domingo, 20 de novembro de 2011

Lei de Acesso a Informações Públicas: Os segredos do Brasil que virão à tona

Os brasileiros poderão em breve ter acesso a documentos que nunca estiveram disponíveis para consulta. A Lei de Acesso a Informações Públicas já havia passado no Congresso. Agora, foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff. A partir daqui, serão 180 dias de adaptação e só: depois disso, qualquer dado não sigiloso de governos brasileiros deverá ser fornecido quando um cidadão assim pedir.

Para pesquisadores da História do Brasil, o ponto que mais interessa é o trecho da lei que garante o fim do “sigilo eterno” de documentos oficiais. Com isso, nenhum papel oficial poderá ficar longe dos olhos dos brasileiros por mais de 50 anos. Até então, não era assim: há documentos do século 19 que ainda não foram trazidos a público pelo governo federal.

A Gazeta do Povo consultou especialistas em História, Ciências Políticas e Relações Internacionais para saber quais são os fatos sobre o Brasil que devem ficar mais claros a partir de agora. A opinião é de que há três tipos de informações que serão mais interessantes. Primeiro, as revelações sobre a relação do Brasil com seus vizinhos, inclusive em guerras. Segundo, os documentos relativos às duas ditaduras que o país viveu no século 20 (a ditadura de Getúlio Vargas e o regime militar). E, por último, dados sobre o Brasil atual.

Veja alguns dos tópicos levantados pelos especialistas:

1) Relações com os vizinhos

As relações com os países sul-americanos em tempos mais recentes também estão na mira dos historiadores. Es­­pecial­mente no que diz respeito à colaboração do Brasil com as ditaduras sul-americanas nas décadas de 60 e 70. “O relacionamento do governo brasileiro com outras ditaduras da região ainda não foi totalmente explicado”, afirma o historiador Luiz Carlos Ribeiro, da Universidade Fe­­deral do Paraná (UFPR), especializado no estudo do Brasil contemporâneo. Ele cita, por exemplo, a Operação Condor, que surgiu para que as ditaduras do Cone Sul ajudassem umas às outras a capturar seus inimigos políticos.

2) Guerra do Paraguai

O caso mais emblemático de falta de acesso a informações oficiais no Brasil. Embora o confronto entre brasileiros e paraguaios tenha acabado há quase um século e meio (a guerra ocorreu entre 1864 e 1870), ainda há papéis que nunca foram revelados ao público. “Há pontos obscuros com relação a documentos sobre a formação das fronteiras”, afirma o professor de Ciências Políticas Ricardo Costa de Oliveira, da UFPR. Houve quem dissesse que a revelação dos documentos poderia azedar as relações do Brasil com o Paraguai. No entanto, o historiador Francisco Doratioto, por exemplo, autor do livro Maldita Guerra, referência na história da guerra, já deu entrevistas afirmando que a existência de documentos bombásticos sobre o assunto é “uma lenda urbana”.

3) Relações com os Estados Unidos

Para o professor Franklin Train, diretor do Núcleo de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as relações do Brasil com os Estados Unidos e com países europeus também ficarão mais claras. “No período que antecede a Segunda Guerra Mundial (1939-45), por exemplo, ainda é preciso explicar como o governo Getúlio Vargas se relacionava com as potências da época”, diz. Segundo ele, a “simpatia de governantes brasileiros com a intervenção de estrangeiros no país”, diz, referindo-se, por exemplo, ao golpe de 1964. “Os documentos liberados pelos norte-americanos já mostraram muita coisa sobre isso. Mas deve haver documentos complementares aqui.”

4) A repressão

O ponto mais citado pelos historiadores e que deve começar a ser esclarecido a partir de 2014, quando se completarem 50 anos do golpe militar de 1964, é o da repressão do governo contra cidadãos brasileiros: mortes, desaparecimentos e tortura comandados pelo Estado durante a ditadura. “É possível que se descubra que pessoas que ocupam cargos públicos hoje foram torturadores no regime militar”, afirma a historiadora Ana Die­trich, da Universidade Fede­ral do ABC. “Seria importante ter acesso, por exemplo, aos dados do Cenimar [Centro de Infor­mações da Marinha] e do SNI [Serviço Nacional de Infor­mações] para sabermos como de fato ocorreu a repressão”, afirma Marion Brepohl, da UFPR.

5) Corrupção

Para a professora Marion Brepohl, outro dado importante referente à ditadura militar (1964-85) diz respeito à corrupção dos governantes da época. “Muita gente achava nesse período que o Brasil não tinha corrupção. Mas na verdade tinha, o que não existia eram notícias sobre esses fatos devido à censura”, afirma. Segundo ela, a revelação desses documentos irá ajudar a explicar melhor como funcionaram melhor os governos militares.

6) O Brasil contemporâneo

Além dos fatos históricos, é grande a expectativa dos especialistas em relação aos documentos atuais do país. Pela lei, os brasileiros poderão requisitar quaisquer dados oficiais não sigilosos. E não necessariamente só sobre política, “Em Toronto, no Canadá, usaram informação sobre acidentes de bicicleta para criar rota de ciclistas”, diz Arthur Massuda, coordenador de projetos de acesso à informação da ONG Artigo 19 no Brasil. Segundo ele, outro exemplo está na educação. “Até agora o Inep [instituto do Ministério da Educação responsável por pesquisas] está dificultando o acesso aos microdados da Prova Brasil de 2009, importantes para educação e que poderiam auxiliar o planejamento de educação no país”, diz Massuda. Segundo ele, os pais de alunos poderão até ter acesso à folha ponto dos professores na escola pública. (GP)

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