terça-feira, 24 de agosto de 2010

Sakineh está morta


Sakineh Mohammadi Ashtiani, a iraniana de 43 anos, está morta, embora sua execução, seja pelo bárbaro apedrejamento, ou pelo “misericordioso” enforcamento, não tenha, ainda, sido levada a cabo pela teocracia iraniana.

Essa e muitas outras mulheres, muçulmanas, católicas, ou qualquer que seja a sua crença, não importa; como tanto faz suas etnias, morrem diariamente, cortadas pelo fio agudo da discriminação, pela ablação clitoriana, em quase tenra idade.

Até na horripilante lapidação elas estão em desvantagem, com as mãos enterradas, impedidas de proteger seus rostos, ao contrário dos homens.

A fêmea da espécie humana é a única tratada como inferior pelo sexo oposto, dominante. Podem variar as formas conforme a cultura, mas não a torpeza, a maldade cuja origem se esconde nas sombras da psicopatia “consuetudinária”, digamos.

Mas são as aparências que contam, e as culpas são então expiadas do Dia da Mulher, das Mães, dos Namorados, e, até – novidade da moderna marquetologia – Da Secretária. Nesse jogo de submissão, louvam-se as santas, as Virgens Marias, e, até, quem sabe, as Marias Madalenas, pois elas se submetem, apanham, têm seus rostos desfigurados com ácido em alguns países, e nada acontece com seus agressores.

Mas elas quase sempre recuam, retiram as queixas contra seus homens, mas não por pena, e sim porque se acostumaram a viver assim, nessa simbiose infernal.

Como sói ser, existem, sim, as poderosas, aquelas com quem ninguém se mete, seja porque souberam se agarrar à boia salvadora da política, da riqueza, de uma intelectualidade que, milagrosamente, pôde vir à tona em meio à aridez da indiferença hipócrita travestida de piedade, ou foram salvas depois que um cálculo político apontou um saldo positivo, ao final das contas.

Sakineh, Maria da Penha, a advogada Mércia, de um modo ou de outro, não conseguiram se despir do epíteto do sexo frágil, um sofisma, afinal.

Seus homens jamais as mereceram, a Igreja nunca as honrou como iguais aos homens. Ou complementares a eles – “contaria sunt complementa”. Como se pode desprezar e discriminar alguém que completa outrem, que gera uma vida sofrendo as dores do parto, enquanto o homem só goza?

Ao fim e ao cabo, a discriminação e a violência de gênero – onde se encaixa o estupro, mesmo entre casais, porquanto toda relação sexual não consentida o é, e não é justo obrigar uma mulher a engravidar, mesmo casada – se equiparam, no mínimo, ao racismo.

A lógica hitleriana que postulava uma “raça” superior, Ariana, é a mesma que faz com que mulheres ganhem menos, e ao mesmo tempo, sejam ridiculamente louvadas como a primeira mulher a tornar-se isso ou aquilo, assim como se costuma dizer, com um quê de falso assombro, sob o qual se esconde um viés racista, “Fulano(a) é o primeiro negro ou negra a ascender a determinada posição sócio-político-econômica.”

O que diria Hannah Arendt desse infindável statu quo? Qualquer coisa inteligente decerto, mas jamais ela se surpreenderia com a sua perpetuação.

P.S: Citando George Orwell, “A linguagem política é concebida para fazer mentiras soarem como verdades, assassinatos parecerem atos respeitáveis, e para dar a aparência de solidez ao vento puro”.

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