sábado, 25 de junho de 2011

Extração de ouro ameaça Paracatu

Expansão de mina da canadense Kinross aumenta risco de contaminação em Paracatu sem dar suficiente contrapartida financeira para a cidade
Bernardino Furtado - Estado de Minas
No subsolo dominado por sulfeto de arsênio, mina de ouro avança sobre a zona urbana. A produção será triplicada, exigindo a remoção de moradores e o rebaixamento da cava em mais 90 metros

Paracatu (MG) - A iminente construção de uma barragem de rejeitos tóxicos de 2 mil hectares de superfície, cerca de 10 vezes maior que a área da Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte, intranqüiliza os 80 mil moradores da cidade, a 500 quilômetros a noroeste de Belo Horizonte. O lago vai se somar a outro, de 1 mil hectares, que há 20 anos acumula lama ácida e metais perigosos para a saúde humana como o arsênio e o chumbo. A obra é parte essencial da expansão da Rio Paracatu Mineração (RPM), pertencente ao grupo canadense Kinross Gold Corporation. O empreendimento ganha maior dramaticidade porque o complexo minerário da RPM fica praticamente dentro da zona urbana e avança em direção a alguns bairros. Casas, ruas com rede de água e luz e até equipamentos públicos, como escolas, já foram demolidos para a ampliação da lavra.

A empresa pretende aumentar a produção anual de ouro fundido em barras das atuais 5 toneladas para 15 toneladas. Para isso, nas próximas três décadas, tempo previsto para a exaustão da mina, terá de arrancar 61 milhões de toneladas por ano de rochas com o uso de explosivos e escavadeiras, transportá-las para a planta de processamento, que usa uma substância altamente tóxica, o cianeto, e descartar o material na barragem. Até o ano passado, o volume de minério extraído chegava a 18 milhões de toneladas. A cava da mina também terá de ser aprofundada em 90 metros.

A movimentação gigantesca de terra na Mina de Paracatu decorre da baixíssima concentração de ouro, considerada a menor do mundo. Há, em média, 0,4 grama do metal por tonelada de minério, constituído predominantemente por sulfetos de arsênio, de cobre, de ferro e de chumbo. As minas da Vale, a maior produtora de ouro do Brasil, por exemplo, têm de 2 até 12 gramas de metal contido por tonelada de minério.

Para se ter uma idéia da magnitude do deslocamento de terra da RPM, basta citar a Mina do Pico, em Itabirito, pertencente à Vale. No estado, é uma das maiores extrações de minério de ferro, atividade conhecida pelas crateras que produz. A mina movimenta 30 milhões de toneladas de terra por ano. Esse material gera 15 milhões de toneladas de minério de ferro pronto para ser transformado em metal pelas siderúrgicas. Em relação à atividade da RPM, tem a vantagem ambiental de não submeter todo o volume deslocado a processos químicos ou físicos de concentração. O chamado estéril é simplesmente depositado em pilhas nas redondezas de onde é extraído.

Fotos: Beto Magalhães/EM/ D. A Press
A atual barragem de rejeitos da RPM está sendo alteada em dois metros e alcançará uma superfície de 10 milhões de metros quadrados

Há procedimentos e técnicas disponíveis para conter a infiltração de material tóxico de barragens para o entorno. No entanto, especialistas afirmam que o controle se torna muito difícil quando estão em jogo grandes volumes de rejeito ácido em represas da dimensão projetada pela RPM. Somam-se a esses fatores a proximidade de áreas densamente habitadas e a existência nas bacias das barragens de córregos e nascentes importantes. O material, depois de seco, exposto à ação de ventos, também é uma potencial fonte de poluição atmosférica.

O cientista Sérgio Ulhoa Dani, presidente da Fundação Acangaú, dedicada em Paracatu à pesquisa tecnológica e à preservação ambiental, diz que os danos à saúde humana, à flora e à fauna decorrentes da atividade da RPM podem perdurar por gerações. “Acho que não vale a pena a expansão e especialmente a barragem, mas, se isso for inevitável, é preciso encontrar soluções menos agressivas e obrigar a RPM a compensar adequadamente a população pelos danos futuros e também pelo passivo ambiental acumulado desde 1988”, diz.

As compensações ambientais, na forma de projetos eleitos pela sociedade local, na opinião de Dani, deveriam representar um naco significativo do faturamento da RPM, que tem se mantido acima de R$ 200 milhões anuais nos últimos anos (R$ 204 milhões em 2007) e tende a triplicar com a expansão. “Os impostos e os empregos gerados, além de serem poucos, não passam para as próximas gerações”, argumenta o cientista.

Com base nos últimos dados disponíveis, de 2006, da própria mineradora e da prefeitura local, Sérgio Dani estima que a participação total da RPM na arrecadação municipal não passe de 10%, o que inclui as transferências obrigatórias à União e ao estado, além da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem). Este último tributo, criado justamente para permitir aos municípios desenvolver atividades econômicas alternativas depois da exaustão do minério, deverá representar, no caso da RPM, pouco mais de 2% da receita do município de Paracatu, estimada no Orçamento de 2008 em cerca de R$ 96 milhões.

Para o estado e a União, a contribuição fiscal da mineradora é menor ainda, uma vez que quase a totalidade do ouro produzido no Brasil se converte em ativo financeiro ou é exportado. No primeiro caso, está sujeita apenas ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Quando é vendido para o exterior, também é isento de ICMS e de IPI.

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