terça-feira, 14 de setembro de 2010

A AÇÃO SINDICAL NO CONTEXTO POLÍTICO DA PRIVATIZAÇÃO DA TELEPAR E DAS DAS TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL

Silvia Maria P. de Araújo

Universidade Federal do Paraná, Brasil

A ação sindical no contexto político da privatização das telecomunicações no Brasil (Resumo)

As transformações requeridas pelo novo modelo de produção na economia mundial flexibilizam não só o processo produtivo, como a organização e os contratos de trabalho, desestabilizando a ação dos sindicatos. As telecomunicações brasileiras viveram conjuntura de acelerada ação político-estatal para a privatização das empresas e a modernização do mercado, acompanhada prévia e posteriormente de processos de reestruturação produtiva, durante a segunda metade da década de 1990. Há marcas regulatórias no período que influenciaram a atuação dos telefônicos, considerada uma categoria combativa por seu elevado índice de sindicalização no movimento nacional. No Paraná, questões estratégicas ultrapassaram a preocupação salarial e promoveram a capacidade de negociação em defesa dos postos de trabalho, provando os limites da ação sindical tradicional.

As telecomunicações, setor onde predomina a tecnologia de ponta e a abertura para a comercialização de produtos diversificados, vem passando, nos últimos anos, por intensos processos de reestruturação mundial e rápidos avanços tecnológicos, como a passagem do sistema analógico para o digital. Investimentos substituem, por exemplo, as redes telefônicas por modernas redes de fibras óticas, facilitando o acesso aos sistemas de comunicação que integram dados, voz, texto e imagem, conhecidos por RDSI.

O setor prova a supremacia do capital financeiro sobre o capital industrial, o crescimento dos serviços e o papel das tecnologias da telecomunicação e informática, ao apresentar capacidade de investimentos sob a forma de novos serviços fundados na interatividade comunicacional (LOJKINE, 1995), sobretudo na área de infra-estrutura de telefonia celular, transmissão de dados, satélite e os chamados SVAs – serviços de valor adicionado, capazes de gerar recursos para sustentar a expansão das telecomunicações. Esse resultado do impacto da tecnologia é obtido mediante a interação do sistema social abrangente com práticas de trabalho e organização da produção próprias do setor, implicando em um complexo de "decisões administrativas, sistemas de relações industriais, ambientes culturais e institucionais e políticas governamentais". (CASTELLS, 2000, p.262)

Setor em franco desenvolvimento recebeu, no Brasil em meados da década de 1990, o tratamento político dispensado pelo neoliberalismo: a liberação à privatização. Empresas de telecomunicações operavam em regime de monopólio estatal desde os anos 60 e a escolha da política brasileira pela privatização soou paradoxal: vender as empresas para monopólios privados e estatais dos Estados Unidos e da Europa, constituindo-se o processo em uma re-privatização do sistema de telefonia. Um tal interesse em participar das telecomunicações em diversos países de economia dependente foi ativado, já em 1984, a partir do fenômeno denominado divestiture que provocou a expropriação ou desregulamentação, com a quebra do monopólio privado da AT&T sobre a telefonia norte-americana. Esse foi o início do desmonte de um modelo institucional e econômico que, há meio século, caracterizava as telecomunicações nos principais países do mundo.

Para a adoção da gestão privatizada das empresas de telecomunicações estavam em jogo, no Brasil, o monopólio estatal comprovadamente eficiente, a requerida modernização tecnológica do setor e o desenvolvimento de redes alternativas em mercado cada vez mais competitivo. Ficaram à margem das decisões políticas neoliberais em relação ao Sistema Telebrás, questões antes vitais para o desempenho do setor e da categoria dos telefônicos: o modelo de relações de trabalho e o papel dos sindicatos. Caracterizar a ação sindical na conjuntura de concomitantes processos de privatização e de reestruturação das empresas de telecomunicações no Paraná é o foco desse artigo, identificando as iniciativas do sindicato dos telefônicos diante do complexo impacto inovador no mundo jurídico-institucional da organização das empresas privatizadas, das novas relações de trabalho e suas repercussões no mercado de trabalho. A ação sindical que se articula passa a ser reconhecida na concepção mais adequada à natureza transmudada do trabalho em serviços, em que a adoção de tecnologia é fator de transformação na prestação de serviços.

A reestruturação produtiva nas telecomunicações brasileiras, nas fases pré e pós-privatização, dimensionou a ação dos sindicatos, trazendo requisitos novos para as relações desses com as empresas, os trabalhadores, o governo e o mercado. O Sinttel – Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Telecomunicações do Paraná tem enfrentado parâmetros empresariais polarizados das relações de trabalho, que vão da capacidade técnica à dimensão do mercado de trabalho desregulamentado.

Além da introdução de novos padrões na organização do trabalho pelas empresas privatizadas, o maior problema enfrentado pelo Sinttel tem sido o desemprego e o subemprego. As mudanças organizacionais exigiram uma ação mais defensiva e maior respaldo jurídico-institucional da parte dos sindicatos, pois com o processo de modernização das empresas, que se efetivou com a privatização em junho de 1998, houve uma quebra na garantia do emprego, no trabalho previsível e adaptável a situações de transferência de tecnologia, na estabilidade relativa das relações de trabalho e na acomodação compatível com a produtividade, qualidade e preço dos serviços prestados pelas estatais de telecomunicações.

A prática sindical de denúncia e resistência ao processo de privatização data de início dos anos 90, quando a campanha dirigia-se à política difusa de venda de setores produtivos da economia, afunilando os interesses para as telecomunicações. Organizados em federações, nacional e interestaduais por força do Sistema Telebrás, os trabalhadores sentiram-se ameaçados e reagiram de forma articulada, através de lobbies junto aos grupos políticos e divulgação de material de esclarecimento à população. Na linha de convencimento dos segmentos sociais envolvidos no processo ampliado de privatizações, a argumentação sindical atacava o que chamava de falsas teses, ou seja, a discussão que se estabeleceu no país contrapondo o monopólio e a concorrência, o monopólio e a flexibilização, o Estado e o capital privado.

Esse movimento nacional do sindicalismo em defesa da situação estatal de funcionamento do setor levou a Fittel – Federação Interestadual dos Trabalhadores Estatais de Telecomunicações – a propor a manutenção das telecomunicações como um serviço público essencial. Em meados dos anos 90, a posição defendida, como um projeto nacional de democratização do acesso à informação, preservava o monopólio brasileiro das telecomunicações, propondo a evolução da Telebrás de instituição estatal para a condição de instituição pública. Argumentavam: "A Telebrás não precisa ser privatizada. O Estado, sim, precisa ser democratizado, para que as suas empresas, enquanto empresas, respeitem os investimentos nelas feitos por acionistas privados e, enquanto instrumentos de políticas públicas, respeitem os interesses maiores da sociedade que nelas investe através da União" (LEIA, 1993, p.39). Angariando apoio em outros segmentos da sociedade, a Fittel propiciou discussão sobre serviço público e serviços privados, baseando-se na situação de lucratividade e produtividade das telecomunicações nas mãos do Estado desde a década de 60 e o incremento do sistema telefônico brasileiro a partir dos anos 70, quando o monopólio foi instituído no país:

Desde de sua criação, pela Lei 5.792, de 1972, a Telebrás admite sócios privados. Ao todo, possui cerca de 6,5 milhões de acionistas [em 1993]. Pode-se dizer que o Brasil antecipou-se ao mundo pois, até os anos 70, autarquias públicas operavam as telecomunicações na grande maioria dos países centrais, com notável exceção dos Estados Unidos. Somente depois da "desregulamentação" norte-americana, os países europeus começaram a transformar essas autarquias em empresas comerciais sob controle acionário (e estratégico) do Estado. (LEIA, 1993, p.39)

No processo de privatização, o Sinttel-Pr assumiu a proposta de resistência da Fittel e os telefônicos sindicalizados contribuíram com 1 por cento do seu salário para a confecção de material impresso da campanha. Apesar da organização em nível nacional, os trabalhadores tinham medo de represálias diante da situação. O projeto "Brasil Telecom" propunha dispositivos na legislação para que determinados serviços fossem obrigatoriamente prestados pelas operadoras na forma de salvaguardas sociais. A proposta, porém, foi desconsiderada na definição do formato institucional para o ramo. Entre aqueles dispositivos estavam a universalização da telefonia, a construção de novas infovias que resgatassem a dívida social e a manutenção do subsídio cruzado, que se caracterizava pelos serviços de telecomunicações que eram organizados em quase todos os países na forma de monopólio público e permitiam que os seus custos fossem distribuídos entre os agentes econômicos e sociais, pesando mais sobre os chamados "usuários de negócios" do que sobre os usuários residenciais e as famílias (DANTAS, 1998, p.228).

As privatizações nas telecomunicações brasileiras ocorreram mais tardiamente, se comparadas com processos em outros países da América Latina, segundo Walter (1998) e, por isso, levaram vantagem em matéria de marco regulatório, na medida em que o grau de avanço e os alcances desses processos estavam em função da aptidão dos sindicatos das empresas públicas em suscitar o apoio da cidadania em oposição à privatização. No Brasil, esse apoio não foi efetivo, a ponto de impedir o processo ou de o movimento sindical ser capaz de colocar condições à avalanche de vendas das empresas ao capital estrangeiro, privado e estatal. A Lei Geral das Telecomunicações/LGT, em julho de 1997, procurou definir as linhas gerais do modelo institucional de fiscalização da gestão privada dos serviços, que continuam sendo públicos, por meio de um órgão regulador independente, exclusivo para o funcionamento das empresas, a Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações.

Paulatinamente, a privatização ocorria pela via indireta da terceirização e, inclusive, da quarterização com a subcontratação da subcontratação. Dentre os serviços terceirizados, nos anos 80, estão aqueles referentes ao pessoal da eletricidade, envolvendo processos de força, comutação e transmissão, e aqueles relativos à rede, que incluem elaboração de projetos, instalação e manutenção de cabos. Ao processo gradativo de terceirização acopla-se a privatização, à medida que a transferência de certas atividades prepara a modernização do setor, a ponto de denominar esse procedimento de privatização periférica.

A terceirização é o lado soft da privatização e o Estado, ao investir na modernização do aparato tecnológico das empresas, prepara as condições para que ela aconteça em julho de 1998. O cenário que se seguiu foi de retrocesso da ação sindical. Sem condições de fazer frente à tendência de aceleração organizativa que acompanhou a substituição de tecnologia eletromecânica pela digital, e da gestão pública pelo gerenciamento privado preocupado com resultados na linha "eficientista" das empresas, os sindicatos ainda perdem sindicalizados e vêem crescer o número de trabalhadores aquém dos direitos trabalhistas.

Em 1998, todo o sistema Telebrás, formado por 27 empresas concessionárias e um centro nacional de excelência em pesquisa, o CPqD, foi privatizado. O controle do setor passou a ser feito por grupos privados nacionais e internacionais, incluindo as estatais européias. O modelo de privatização das telecomunicações no Brasil acompanhou o americano, caracterizado por traços de desnacionalização, fraca presença de um órgão regulador, não-constituição de multinacionais do ramo, formação de monopólios privados temporários, fragmentação do sistema e separação da telefonia celular e fixa. (ARAÚJO, 2000) A telefonia ficou dividida entre empresas concessionárias, que abrangem diferentes regiões do país: a Telemar, a Tele Centro Sul, a Telefônica, a CRT – Companhia Rio Grandense de Telecomunicações e a Embratel, responsável pelos serviços de longa distância. A Telepar, empresa paranaense que foi privatizada, faz parte da holding Tele Centro Sul Participações S.A., hoje denominada Brasil Telecom, que atende as regiões sul e centro-oeste, controlada pela Solpart, a qual comanda nove operadoras de serviços de telefonia fixa, que respondem por 30 por cento do território nacional.

Criada em 1963, a Telepar tornou-se uma das empresas estaduais mais rentáveis, com equipamentos de última geração e quadro profissional capacitado. Foi preparada para a privatização com investimentos que permitiram a implantação da telefonia digital e por terceirizar serviços, reduzindo o seu quadro funcional. Privatizada, a Telepar passou de aproximadamente 5.000 empregados para cerca de 2.000. No processo de racionalização das funções da nova empresa prevalecem critérios para as demissões programadas e incentivos a acordos com os trabalhadores, onde pesam características funcionais de controle como: idade, antecedentes de doença, desempenho e existência de ações na Justiça do Trabalho, tempo de serviço, caso próprio dos técnicos de rede, os cabistas e instaladores.

A dispensa de parte significativa do pessoal é justificada pela reestruturação anterior à privatização que, ao desativar áreas de produção e administração da empresa, trouxe mudanças de natureza organizacional e estrutural, destituindo trabalhadores sem domínio da nova tecnologia. Ao reduzir o quadro efetivo de trabalhadores, o efeito foi o aumento proporcional de trabalhadores terceirizados, pois as demissões ocorridas em maio de 1999, quando a Telepar dispensou 680 empregados, elevaram o nível de terceirização, como na Tele Centro Sul de 14 por cento para 24 por cento do total da mão-de-obra. (Interativa: 1999)

A uma realidade de mudanças dentro e fora das empresas corresponde um perfil redesenhado da categoria e, portanto, de novas estratégias de ação sindical para fazer frente às formas renovadas de organização do trabalho. São diferentes lógicas que transitam da ênfase no trabalho individual, no emprego estável e na ação coletiva, ao trabalho dependente de equipes ou autônomo, à precariedade das relações de trabalho e à ação individualizada. Há que se conhecer alterações na natureza do trabalho em serviços e em sua regulamentação e desregulamentação, para se compreender a ação do sindicato, hoje.

Se as transformações que vêm ocorrendo no âmbito do trabalho devem-se à transição de paradigmas da organização da produção à organização da informação, a ação dos sindicatos também experimenta mudanças em seu paradigma tradicional. Da organização dos interesses coletivos dos trabalhadores e encaminhamento das reivindicações da categoria em bloco, ocorre uma pulverização gradativa no tratamento dos problemas, com atenuada intervenção no locus de trabalho, esse, fortemente afetado, na medida em que "as atividades capitalistas contemporâneas demandam uma nova organização das redes de telecomunicações (...) e, por isto, o capital vem reformando os velhos sistemas públicos das telecomunicações", completa Dantas (1998, p.229).

Os sindicatos são levados a conceber a flexibilização posta na díade trabalho/emprego para poder atuar, distendendo a sua representação. As figuras do trabalhador desempregado, do autônomo, do trabalhador temporário, do terceirizado são relativamente novas para o sindicato, cujo aparato jurídico e a dinâmica do movimento defensivo não abarcam com naturalidade, expressões para além do quadro do trabalho formal e o crescimento recente do índice de dessindicalização, com a dispensa programada de trabalhadores pelas empresas. Como se refere Lucena (2000, p.434): "la globalización alienta la movilidad de los capitales, de las tecnologías, de las empresas y de los productos, pero no tanto del trabajo, que se convierte en el factor menos móvil. Estas mayores velocidades de movilización de los factores com los cuales encara el sindicalismo su acción contribuyen a los desencuentros".

Corroboram para o problema da representação sindical, a baixa significativa no percentual do trabalhadores sindicalizados e a fragmentação da categoria entre os empregados das empresas de telecomunicações, filiados ao Sinttel, e aqueles que trabalham para empreiteiras, representados pelo Sinditel – Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Instalações Telefônicas. Não apenas os processos de subcontratação dos trabalhadores são responsáveis pelas mudanças, também o setor passou a ofertar uma diversidade de operações e produtos à população, nos moldes do que Chesnais (1996) denomina generalização dos produtos-serviços. Antes reduzidos à telefonia fixa e celular, hoje os serviços expandem-se para o teleatendimento, o telemarketing, a transmissão de dados e os serviços via Internet.

A categoria dos antigos telefônicos mudou e há necessidade de organizá-la em outros moldes. Novas ocupações surgem, outras são executadas fora do contrato formal de trabalho com as empresas empreiteiras, que operam com autônomos, obrigando o sindicato a repensar a lógica de sua ação para atingir os trabalhadores em situações de diferenças contratuais, disparidades de ganho e de qualificação para o trabalho. Disputando o mercado de trabalho com outros sindicatos, em dezembro de 1999, o Sinttel realizou mudanças estatutárias, a fim de possibilitar a representação de trabalhadores das empreiteiras, das empresas de Call Center, dos provedores de Internet, das empresas de TV a cabo, de teleatendimento, de telemarketing e das telefonistas em geral. Abrange agora trabalhadores do setor de telecomunicações e os do ramo de tecnologia da informação.

Uma das características da privatização no Brasil foi a tentativa de quebra do poder e influência dos sindicatos nos acordos coletivos. Após o processo, o Sinttel manteve negociação com os novos controladores, mas os sindicalistas têm sido impedidos de entrar na empresa. A ação sindical passou a ser menos agressiva, limitando-se a uma política de abonos, cuja troca procura compensar alguns direitos dos trabalhadores que foram eliminados. Benefícios anteriormente acordados, como remuneração das horas-extras, adicional de sobreaviso, complementação de auxílio doença e acidente foram limitados ao mínimo previsto em lei.

A tensão no ambiente de trabalho agravou-se pela inexistência de reajuste salarial no primeiro ano pós-privatização, a instabilidade no emprego, a crescente precarização das relações de trabalho, o aumento da carga de trabalho, a desconfiança das equipes, o temor das demissões, a concorrência no mercado, as alterações de funções, mediante a aplicação de um plano de cargos e salários submetido a ajustes constantes. A adoção de um processo de avaliação das aptidões, qualificação, formação, atualização profissional, tempo de serviço, condições de saúde, idade e adaptação do trabalhador à nova organização do trabalho e aos processos tecnológicos, mediou as transferências de seções e de tarefas, além de monitorar as dispensas.

A racionalização produtiva, baseada no cumprimento de metas, está relacionada à implantação da telefonia digital e à opção pela redução de pessoal, que colocou em desequilíbrio a correlação de forças e funções existente na empresa. A privatização ocorreu em julho de 1998 e, já em outubro, eram propostos programas de demissão voluntária (PDV) e de aposentadoria incentivada (PAI), os quais colocaram à disposição no mercado ou aposentaram precocemente um número significativo de trabalhadores com reconhecida capacitação para o trabalho que realizavam.

A flexibilidade do trabalho implantada baseou-se em dupla flexibilização: uma reorganização do trabalho e das relações de trabalho. Enquanto uma grande empresa, a Telepar concentrou inovações organizacionais, fundiu categorias, reduziu funções, restringiu a mobilidade interna, concentrou os níveis decisórios e de gerenciamento, estabeleceu metas sempre recompostas de produtividade e qualidade, introduziu avaliação de desempenho e flexibilidade salarial, enxugou os trabalhadores de base e ampliou a subcontratação. Em outras palavras, provocou uma decomposição no mercado de trabalho e o crescimento da informalidade.

O Sinttel tem experimentado uma trajetória política pontuada por mudanças em questões relativas à sua sobrevivência e à dos trabalhadores: o desencadear de uma campanha pública contra o processo de privatização; a perda da condição de negociação com uma empresa estatal em acordos controláveis; conseqüências dos processos de reestruturação; enfrentamento de situação de dispensa de trabalhadores e planos de demissão estimulada pela empresa; reorganização do trabalho e formas contratuais alteradas; defesa dos empregos e das conquistas dos trabalhadores; tentativas de qualificação dos trabalhadores; desarticulação do mercado de trabalho e dessindicalização da categoria.

Com as demissões, a ação sindical dos telefônicos passou da proteção representativa à defesa do trabalhador junto ao Ministério Público; do acompanhamento quanto à capacitação do trabalhador à livre concorrência e atravessamento das empreiteiras no mercado; da jurisdição ao trabalho formal às experiências de cooperativas de trabalhadores; de uma situação relativamente estável de negociação com empresa estatal à falta de transparência na política salarial das empresas privatizadas de telecomunicações.

Em sua base territorial no estado do Paraná, o Sinttel, filiado à CUT e estruturado administrativamente em coordenações, subdivide-se em 5 subsedes regionais: Curitiba, Ponta Grossa, Guarapuava, Cascavel e Londrina. Representa os trabalhadores de empresas como a Telepar, a Sercomtel, a TIM Telepar Celular, a Global Telecom, a ASK (serviços de Call Center), a Onda (provedora de Internet) e a Embratel, com as quais tem firmado acordos coletivos em diferentes datas-base, caracterizando a pulverização da ação. Ao negociar por empresa, procurando alargar a sua atuação, os sindicatos reconhecem transformações na categoria e no modo de agir institucional. (Entrevista n.4/2000)

A liderança sindical sensibiliza-se com a situação dos trabalhadores despedidos que trabalham nas empreiteiras ligadas a três empresas consórcias no Paraná. Nas empreiteiras é usual a instabilidade dos empregos, a impossibilidade de controlar o pagamento, a rotatividade da mão-de-obra, o trabalho com baixa qualificação e os serviços divididos (subsubcontratação), além do condicionamento da contratação àqueles que não têm pendências na Justiça do Trabalho. O Sinttel apresentou, recentemente, pauta de reivindicações para uma empreiteira de Cascavel, visando negociar um acordo coletivo para garantir direitos e benefícios a cerca de 400 trabalhadores daquela empresa. Também, a negociação de acordos em 1999 e 2000 tem incluído as reivindicações dos aposentados da Telepar. (Viva voz, 2000)

Análise preliminar dos Acordos Coletivos de Trabalho, firmados entre a Telepar e o Sinttel como sindicato majoritário, nos últimos seis anos, aponta algumas tendências organizativas presentes nos instrumentos firmados entre as partes. Nos acordos referentes aos anos 1999 e 2000, a partir da própria disposição dos documentos, apresenta-se a ênfase mais na empresa do que no sindicato, no que tange ao controle da dinâmica das relações institucionais. Com uma ordenação e detalhamento em que a flexibilização de algumas cláusulas, como a relativa à jornada de trabalho, contrasta com a supressão de certos benefícios e vantagens anteriormente conquistados, os documentos primam pela defesa dos interesses de natureza privada e disciplinamento do contingente funcional à racionalidade colocada no mercado competitivo das empresas e dos trabalhadores.

Os acordos assinados para vigência nos anos 1995 a 1998 denotam um teor próprio de negociações em nível nacional e de caráter estatal na concessão de benefícios franjais aos trabalhadores. Basicamente, o processo de privatização suprimiu dos acordos coletivos: o auxílio educação, a licença remunerada, os anuênios, o abono de Natal, o auxílio pré-escolar e a Fundação Telepar, empresa responsável pela assistência ao trabalhador. O sindicato ampliou e promoveu uma reestruturação em seu departamento jurídico e tem impetrado ações que visam a reintegração dos trabalhadores. O primeiro procedimento foi realizar as homologações no Sindicato para dar orientação sobre os direitos dos trabalhadores, levantando os casos de lesionados, cipeiros e outros que permitiam imediatas medidas de reintegração. A readmissão é reivindicada com base na Cláusula 16 do Acordo Coletivo de 98/99, o qual prevê aos funcionários, o direito a nova capacitação e realocação antes da demissão, sempre que a empresa introduza tecnologias ou processos automatizados no processo de trabalho. A ações fundamentam-se, também, em uma norma interna existente na antiga Telepar, que delimitava a demissão de trabalhadores admitidos antes de 1981, apenas em casos de falta grave ou atitude anti-ética.

Para cada subsede sindical regional, há um escritório jurídico cobrindo os trabalhadores da área, inclusive com assessoria jurídica em Porto Alegre, para defender e representar os interesses da categoria dos trabalhadores em telecomunicações do Paraná, junto ao Tribunal Regional Federal e ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, naquela capital. Aquela assessoria realiza as negociações dos Acordos Coletivos e ensaia desenvolver Comissões de Conciliação Prévia: "A Comissão é um organismo que não pertence à estrutura do judiciário, mas terá atribuição de tentar resolver conflitos trabalhistas, antes de recorrer à justiça. A intenção do Sinttel é instituir essas comissões de forma negociada com as empresas". (Viva voz, 2000) As iniciativas atestam o fato da precarização do trabalho dificultar a ação sindical, constituindo-se em explicação para as mudanças na postura política dos sindicalistas. (Antunes, 1997)

As ações do sindicato têm extrapolado os limites da categoria sindicalizada, seja dilatando os seus espaços tradicionais e formais, seja mediando a busca de soluções alternativas no mercado de trabalho para os demitidos ou em vias de sofrer dispensa. Entre essas ações, o sindicato tem apoiado iniciativas grupais de reinserção no mercado, como aquelas relativas à formação de cooperativas de trabalhadores em telefonia. Nessa extensão de um braço à economia solidária, o sindicato atrelou-se à Rede Solidariedade, um empreendimento em parceria com os sindicatos dos Bancários, dos Engenheiros e a Associação Banestado, com o objetivo de organizar os trabalhadores em grupos de consumidores, apoiados por um sistema coletivo de comercialização e consumo. Por meio de uma central (Central-Med), são disponibilizados medicamentos com 30 por cento de desconto aos sindicalizados.

As circunstâncias do período pós-privatização têm produzido incongruências na política de defesa dos postos de trabalho. A atuação sindical foi posta a prova em julho de 2000, quando mais de 50 trabalhadores empregados na Telepar, onde estão 80 por cento dos sindicalizados, fazem um abaixo-assinado pedindo a sua demissão e solicitando ao sindicato para intervir junto à empresa na manutenção das garantias para a sua saída.

Esse quadro de novos problemas encontrou o Sinttel com diretoria recém-empossada, depois de longo período de gestão do grupo perdedor das eleições sindicais, conhecido como o "Biqueira de Aço", o qual mantinha posição de confronto com a Telepar desde 1987. (Lima, 1997). Ocorreu uma situação estrategicamente nova, que correspondeu a uma mudança política no sindicalismo cutista e na agenda sindical, provocada pela privatização, modernização tecnológica e aumento da terceirização no ramo das telecomunicações. Pode-se classificar essa mudança como o abandono de uma postura de confronto para outra mais propensa à negociação, marcando uma conjuntura de reversão no movimento sindical, propiciada tanto por razões estruturais, quanto por motivos institucionais nas soluções de enfrentamento.

Exemplos que reforçam essa interpretação na mudança da ação sindical são detectados em iniciativas no sentido de atrair trabalhadores para o sindicato, tais como reduzir as mensalidades dos trabalhadores da Telepar e da TIM Celular, de 2 por cento para 1,7 por cento e a decisão de construir uma colônia de férias, no litoral. (Viva voz, 2000) Apesar das dificuldades criadas pela legislação, os sindicatos sofrem modificações internas, em processos de adaptação aos novos modos de produção e de organização do trabalho, ainda que o discurso seja de autonomia em relação ao Estado e de maior poder para as instituições sindicais (Cardoso, 1999). A propósito de modificações internas, o próprio sindicato promoveu uma reestruturação administrativa e reduziu o seu quadro de pessoal de 24 para 15 funcionários, na atual gestão.
Os sindicatos têm dificuldade em transpor pautas tradicionais de negociação, pressionados pela necessidade de novos posicionamentos sobre os graus de flexibilidade e de precariedade que caracterizam a realidade empírica do trabalho e do emprego. Embora considerada mais incipiente (CASTRO;COMIN, 1998), a ação sindical Nas telecomunicações tem respondido ao seu modo – dependente da capacidade tecnológica do setor, da cultura política da categoria e das formas do seu trabalho – a processos de reestruturação, pois "as mutações organizacionais e tecnológicas, as mudanças nas formas de gestão também vêm afetando o setor de serviços, que cada vez mais se submete à racionalidade do capital" (Antunes, 2000, p.111).

Os sindicatos vinham atuando, até recentemente, em negociações centradas na questão salarial, desempenhando o seu papel de mediação herdado da fase fordista. (Bihr, 1998) Esse enfrentamento, no Brasil, está condicionado por um histórico de instabilidade política presente nos inúmeros planos de governo da década de 80 e leva à adoção de uma racionalidade da ação sindical sob o parâmetro dual da ofensiva trabalho versus capital. Há, entretanto, questões estratégicas que têm ultrapassado a preocupação salarial, colocadas pela conjuntura de transformações em conseqüência do avanço da tecnologia, das inovações organizacionais e das políticas de privatização, como o tipo e a extensão da mudança, o planejamento de postos de trabalho e de funções, a organização do trabalho, o processo de seleção e de treinamento dos trabalhadores, a qualidade das condições de trabalho. Essas questões práticas mostram que a noção vigente de trabalho tende a se modificar e passa a ser preponderante, senão determinante, da ação dos sindicatos.

O sindicato dos telefônicos enfrentou, a partir da última década, situações que colocaram em xeque a sua estrutura corporativa, promoveram a capacidade de negociação em defesa dos postos de trabalho, questionaram as conquistas contratuais e do emprego, testaram a habilidade em participar da reestruturação tecnológica e organizativa, provaram os limites da ação sindical tradicional, diante do redimensionamento do trabalho/emprego. Encolhidas as chances de defesa dos trabalhadores formais, o sindicato viu-se impulsionado a solucionar a mancha alastrante da informalidade do trabalho e da precariedade dos terceirizados. Essas situações trouxeram desafios vinculados ao desempenho institucional sob exigência de dilatação de sua representação e adesão a agenda social alternativa.

Há um comprometimento na adoção de políticas de privatizações que ganha forma e força de acordo com a inserção do país no concerto do capital e da trajetória de legitimidade e legitimação do movimento dos trabalhadores. Condicionantes da política neoliberal e resquícios do corporativismo são variáveis que não podem ser desligadas ou subestimadas na compreensão da ação que se desenha nas instituições sindicais. Tratá-las é rever o papel do Estado neste processo, desvencilhando-se, por um lado, de seus compromissos com políticas públicas e, de outro, intervindo nos interesses dos trabalhadores organizados, sendo atuante nos processos de privatização. Combinam-se, aqui, a crise estrutural do capitalismo e a reconhecida crise de identidade do sindicalismo no mundo moderno.

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