terça-feira, 17 de maio de 2011

Produtores de alimentos denunciam fumicultores


Produtores de alimentos agroecológicos que atuam na região de São João do Triunfo (Sul pa­­­ranaense) protocolaram de­­­núncia junto ao Ministério Pú­­­blico do Paraná (MP) e ao Mi­­­nistério Público do Trabalho (MPT) contra agricultores que cultivam tabaco. Eles alegam que o uso ilegal de agrotóxico prejudica sua atividade e a saúde pública.

Os agricultores que estão recorrendo ao poder público formaram um bloco batizado de Coletivo Triunfo. Participam sindicatos de produtores rurais de São João do Triunfo, Palmeira, Rio Azul e São Mateus do Sul, além de organizações não-governamentais (ONGs) que promovem o cultivo de alimentos livres de agrotóxicos.

Segundo documento elaborado pelo Coletivo, as propriedades que plantam fumo estão utilizando o herbicida Gamit 500, que tem comercialização proibida no Brasil. Entre outros problemas, essa prática teria causado a morte de pássaros, peixes, plantas nativas e medicinais, além de causar o aborto de frutos nos pomares e a contaminação de hortaliças. Teriam sido verificados também reflexos na saúde das famílias de produtores, como dores de cabeça, tonturas e quadros de depressão.


O Ministério Público do Tra­­balho começa a atuar no caso. A procuradora Margaret Matos de Carvalho programa uma audiência pública, ainda sem data marcada, para discutir o assunto com os produtores. Uma das alternativas seria proibir o uso dos agroquímicos mais tóxicos nas pequenas propriedades, adianta. “A bula de boa parte dos agrotóxicos recomenda que as pessoas fiquem afastadas das áreas de aplicação até sete dias após a pulverização. Isso é impossível em pequenas propriedades”, observa.

Um desses casos é o de Val­­­demar Antunes Leite, de 39 anos. Ele planta milho, feijão e trigo e também fornece alimentos para o programa de merenda escolar do município de São João do Triunfo. Toda a sua propriedade teria sido afetada pelo uso irregular do Gamit na vizinhança. “Perdi toda a minha horta. Só agora (seis meses após a contaminação) consegui me recuperar. Na época, até parei de fornecer os alimentos para a merenda, pois o que não quero para meu filho não quero para os filhos de outros”, relata.

De acordo com o engenheiro agrônomo Luiz Claudio Bona, da ONG AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, algumas formulações do Gamit são permitidas no Paraná, o que não inclui o Gamit 500, que estaria sendo utilizado na região. A Secretaria de Estado da Agricultura e do Abaste­­cimento (Seab) permite apenas o Gamit 360 CS para plantações de fumo; outras duas composições, o Gamit e Gamit Star também são permitidas, mas para outras culturas.

“O Defis (Departamento de Fiscalização) da Seab licenciou o Gamit. No ano passado, atendendo recomendações técnicas, os produtores compraram Gamit 500 com a receita do Gamit 360”, acusa Bona. A reportagem não encontrou embalagens do Gamit 500 em São João do Triunfo.

A distribuição ilegal de herbicida é confirmada pelo próprio secretário de Agricultura do município, Acir Wagner, que também é fumicultor. “Os técnicos das fumageiras receitam o produto”, sustenta. “Eu mesmo utilizei na minha plantação”, confessa. O secretário argumenta que “o problema não é o produto, mas a má utilização do mesmo, sem critérios e equipamento adequado”.

A Universal Leaf, uma das indústrias fumageiras que tem contratos nos municípios do Sul do Paraná confirma que o Gamit 360 CS está no pacote de insumos fornecido aos produtores, mas nega que seus técnicos estejam recomendando outra formulação. Nota emitida pela empresa garante que “(...) os técnicos e agrônomos somente recomendam o Gamit 360 CS, que possui registro no Minis­­tério da Agricultura, Anvisa e Ibama para uso na cultura do tabaco”. “A principal característica da formulação CS é a baixa deriva, não afetando as demais culturas ou vegetação adjacente às lavouras onde é usado”, diz o comunicado.

A Souza Cruz, outra indústria fumageira que trabalha com produtores da região Sul do Paraná, não se ateve aos aspectos da denúncia, mas enviou nota afirmando que busca a ampliação de práticas sustentáveis para o seu modelo de produção de tabaco. “Com uma forte estrutura de Pesquisa e Desenvolvimento e com um corpo técnico de campo altamente qualificado, estas práticas são repassadas para os agricultores que atuam em nosso sistema integrado de produção”. Até o fechamento da edição, a Philip Morris ainda não tinha respondido as questões enviadas pela reportagem.

Fiscalização depende de ajuda do campo

A responsabilidade de fiscalização do uso de agrotóxicos em lavouras é da Divisão de Fisca­­lização de Insumos da Secretaria de Estado da Agricultura e Abas­­tecimento (Seab). O chefe da divisão, Adriano Riesemberg, afirma que o governo tem conhecimento dos problemas que envolvem plantações de fumo na re­­­gião Sul e que os casos estão sen­­­do investigados.

“Participamos de uma reunião com produtores e explicamos como podemos ajudar nesse processo. Precisamos que eles nos digam onde está o problema e a época em que ele acontece para podermos agir. Depois de algum tempo, os efeitos nocivos desaparecem e a fiscalização fica prejudicada”, diz.

A estrutura da Seab não é suficiente para atender toda a demanda. “A fiscalização é por amostragem. São 36 agrônomos para o estado do Paraná inteiro. Temos poucos veículos e às vezes não temos combustível suficiente”, relata Riesemberg.

Outro ponto destacado pelo chefe da fiscalização é a falta de comprometimento de alguns produtores com as leis e técnicas de utilização dos herbicidas. “Os agricultores acabam dando muito pouca importância para as receitas. Usam receitas incorretas ou até mesmo falsas e utilizam de forma errada o produto”, afirma.

Esse problema também é verificado pelas fumageiras. A Universal Leaf diz ter conhecimento de que agricultores da região (mesmo cientes das orientações da empresa) podem ter adquirido no mercado formulação de Gamit 500, mais concentrado que o permitido. A empresa não recomenda o uso desse produto.

Na última safra, o Paraná cultivou 81 mil hectares com fumo e colheu aproximadamente 167 mil toneladas de folhas de tabaco. A participação é de 20% na produção nacional, estima a Seab. O Brasil se sustenta como maior exportador de tabaco do mundo, depois que países como os Estados Unidos reduziram sua participação nesse mercado.

A produção no campo se desenvolveu de forma integrada. As indústrias fornecem tecnologia, insumos e intermediam o financiamento de galpões. Os produtores rurais se comprometem a entregar a produção às indústrias que os orientam e assistem. No último ano, houve reajuste de 10% no preço do fumo. Os melhores fardos valem até R$ 7,80 o quilo. Num hectare, os fumicultores alcançam média de 1,8 mil quilos. (GP)

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