domingo, 10 de julho de 2011

Um bilionário esclarecido na política: Um sujeito em milhões

“Viu, agora que perdi o mandato tenho mais tempo para ler”, debocha o ex-deputado federal Marcelo Almeida (PMDB), 44 anos, diante da plateia que lota o pequeno auditório improvisado na Livrarias Curitiba do Shopping Estação. São cerca de 60 pessoas, ali reunidas para mais uma edição do Conversa Entre Amigos – uma das diabruras do hiperativo Almeida. O programa foi criado em 2004, quando ele – um leitor voraz de cinco livros ao mesmo tempo – estava à frente do Detran-PR. Cada grupo de leitores tem 90 dias para ler um determinado livro e se encontrar para debatê-lo. Somando todos os núcleos, o Conversa chegou a somar 1,5 mil participantes. Uma febre.

Assista ao vídeo da última edição do Conversa Entre Amigos

Marcelo é um dos seis filhos do empreiteiro Cecílio do Rego Almeida, dono de uma das maiores fortunas do país – são 30 empresas, R$ 9,4 bilhões e uma lenda: C.R. começou como estafeta nos Correios. “Eu tinha 22 anos quando lhe disse que queria ser vereador. Ele tomou como uma ofensa.”

Desobediente, elegeu-se para dois mandatos municipais, sempre em companhia da esquerda, que aprendeu a respeitá-lo. Mas foi à frente do Detran – no governo Roberto Requião – que o Paraná descobriu o filho do seu Cecílio. Pelas suas contas, percorreu 377 das 399 cidades do estado. E ele é bom de contas – contabiliza os quilômetros que corre, no Parque Barigui, em que página das pilhas de livro parou, e os votos que sempre lhe faltam para se eleger. Pois é. A derrota do amado Marcelo Almeida na última campanha é um mistério. “Acho que as pessoas andam três quadras e me esquecem.” Será?

Marcelo Almeida é ruim de voto?

[risos] Sou. Não sei se esse troço de política é para mim. Acho que es­­tou sendo muito ético. Não sei se os outros candidatos gastam três ve­­zes o que eu gasto, se compram vo­­to. A maneira como fiz as duas elei­­ções para deputado federal saem do contexto. Eleição é um pouco mais faca na bota, dedo no olho. Não vou entrar nessa história...

Qual vai ser a história? É o fim da sua vida pública?

Não sei. Eu faço política sem mandato mesmo [risos]. Tenho a im­­pressão de que só tenho credibilidade grande para quem me conhece de perto. Talvez vocês saiam daqui pensando que eu seja um cara com um perfil do bem, mas que essa impressão desapareça nas próximas três quadras. Sou diferente do Gustavo Fruet. O Gustavo conseguiu ampliar o que ele é. Eu não consegui ampliar o que sou.

Ser muito rico atrapalha?

Saiu uma matéria afirmando que eu era o segundo homem mais rico do Congresso Nacional. Disseram que isso ia acabar com a minha carreira. Mas não me vejo assim. Continuei indo para o Sudoeste de ônibus, correndo de madrugada no Parque Barigui. Continuei sem carro blindado. Se eu tentasse ser o que não sou ia virar um cara em quem nem eu mesmo votaria. Vão sempre dizer: “O Marcelo Almeida é filho do seu Cecílio Almeida, dono de pedágio, está no PMDB...” É muito difícil me analisar.

Ser filho do Cecílio é um peso?

Isso é muito 20 anos atrás, né. Quando eu era vereador só se falava nisso. No fundo, ser filho do Cecílio me trouxe um respeito – respeito com medo, por causa do mito. E eu era o caçula. Caçula pisa no rabo do cachorro. Ele era um anjo para mim. Foi um amor incondicional.

Cecílio exigiu de você que fizesse Engenharia...

... 100%. Ele sabia que eu tinha pavor de ir à faculdade. No primeiro ano, encontramos um professor meu na banquinha do Batel. Os dois se conheciam. “E aí dr. Cecílio, tudo bem? Quem é esse aí?” Era eu. O homem nunca tinha me visto na sala de aula. O pai me perguntou o que eu fazia na faculdade. Falei “eu só namoro” [risos]. Fui honesto, ué? Pense bem – eu com um Monza e com cabelo... Saí da banca sem a chave do carro e sem minha conta do Banestado.

Por que escolheu a política?

Eu era politiqueiro desde criança. Falava com a empregada, com o guardião, dava um jeito de organizar o futebol na minha rua. A família tentou me demover, claro. Até hoje, né? [risos] Mas valeu. Valeu ter seguido meu coração.

Na política, já se sentiu fora do seu lugar?

Eu? Imagine os primeiros seis meses em Brasília [ficou de 2007 ao final de 2010]. Pensava: “Por que fui pedir voto? Que vergonha”. Passava no corredor a Luíza Erundina, o Fernando Gabeira, e ninguém me olhava. No final, fiquei amigo dos grandes pensantes do Congresso Nacional. Quebrei um paradigma: cheguei com o segundo maior imposto de renda do Brasil, falando de literatura e não andava com prostituta...

Os muito ricos no país, em geral, fizeram pouco pela ciência e pela educação. Você se sente mal em fazer parte da elite?

Minha formação vem da esquerda. Convivi com o Vanhoni, Stica, Samek, Tadeu Veneri, Rosinha... Em meu mandato de vereador eu batia palmas – dizia que tinha de votar contra o pessoal do transporte coletivo, contra a família Simões. Pensavam o quê? Que eu ia ficar ligado nessa cambada? Mostrei para o PC do B, PSol, PSTU que sou um cara de bem. Podem falar mal da empreiteira, mas não de mim. Consegui isso.

E o Requião, azedou a festa...

Isso é estilingue. O Requião confirmou todas as brigas dele com o empreiteiro Cecílio do Rego Almeida no caso dos pedágios e mesmo assim me colocou no lugar onde mais circula dinheiro no Paraná – acho. O Requião foi um cara muito importante na minha história. Ele me tirou do mundinho da Câmara Municipal e me pôs numa autarquia onde eu pude ter uma visão territorial do estado. Me trouxe para outra escala. Catapulta. Foi um belíssimo empurrão na vida pública...

Dizem que você aflorou no Detran...

Ia às 5 horas da manhã para lá. Cuidava daquilo como se fosse o meu filho mais novo. Me deixou de peito estufado. Era muito dinheiro para administrar. Peguei com R$ 8 milhões e entreguei com R$ 400 milhões. Tinha o Mutirão pela Vida, cada dia a gente estava num canto. Às vezes fico vendo trechos das 300 horas de fitas gravadas. Vocês imaginam que eu só não conheci 20 cidades no Paraná?

Como nasceu o leitor Marcelo Almeida?

Meus pais viajavam muito com os quatro filhos mais velhos. Os dois menores, muitas vezes, ficavam na casa da avó, ali na Rua Francisco Rocha com a Visconde de Guara­­puava. E lembro de a gente ver se já tinha chegado cartão-postal de onde eles estavam. A avó ficava lendo para a gente, e lendo, e lendo... Fui um garoto de gibi. Mas aos 21, 22 anos, conheci o Jamil Snege [morto em 2003] e comecei a fazer uma história diferente.

Como foi o encontro de vocês?

Eu estava pensando em ser vereador e o procurei na agência que ele tinha. O Turco, como a gente o chamava, esbravejou. “Que vergonha, ser vereador. Vamos comer uma paçoquinha, vamos ler.” Ele me deu um livro, dois, me ensinou a ir à livraria. O Jamil confirmou que eu não seria um playboy, um filhinho de papai. Falou: “Você vai ser um homem da leitura.”

O que você sente quando lê? Você chora?

Choro...

Então está eleito...

[risos] Nunca cheirei cocaína, mas o cara que cheira deve sentir o que eu sinto quando entro no livro. Já fiz loucuras.

Você sente falta de interlocutores no mundo dos negócios?

Nunca me perguntaram isso. Estou num momento de mudança, mudando de roupa, de pelagem. Estou no inverno. Depois de 20 anos de homem público estou virando um homem privado. Cada vez que vou a uma reunião das empresas eu percebo a falta de leitura dos executivos. Em alguns momentos, o encontro podia ser de um outro jeito se alguém ali tivesse lido Gabriel García Márquez ou Enrique Vila-Matas.

Marcelo Almeida gostaria de ter vivido outra vida...

A besteira que fiz na vida foi não aplicar tudo que aprendi na literatura quando fui deputado federal. Tinha tanto conteúdo para ser um ho­­mem diferente e não fui. Es­­ta­­va tão próximo de ser um líder e aca­­bei não utilizando tudo o que sei.

Tem uma pergunta do pessoal da redação. Eles querem saber quando você começou a ficar careca...

[risos] Aos 23 anos. Um dia, fui almoçar com o José Serra. E ele veio com essa tese: “Para o político é bom ser careca. De longe, as pessoas nos conhecem.” O careca é uma referência na multidão... (GP)


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