser ameaçado de desconstituição: “O ESTADO DO BEM ESTAR SOCIAL”.

Sem paradigma e estruturado por poderosos organismos internacionais tidos como de “fomento”, FMI/BANCO MUNDIAL, ETC, o modelo econômico neoliberal mundialmente globalizado floresceu e se consolidou como de “economia de mercado”, buscando o enfraquecimento do conceito de soberania dos países para permitir a flexibilização dos direitos dos trabalhadores, mudando os rumos para ao invés de se persistir nos caminhos da busca do pleno emprego, a adoção de conceitos deletérios ao ideário do pleno emprego, como a do aceite de uma taxa natural de desemprego e a convivência com a existência de milhões dos que passaram a ser conhecidos como os trabalhadores inempregáveis, o que nos leva a reagir e voltar ao ideal da busca do pleno emprego" (Rubens Ricúpero, Folha de São Paulo, 04.11.2001).

A par de gerar riquezas imensuráveis esse modelo castiga impiedosamente milhões de homens que sofrem as conseqüências do desemprego e no mundo todo, mesmo nos países considerados ricos. Enquanto isso, permite a abastança de uns poucos, criando um mundo de desiludidos, desesperançados, excluídos.

Na prática, a adoção dessa política tem sido responsável por práticas já costumeiras de despedimentos em massa e de encerramento de empresas, que antes empregavam. E para tanto, conta o referido modelo, com:

- apoio na utilização dos avanços tecnológicos, a alta tecnologia, que por si só já desemprega, impõe mudanças e a implantação das políticas neoliberais, incluindo-se as já conhecidas reformas sindicais, trabalhistas e até do Poder Judiciário.

- a adoção de uma política de recursos humanos que não leva em conta a dignidade da pessoa humana e voltada exclusivamente para o para o lucro, na base da maior lucratividade e produtividade e ao menor custo possível, sem qualquer compromisso com a vida, com o social, com a dignidade da pessoa humana;

- com a submissão do homem como mero custo de produção (mercadoria) a condições de vida e de trabalho degradantes, onde o trabalhador ao invés de encontrar no trabalho a dignidade, acaba encontrando a própria morte, por não lhe ser assegurado um ambiente de trabalho equilibrado, livre de acidentes e adoecimentos ocupacionais.

O homem desde o início da civilização, diante dos perigos constantes a que estava exposto, sempre teve o sonho de encontrar horizonte melhor: a conquista da liberdade (direito de ir, vir, permanecer e ficar), da vida em sociedade, e da possibilidade da exteriorização das potencialidades individuais, que permitem ao ser a efetiva integração comunitária.

Para tanto sempre teve o Estado uma parcela importante, administrando, criando e codificando leis de garantias individuais, dizendo respeito à vida, à segurança, à cidadania, atuando na promoção do bem comum. Esse em nosso entendimento o papel preponderante do capital, tornar-se parceiro do Estado para que este consiga cumprir seu principal objetivo que é justamente o da promoção do bem comum a todos sem exclusão.

Não podemos permitir o retrocesso social, pugnando pelo avanço dos direitos sociais, humanos, trabalhistas e previdenciários a todos os trabalhadores, buscando-se uma simetria de direitos em todo o continente, até para que o sistema produtivo de cada país não tenha a concorrência desleal com o sistema produtivo de outro país “parceiro” dentro de um sistema de mercado plural de inclusão, onde não só as mercadorias tenham livre circulação, mas também os trabalhadores, com direitos plurais assegurados à efetivação da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, urge a unificação de todos os movimentos preocupados com os novos rumos que está imprimindo o capitalismo de resultado meramente econômico, sem responsabilidade social, pela preservação e prevalência da moderna concepção do trabalho digno defendido pela OIT, como um bem inalienável, uma dádiva, uma benesse, um leniente necessário à valorização e dignificação da pessoa humana.

Diante desses ataques ao direito de soberania de cada país (da falta de responsabilidade social do capital com a empregabilidade e das políticas neoliberais de flexibilização e precarização laboral), urge que busquemos dar efetividade aos princípios protetores à dignidade da pessoa humana, assegurando-se aos trabalhadores o reconhecimento de sua importância, pelo trabalho no sistema produtivo, obrigando-nos a pensar, como conclui o professor Osvaldo Montero do Uruguai, na construção e elaboração de um direito supranacional garantidor de direitos de proteção dos direitos fundamentais à prevalência de uma vida com dignidade aos trabalhadores, além-fronteiras, como direito humano fundamental, colocado acima dos direitos nacionais.

Link: http://www.rau.edu.uy/universidad/inst_derecho_del_trabajo/manterotransf.htm

Dentro dessa visão histórica, a carta política cidadã criadora de um direito supranacional deverá abranger direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, permitindo-se não só a livre circulação de mercadorias, mas também dos trabalhadores, com seus direitos fundamentais assegurados, incluindo os previdenciários relativos a benefícios de saúde e de aposentadoria, em que país estejam, dentro da comunidade latino-americana, especialmente dos países membros integrantes da comunidade que se passou a denominar-se: Mercosul”.

A sociedade Latino-Americana não pode se esmorecer, aceitando o receituário neoliberal de flexibilidade precarizadora das condições laborais de seus trabalhadores, que implica em verdadeiro retrocesso social, uma sociedade do lucro pelo lucro, sem inclusão social, tal como os das propostas que impliquem na desconstituição do maior patrimônio já conquistado pelo avanço da humanidade - ESTADO DO BEM ESTAR SOCIAL.

Para tanto, temos que evoluir, não se permitindo a concretização do conhecido adágio em que o homem seja o “corvo do próprio homem”. Mas sim pela construção de uma sociedade, livre e igualitária planetária pela humanização das relações humanas entre os seres vivos e com uma economia que atenda às necessidades de todos os cidadãos à busca de melhorias de condições de vida, de trabalho, de salário, assegurando-se em cada um dos países livres e domocráticos a prevalência do social em que a ordem econômica se subordine ao constitucionalismo solidário, à responsabilidade social do capital, tendo como base o primado do trabalho e como objetivo geral o bem-estar e a justiça social, num mundo de inclusão.

O estágio atual de nossa civilização não permite retrocessos sociais. E impulsionados que somos pela evolução natural da sociedade em constante mutação, cumpre-nos nos unirmos por uma luta constante, impondo-se ao Estado um novo papel de atendimento às novas demandas, não só do capital, mas do homem, agora com direitos amplos à cidadania, a uma vida sadia, com dignidade.

O trabalhador não pode continuar sendo considerado como mero custo de produção - peça descartável do sistema produtivo - devendo ser reconhecido e considerado, não como mercadoria, mas como sujeito de direitos. Deve ser tratado igualmente pelos seus empregadores com o mesmo respeito que deve tratar o seu empregador. Ao pactuar o contrato laboral não se inclui dentre os seus deveres o da venda de seu corpo e ou dignidade, mas única e exclusivamente sua força de trabalho dentro da jornada máxima autorizada por lei, exigindo-se reciprocamente o devido respeito e cordialidade - tratamento de efetivo parceiro que é de toda produção econômica, voltada ao atendimento da prevalência do social em benefício de toda a sociedade.

O estágio avançado de nossa civilização exige dos empresários um outro compromisso diferente do que vem sendo proposto pela economia neoliberal, mundialmente globalizada: um papel social diante da sociedade organizada, por um mundo melhor e possível, de inclusão, como um contributo efetivo à construção de uma sociedade mais justa, menos desigual e excludente.

Esse o verdadeiro papel que temos que exigir dos novos governantes que sempre juram por um Estado da prevalência do social, mas ao assumir os altos encargos como mandantes dos Estados, esquecem seus juramentos, permitindo-se a desconstituição dos direitos conquistados pelos trabalhadores, o retrocesso com a adoção de políticas neoliberais que dão prevalência apenas aos interesses do capital especulativo, pelo lucro fácil, sem responsabilidade social, permitindo-se a flexibilização e precarização de direitos, abrindo mão do direito à soberania dos povos livres.

A submissão a esses interesses mercadológicos, abrindo-se mão da soberania – direito inalienável dos povos livres, implementando-se as políticas traçadas pelo FMI, com base na repudiada orientação nº. 319 do Banco Mundial que traça a política de desmonte dos direitos sociais, humanos, trabalhistas e previdenciários, implica no fortalecimento crescente e assustador em favor de uma economia de mercado excludente, num mundo de riqueza material para poucos, mas um mundo de pobreza e sem garantia da empregabilidade a uma sociedade livre e democrática, plural e de inclusão.

A desconstituição dos direitos laborais dos trabalhadores conquistados na evolução da sociedade tem sido permitida por pactuações coletivas, apoiada na teoria da prevalência do negociado e o legislado, apoiada na exaurida e ultrapassada “autonomia da vontade coletiva”, que costumamos sintetizar como sendo: “o trabalhador com o pescoço e o capital, com a guilhotina”.

Examinando esse cenário dessa economia de meros resultados econômicos, sem responsabilidade social, o Dr. Xisto Tiago de Medeiros Neto, Procurador-Chefe, PRT 21ª Região (RGN), conclui com precisão:

“Orgulhosa do apogeu tecnológico alcançado, a sociedade contemporânea desconcerta-se diante de um inquietante paradoxo: quanto mais gera riqueza mais desvaloriza, discrimina e descarta o trabalho humano. Expressiva parcela da população cumpre, revoltada, a pena aviltante da exclusão do trabalho e assiste, indefesa, a contradição entre o aumento vertiginoso da produção de bens e a diminuição da utilização da mão-de-obra. Estão se confirmando as previsões de que apenas 20% da força de trabalho humano disponível serão suficientes para atender às necessidades da produção do mercado consumidor mundial. Facilmente se constata que não há, nem haverá, no futuro previsível, trabalho digno para a maior parte dos cidadãos do planeta. E isto é somente uma das conseqüências da pujança do sistema capitalista regente da economia mundial, caracterizado por privilegiar os resultados financeiros -elegendo o lucro como um objetivo em si mesmo- em detrimento da valorização dos fins sociais voltados para as necessidades básicas do próprio homem. O desemprego é uma das facetas mais perversas da negação da cidadania. Se não há trabalho, elimina-se a possibilidade de acesso aos bens mais básicos da vida (alimentação, moradia, educação e saúde) e pouca relevância terá para o cidadão o direito de votar e ser votado, o direito de se expressar ou o direito de se locomover. Atualmente, é o universo do trabalho o palco das maiores transformações, desafios e incertezas nas sociedades organizadas. Em nosso país, calcula-se que quase 60% da atividade produtiva encontra-se na informalidade, alheia ao "sistema oficial". Por isso, não é absurdo dizer que todo o ordenamento jurídico-trabalhista atinge menos da metade das pessoas que exercem atividades laborais, restando a grande parcela deste contingente sem qualquer proteção”.

Fonte: http://www.pgt.mpt.gov.br/publicacoes/pub07.html

O homem que conquistou o direito a um papel de co-partícipe na produção de riquezas, não pode admitir retrocesso, em aceitar, sem resistências, o novo papel que o sistema produtivo neoliberal lhe está impondo, como de mero “custo de produção”.

Uma das formas a se emprestar tutela efetiva à garantia de mais e melhores empregos com qualidade é a proposta da redução da jornada de trabalho, sem redução salarial.

No Brasil, as entidades sindicais estão buscando unidade para a defesa coletiva dessa proposta: RJT - Reduzir a jornada de trabalho como conquista da efetivação à geração de mais empregos e de qualidade.

Do ponto de vista social, essa proposta de RJT tem sustentação quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista da economia que atualmente apresenta condições favoráveis para essa redução uma vez que:

• a produtividade do trabalho mais que dobrou nos anos 90;
• o custo com salários é um dos mais baixos no mundo;
• o peso dos salários no custo total de produção é baixo;
• o processo de flexibilização da legislação trabalhista, ocorrido ao longo da década de 90, intensificou, significativamente, o ritmo do trabalho.

Fonte: Dieese - Link: http://www.bancariospoa.com.br/Noticia/release.asp?noticia=13825


Em vários países, a redução da jornada de trabalho (RJT) sem redução salarial tem sido discutida como um dos instrumentos para preservar e criar novos empregos de qualidade e também possibilitar a construção de boas condições de vida, ao entendimento de que esta redução de jornada, sem redução salarial, poderia mesmo até impulsionar a economia e dinamizar seu ciclo virtuoso levando à melhoria do mercado de trabalho.

Medida como essa, permitiria a geração de novos postos de trabalho, diminuição do desemprego, da informalidade, da precarização, aumento da massa salarial e produtividade do trabalho e teria como conseqüência, o crescimento do consumo. Este, por sua vez, levaria ao aumento da produção, o que completaria o círculo virtuoso.

A RJT tem se mostrado um instrumento útil para a geração de novos postos de trabalho, se adotada no momento adequado e sempre acompanhada de outras medidas igualmente necessárias, que além da necessária limitação da jornada e de novas regras à melhoria das negociações coletivas que não podem atender a qualquer retrocesso social, mas apenas buscar as melhorias em favor das melhores condições de vida, de trabalho e de salário dos trabalhadores.

Dentro dessa triste realidade que consideramos de retrocesso social, cabe a todos nós pensadores, operadores do direito, centrarmos nossas energias ao bom combate, propugnando pela produção de propostas legislativas de ferramentas jurídicas que assegurem a efetividade dos direitos fundamentais à prevalência da vida com dignidade, exigindo-se do capital ser parceiro do Estado para que este consiga cumprir seu principal objetivo que é o da promoção do bem comum a todos, sem exclusão, respeitando-se o patrimônio construído pela civilização do mundo livre, que é a preservação do ESTADO DO BEM COMUM, agora com novos avanços, permitidos pelo crescimento da economia mundial, pela adoção das novas tecnologias, a serviço não só do capital, mas de toda a sociedade como um todo.


(*) Luiz Salvador é advogado trabalhista e previdenciarista em Curitiba-Pr, Ex-Presidente da ABRAT (www.abrat.adv.br), Presidente da ALAL (www.alal.com.br), Diretor do Depto. de Saúde do Trabalhador da JUTRA (www.jutra.org), assessor jurídico de entidades de trabalhadores, membro integrante, do corpo técnico do Diap, do corpo de jurados do TILS – Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México), da Comissão Nacional de Relações internacionais do CF da OAB Nacional e da Comissão de “juristas” responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840, 1.787, 2.522/08 E 3105/09, E-mail: luizsalv@terra.com.br, site: www.defesadotrabalhador.com.br

0 comentários :

Postar um comentário

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | belt buckles