sábado, 23 de março de 2013

Economista aponta ideologia do atraso que embala o berço do mercado



Gabriel Palma, professor de Economia Comparada na Universidade de Cambridge
Os editoriais da maioria das grandes empresas de comunicação do Brasil repetem há anos, incessantemente, o discurso que prega a superioridade do setor privado e do mercado para gerar riqueza e prosperidade para o país. O Estado, ao contrário, é apresentado praticamente todos os dias como um ente um tanto deformado e corrompido que oscilaria entre a delinquência e a incompetência. Pouca gente hoje em dia ainda lê editoriais, mas eles funcionam como balizadores de linhas editoriais, pautas e opiniões de articulistas. Mas qual é mesmo o pensamento estratégico do setor empresarial brasileiro para o país? Existe tal pensamento ou o máximo que o setor privado alcança é a maximização de seus lucros e a minimização dos prejuízos? Qual é a responsabilidade do mercado pelos problemas que a nossa economia enfrenta?
Com a transformação de veículos de comunicação em grandes empresas com interesses econômicos diversificados, que não se limitam estritamente à comunicação, muitos dos chamados formadores de opinião passaram a atuar como porta-vozes destes interesses particulares que, muitas vezes, são apresentados de forma deformada como se fizessem parte de algo que pudesse ser chamado de interesse público. Essa deformação ajuda a criar uma cortina de fumaça que oculta da população algumas informações muito importantes sobre a responsabilidade do setor privado nos problemas que afetam a economia brasileira.
Em uma esclarecedora e provocativa entrevista concedida ao jornalista argentino Marcelo Justo em Londres (publicada na Carta Maior), o economista Gabriel Palma, especialista em economia comparada da Universidade de Cambridge, analisou as raízes e consequências da distância tecnológica entre os países da América Latina e da Ásia, e apontou alguns problemas da elite empresarial brasileira e latino-americana, problemas que são em larga medida uma mistura de aversão ao Estado e a projetos nacionais de desenvolvimento com falta de audácia.
 Sete pontos para refletir
Vale a pena destacar sete pontos da análise deste economista chileno radicado na Inglaterra para pensar sobre o papel que o setor privado vem desempenhando (ou não) para a superação de alguns gargalos estruturais da nossa economia.
1)  Diferentemente do que ocorre na América Latina, na Ásia, quando o setor empresarial olha para o Estado, pensa em um sócio e não em um inimigo que quer lhe cobrar impostos.
2)  Se olhamos para o setor automotriz, vemos que entre os oito maiores produtores do mundo se encontram o Brasil e o México. Mas entre esses oito países, os únicos que produzem automóveis e não tem marcas próprias são os da América Latina. Questionei os empresários do Brasil e do México sobre esse ponto e eles não souberam o que dizer. Nos anos 70, o Brasil produzia mais automóveis que toda a Ásia reunida, excluindo o Japão. Hoje todos os asiáticos têm a sua marca própria. O Brasil não.
3)  A Embraer é a terceira maior produtora de aviões do mundo, com suas próprias marcas e tecnologia. Se o Brasil é capaz de ter tecnologia aeronáutica, certamente é capaz de ter tecnologia automotriz. É falta de audácia. Nos conformamos com as montadoras.
4)  As empresas chilenas, argentinas, brasileiras que investem no resto da América Latina, cada vez que precisam de um avanço tecnológico buscam um sócio externo para fornecê-lo. Essas grandes empresas têm muito pouca pesquisa científica, criação tecnológica, etc. Quase todos os avanços tecnológicos que há na região ocorrem com matérias primas.
5)  Para chegar a níveis de crescimento como os apresentados por países como Coreia do Sul, Taiwan, Singapura e Hong Kong é preciso ter política industrial, um estado que invista na parte pública, não só infraestrutura, mas também pesquisa e educação. É preciso também ter uma classe capitalista com mais vocação de risco e investimento. É preciso mais tecnologia, processamento de matéria prima, produção de manufaturados de maior valor agregado.
6)  Hoje o Brasil é responsável por dois terços do comércio de ferro e por apenas 2% do comércio de aço. O Brasil não pode produzir aço? Por que um país que tem a Embraer não produz aço? A Índia produz. E é preciso lembrar que a política asiática nos afeta negativamente porque as multinacionais recebem subsídios e vantagens para fundir o cobre, por exemplo, na Ásia. Precisamos de disputa industrial para emparelhar essa disputa.
7) Por que não se faz tudo isso? Por pura ideologia. Compramos o neoliberalismo de tal maneira que tudo o que o Estado faz está mal e tudo o que o mercado faz está bem.
Está mais do que na hora dos representantes desses setores privados descerem do pedestal da arrogância e apresentarem uma avaliação mínima sobre a sua dose de responsabilidade pelas escolhas feitas nas últimas décadas, sobre o quanto investem em pesquisa e inovação, sobre as horas dedicadas a pensar em um projeto de desenvolvimento para a coletividade e não simplesmente para engrossar o faturamento no final do ano. Como apontou Palma, falta ousadia e visão estratégica, sobra comodismo e deformação ideológica. Há exceções, é claro, mas, como costuma acontecer, elas acabam confirmando a regra. (Sul 21)

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