sábado, 25 de setembro de 2010

‘Lula, O Filho do Brasil’ merece estar no Oscar?

O filme 'Lula, O Filho do Brasil' foi escolhido como candidato brasileiro ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Veja a crítica de Francisco Taunay:


O filme escolhido para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro não é comum, e tem alguns fatores que nitidamente delimitaram esta escolha. Gostaria de esclarecer que é uma escolha eminentemente política; ela acontece todos os anos através da decisão de uma comissão de notáveis, que geralmente não escolhe o melhor filme, mas sim aquele que tem mais a cara do Brasil, que se insere melhor na engrenagem de poder do cinema brasileiro.

O primeiro fator, que sem dúvida influenciou na escolha, é o mais correto: Lula, O Filho do Brasil é muito bom! É um filme biográfico, que lida com as dificuldades desse gênero de uma forma coerente. Tem bons atores, uma fotografia ótima, que mistura cenas de ficção com imagens de época de forma exemplar, e tem uma narrativa bem trabalhada, auxiliada pela música de Jacques Morelenbaum. Conta uma história quase de contos de fada; a trajetória de alguém pobre, quase miserável, que ascende socialmente até chegar ao cargo máximo do poder executivo.

Um outro fator que sem dúvida pesou na escolha foi a tragédia que acompanhou a história deste filme: Fábio Barreto, o diretor, antes do lançamento de sua obra, capotou várias vezes de carro e permanence em coma até hoje. Ele, que diferente de Lula, nasceu em berço de ouro e sempre teve facilidade para fazer filmes, não pôde ver provavelmente a sua obra máxima, um filme de grande qualidade, lançado e assistido pelo grande público. Era acima de tudo uma pessoa entusiasmada com o Brasil, e contou muito bem esta história, de um imigrante do Nordeste que vira presidente da República.

Acredito que o filme teve várias facilidades para ser feito, no sentido de obter recursos. A maior delas é a de ser a história do próprio presidente em exercício, que é um fenômeno de popularidade. No início dos créditos, aparecem todos os patrocinadores, que simplesmente doaram recursos de forma direta, sem leis de incentivo, para a realização do filme. Estão todos lá, desde as empreiteiras, que multiplicaram seu patrimônio no governo, uma empresa de Eike Batista, e uma cervejaria que praticamente detém o monopólio das vendas no Brasil. Aliás, a única cena do filme que me incomodou realmente foi uma propaganda explícita de uma marca de cerveja, o que acontece muitas vezes mesmo nos filmes internacionais, mas deveria ter sido evitada, principalmente nesse filme.

Lula sem dúvida tem grandes qualidades, talvez a maior delas foi sua habilidade de compor um governo que se aliou às forças mais conservadoras, para tentar realizar mudanças significativas na sociedade. Por mais paradoxal que isto possa parecer, no Brasil, o conservadorismo, desde antes da República, sempre ditou as regras, e se o PT tivesse tentado realizar suas propostas de forma radical, muito provavelmente haveria uma tragédia histórica de grandes proporções. Outro fator que auxiliou seu governo foi a sorte: a crise nos EUA e nos países do primeiro mundo favoreceu a economia brasileira, assim como as descobertas do petróleo e a própria herança do governo FHC.

Por outro lado, apesar de várias conquistas, existe um certo clima de autoritarismo no ar. O Estado, cada vez mais aparelhado, inchado com os cargos de petistas, partidos aliados, e seus familiares, alimenta uma máquina que passa por cima das vozes dissonantes; tudo isso com o apoio dos meios de comunicação, que provavelmente têm como seu maior cliente o próprio governo. Por mais democrática que a ascensão de Lula ao governo possa parecer, existem alguns exemplos concretos de ações autoritárias, ou similares, que acontecem cotidianamente. Como um exemplo pessoal, fui um dia a uma biblioteca da FIESP, na Avenida Paulista. Esta biblioteca era um exemplo de democracia e convivência de cidadania: lá passavam estudantes, empresários, aposentados, desocupados, todos convivendo em um local de leitura e de cultura, de forma exemplar, em plena Avenida Paulista, coração financeiro da cidade de São Paulo. Qual não foi a minha surpresa, ao constatar que a biblioteca havia sumido, dando lugar a uma galeria de arte, destas bem ascéticas, áridas, que afastam o povo com sua arte enclausurada. Me informaram que a biblioteca se mudara para a Vila Guilherme. Onde fica a Vila Guilherme?

No Rio de Janeiro, agora os artistas de rua são proibidos de se apresentar. O espaço público, que antes era de todos, agora está cada vez mais privatizado. Com as bênçãos da classe média, que acredita em segurança acima de tudo, o choque de ordem institui uma espécie de limpeza étnico-financeira das ruas: saem os desocupados, ou mesmo aqueles que trabalham de maneira informal, para dar lugar à empresas, que passam a lotear o espaço público. Tudo isso com o pretexto de uma ordem… Lembro que na Itália de Mussolini, jamais os trens chegavam atrasados.

Estes exemplos se multiplicam em todo o país, onde o conservadorismo se alia ao sindicalismo para criar um país ascético, onde a pobreza não é combatida com cultura e educação, mas maquiada e tirada da vista daqueles que passam nas ruas. Penso que a Internet possibilitou uma espécie de revolução na política. Até o apagar das luzes do século XIX, e mesmo no XX, existia no Brasil uma prática medieval, onde alguém lia as notícias em praça pública, para a massa analfabeta. Com o desenvolvimento das práticas de leitura, dos jornais e da TV, as informações começaram a circular em uma esfera mais individual. A manifestação das pessoas foi contida no âmbito de suas casas e da família. Com a Web, agora cada leitor também vira um comentarista: é isso que vivenciamos aqui e agora.

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