sábado, 11 de agosto de 2012

Feliz dia dos pais!


De maternidade, todo mundo fala. Uma profusão de artigos e reportagens é publicada todos os meses em revistas femininas e, diariamente, em jornais. Mulher, é fato, gosta mais de discutir a relação, seja ela qual for, com quem for. Talvez por isso se fale tão pouco sobre paternidade.

- Há muito pouco conhecimento sobre paternidade - atesta o psicanalista Rubens de Aguiar Maciel, da USP e do Hospital das Clínicas, um dos poucos especialistas do país. "Quando comecei o doutorado, em 2006, havia só uma tese sobre o tema. Quatro anos depois, era só aquela e mais a minha. O tema é escasso inclusive em publicações internacionais." No entanto, sustenta, o pai é uma figura fundamental na estruturação da personalidade da criança e seu papel, diferentemente do da mãe, mudou radicalmente nos últimos 100 anos.

Nesta entrevista, Maciel fala sobre seu estudo inédito com homens prestes a se tornarem pais pela primeira vez, os anseios e inseguranças que os acometem. E também sobre as suas próprias incertezas como pai de duas filhas. "Eu fiz o possível para ser um bom pai, mas acho que a minha filha de 17 anos não concorda com isso."

DA CAVERNA PARA O APARTAMENTO: "Inicialmente, o homem sequer tinha noção de sua responsabilidade genética. Num passado remoto, filhos eram considerados frutos do contato da mãe com espíritos ou minerais sagrados. Não havia associação entre o ato sexual e a inseminação. Depois disso, as famílias começam a se reunir em grupos e os acasalamentos eram promíscuos e incestuosos. Numa outra etapa, temos os pais visitantes, aqueles que iam às aldeias para encontrar suas parceiras uma vez por ano. Em outro período, as famílias eram muito extensas. A intimidade vai se tornando maior à medida que essa família diminui."

A MUTAÇÃO DO PAI: "Há 100 anos, o papel do homem era o de provedor financeiro da família. Ele se relacionava com o filho na transmissão do ofício em alguns outros aspectos da educação. Mas se limitava a isso. Os cuidados e a educação do dia a dia eram função da mãe. Hoje, há outro tipo de participação, há mais intimidade. O papel do pai autoritário, dominador, que ditava normas de procedimento e comportamento vem sendo abandonado."

A FAMÍLIA CRESCE: "Quando uma criança chega numa família em que é bem-vinda, ela cria uma experiência interna de que o mundo a aceita. Isso é fundamental porque, nos primeiros anos de vida, a criança cria sua estrutura emocional, adquire confiança em si própria e no mundo. Pais inseguros, ansiosos, imaturos, ambivalentes em relação ao filho, geram uma criança com dúvidas, inseguranças, necessidade de ser e agir de acordo com expectativa dos pais. Isso gera na criança um medo de que o mundo não vai recebê-la bem, de que é preciso ficar preocupada em agradar ou não será bem recebida."

O PRIMEIRO FILHO: "A chegada do primeiro filho tem um impacto emocional muito grande. Gera fantasias e expectativas únicas que, a partir do segundo, são diferentes."

PAPEL X FUNÇÃO: "Temos que distinguir entre o papel e a função de pai. O papel é mais normativo, tem a ver com as obrigações morais que ele deve ter diante de sua família. A função é algo mais profundo, diz respeito ao mundo interno da criança, à sua personalidade, seu lado emocional."

FUNÇÃO DE PAI: "É função do pai estabelecer limites à criança, passar a ideia de que existem limites na vida. Por sua natureza, a criança vai desejar exclusividade da mãe, tê-la à sua disposição o tempo todo, ser o centro das atenções. Essa é uma postura apropriada para um bebê, mas precisa amadurecer e entender que não pode ser tão egoísta e egocêntrico ou não vai funcionar no mundo. O pai surge como aquele que deve intervir, que vai dizer "não vai dar para ficar com a mamãe o tempo todo porque ela é minha mulher e temos nossas necessidades". Essa é uma das principais funções do pai, mostrar os limites. No começo, a criança vai espernear, mas depois começa a aceitar que, embora não tenha a mãe o tempo todo, tem a boneca, a amiga, o namorado e assim por diante, ao longo da vida. A função do pai é justamente estabelecer essa noção de que a criança não é o centro do Universo, que ela convive em sociedade. É o pai quem, amorosamente, vai dizer, "olha, fica na tua, aguenta um pouco a tua frustração que daqui a pouco seus pais estarão junto contigo de novo".

MÃE E LIMITE: "A mãe madura, que não se sente culpada e ansiosa, também exerce essa função do limite. Ela explica para a criança que tem que trabalhar, que quer ver televisão, conversar com as amigas. Mas, em geral, a função é do pai, porque a mãe também tem esse desejo de simbiose, de ficar grudada com o filho."

TRANSFORMAÇÕES EMOCIONAIS: "O filho é responsável por grandes transformações, ele causa muitas reações emocionais nos pais. Os pais se questionam a respeito das suas capacidades, temem repetir os modelos vividos, querem ser pais diferentes do pai que tiveram. Isso tudo leva a duvidas em relação à própria capacidade a fazer isso. Os mais flexíveis se transformam e se adaptam. Nos mais imaturos, a repercussão emocional é muito intensa, gera muita ansiedade."

IDEALIZAÇÕES:"Junto com isso surge o processo de idealização. Muitos homens tinham a ideia de que a vinda daquele filho ia unir a família, pôr fim a conflitos. A vida traz muitas dores, e elas não são resolvidas com filho, dinheiro ou casamento. Sempre haverá problemas. Existe também a idealização em relação ao desempenho do papel de pai. Querem ser perfeitos. E essa expectativa gera conflito porque espera de si mesmo algo que provavelmente não será capaz de realizar."

CONFLITOS: "Os filhos trazem para os homens, principalmente os menos maduros, uma rivalidade não muito consciente. O filho tira do homem a atenção da mulher, surge como terceiro, como rival. Isso é muito doloroso. Ele ama o filho, mas há um ressentimento porque a mulher não transa mais com ele, não sai mais. Homens com carência afetiva têm uma aceitação menos favorável da situação. Os que têm boa autoestima são capazes de doar seu amor e não se ressentir tanto."

AMA QUEM PODE: "É uma leitura superficial, mas posso dizer que ama quem pode, não quem quer. Ou seja, não é porque você deseja algo que terá a capacidade interna de realizar aquilo. Um homem carente, que ainda espera receber do mundo, da mulher, dos amigos; que é queixoso, lamentoso, ele ainda é um filho. Ele ainda quer ser cuidado, se sente injustiçado por achar que não recebe o amor que merece. Esse desejo inconsciente vai criar conflitos com o desejo consciente de ser pai. Vão surgir conflitos porque ele não pode se doar tanto, já que não tem uma reserva emocional de amor grande e autoestima elevada. Ele vai querer ser um bom pai, mas não vai conseguir. Não é uma simples questão de deliberação. Algumas pessoas, em circunstâncias extremas, são taxadas de vagabundas, sem-vergonhas. Mas é mais complexo do que isso."

BOM PAI: "O bom pai precisa ter tido algumas condições para se desenvolver como homem maduro e amoroso, entre elas uma família que o tenha recebido bem. Outra é a individualidade do sujeito. Mesmo gêmeos têm características diferentes. Eles têm os mesmos pais, a mesma família, o mesmo afeto, mas reagem de formas diferentes. Ao receber um tanto de leite, um sorri, satisfeito, o outro acha insuficiente. Nessas pessoas predomina o instinto de morte. Elas têm pouca capacidade de tolerar frustrações, de manter experiência positivas. O ambiente é muito importante, mas não é só."

HISTÓRIA DE VIDA: "A trajetória de vida de cada um também é relevante. O sujeito pode ter um patrimônio afetivo bom, tudo certo, mas acontece um acidente grave e ele vira órfão de repente. Coisas ruins acontecem e podem traumatizar a pessoa, impedindo seu desenvolvimento. Há homens com 40 anos que agem como se tivessem 15."

AUSÊNCIAS: "Há várias dimensões de ausências. O pai pode, inclusive, estar junto e ser ausente. Pode ser presente fisicamente e ausente emocionalmente. Mas também pode estar distante fisicamente, mas presente emocionalmente, buscando na escola, ligando, conversando o tempo todo." (AG)


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