quinta-feira, 1 de julho de 2010

Serra, Autonomia do BC e Desindustrialização

Na entrevista de ontem ao programa Roda Viva da TV cultura, o candidato do PSDB a Presidência da República, José Serra, abordou duas questões que eu considero fundamentais na definição de um novo modelo macroeconômico para garantir a sustentabilidade do crescimento a médio prazo da economia brasileira. O primeiro ponto refere-se a operacionalidade da condução da política monetária. Serra defendeu o modelo chileno para a atuação do BC, modelo no qual o Ministro da Fezenda tem voz, mas não tem voto, na definição da taxa básica de juros. Esse modelo – longe de ameaçar a autonomia operacional do BC (o que seria impossível, uma vez que o Ministro da Fazenda não tem poder de voto nesse modelo!!!) – tem por objetivo fazer uma maior coordenação entre a condução da política monetária e a política fiscal, algo que, no Brasil, tem deixado muito a desejar. Por exemplo, enquanto no final de 2008 o BC fazia “cara de paisagem” com respeito aos efeitos da crise econômica mundial sobre o Brasil, recusando-se a reduzir a taxa de juros básica num contexto em que a produção industrial despencava quase 30 % em três meses (velocidade de queda superior a observada nos EUA durante a grande depressão), coube ao Ministério da Fazenda, em conjunto com o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES, a tarefa de abortar uma severa recessão que se formava no horizonte da economia brasileira para o ano de 2009. Foi a política fiscal, em conjunto com o crédito concedido pelos bancos públicos, que “salvaram o dia” da economia brasileira, permitindo uma recuperação rápida do nível de atividade econômica a partir de abril de 2009. O afrouxamento da política monetária ocorrido a partir de janeiro de 2009 – três meses após a falência do Lehmam Brothers !!!! – foi “muito pouco, muito tarde”, uma vez que seus efeitos só começaram a se fazer sentir quando a economia brasileira já estava a caminho da recuperação cíclica.

Mais recentemente, constatamos o BC iniciando um novo ciclo de elevação da Selic, ao mesmo tempo em que o Ministério da Fazenda ainda mantem várias medidas de estímulo fiscal (IPI reduzido, por exemplo) adotadas no calor da crise de 2008. Ou seja, enquanto para o BC a economia brasileira está “super-aquecida” para o Ministério da Fazenda ainda existe o risco de “duplo mergulho” na recessão !!! O resultado dessa esquizofrenia dentro da área econômica do governo é a combinação perversa entre uma política monetária contracionista e uma política fiscal (moderadamente) expansionista, o que gera uma forte tendência a apreciação da taxa de câmbio (contrabalançada, temporariamente, pelos efeitos da crise do Euro sobre os mercados emergentes), o que agrava o déficit em conta-corrente e a tendência a desindustrialização da economia brasileira.

Serra foi enfático a respeito da desindustrialização. Tal como argumentei num artigo recentemente publicado na Revista de Economia Política, escrito em co-autoria com a Professora Carmem Feijó (“Desindustrialização: conceituação, causas, efeitos e o caso brasileiro”. Link: http://www.rep.org.br/Pesquisar3.asp?id=1212), o ex-governador de São Paulo afirmou na entrevista que “o país está se desindustrializando”. Com efeito, vários estudos públicados no Brasil ao longo dos últimos anos tem mostrado de forma consistente esse resultado[ Marqueti (2002), Bonelli (2005), Feijó et alli (2005), Almeida (2006)]. Segundo dados de Almeida (2006), a participação do valor adicionado da indústria de transformação no PIB do Brasil se reduziu de 32% em 1985 para 23% em 2005, ou seja, uma queda de 9 p.p em 20 anos !!!! De 2005 até 2008, o valor adicionado da indústria de transformação tem crescido sistematicamente abaixo do PIB brasileiro, dando continuidade ao processo de desindustrialização da economia brasileira.

Uma efetiva coordenação entre a política fiscal e monetária ao lado da implementação de medidas que eliminem a tendência a apreciação da taxa de câmbio, de forma a estancar o processo de desindustrialização da economia brasileira, são assuntos importantes a serem tratados nesta campanha eleitoral. Até o presente momento, apenas José Serra tem tratado dos mesmos. Eu esperava alguma discussão nesse sentido por parte da candidata do governo, Dilma Rouseff. Infelizmente, no entanto, a ex-ministra da Casa Civil parece ter sido seduzida pelo discurso pró-mercado financeiro do ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

1 comentários :

Remember - and another things disse...

Ano político. Ano de acreditarmos mais uma vez em Papai-Noel. Quem ganhar, terá a fórmula mágica para solucionar os problemas de saúde, habitação, segurança e emprego. Aliás, estes últimos 4 tópicos, estão na ponta da língua de todos os candidatos desde o tempo do avião a lenha! De concreto ? nada. Absolutamente NADA. A começar pelas alianças políticas, que apenas servem para deixar quem está no poder. Os candidatos "sem nome" correm com as próprias pernas, sem um marketing político mínimo, e em discursos que nem sequer sabem o que estão falando. Falta muito para o Brasil. Falta tudo!

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