segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Parlamentares articulam plano B para os royalties

Wellington Dias discursa na sessão em que foi aprovada a urgência para a análise dos vetos de Dilma

Tão logo foi aprovada a urgência para a votação do veto ao projeto que redistribui os royalties do petróleo, uma alternativa à rejeição da prerrogativa presidencial já era articulada por um grupo de parlamentares envolvidos na questão. Em 30 de novembro, a presidenta Dilma Rousseff atendeu as reivindicações de estados produtores e vetou, integralmente, o artigo 3º do projeto, protegendo contratos já licitados entre estados, municípios e empresas envolvidas com a exploração do minério. Caso o veto seja derrubado, o dispositivo retomará sua vigência e, além da redistribuição dos recursos provenientes de contratos em vigor, o Congresso terá imposto ao governo Dilma o ineditismo da derrubada de uma decisão da presidenta.


Uma saída menos traumática para a relação entre governo e base aliada é sinalizada pelo senador Wellington Dias (PI-PT), autor de um dos vários textos que tramitaram no Congresso sobre o assunto, aprovado em outubro de 2011 no Senado. A solução proposta pelo senador petista está nas emendas à Medida Provisória 592/2012, que, assim, restituiria o teor do veto, preservando os termos do projeto sancionado (Lei nº 12.734/2012). A MP destina 100% dos royalties das futuras concessões de petróleo para investimentos na área de educação.
Assinada três dias depois do veto, a medida provisória já recebeu 62 emendas, algumas sem qualquer relação com o tema central. Segundo o senador, Dilma admite sancionar a matéria caso 26 dos 27 entes federativos, com exceção do Rio de Janeiro, cheguem a um entendimento.
Recuo estratégico
Essa alternativa à derrubada do veto consistiria no resgate do substitutivo apelidado de “proposta Zarattini” – menção ao deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que modificou na Câmara o texto elaborado pelo próprio Wellington e, no Senado, aprovado com relatório de Vital do Rêgo (PMDB-PB). Depois de uma manobra da ampla maioria dos representantes dos estados não produtores, o texto do petista foi descartado, em 6 de novembro, em favor daquele elaborado por Wellington. A essência da proposta de Zarattini determina maior repasse a estados não produtores, com redução gradual para os produtores, a partir dos contratos futuros e de montantes já sob a tutela do Tesouro Nacional. Além disso, a proposição define para estados e municípios não produtores os repasses dos fundos especiais, a exemplo dos critérios de rateio dos Fundos de Participação de Estados e Municípios (FPE e FPM).
Wellington lembra que a questão referente aos leilões de exploração de petróleo na camada pré-sal já realizados está sancionada. Nesse sentido, Rio de Janeiro e Espírito Santo, os principais estados produtores, não aceitam alterar “uma vírgula” em relação às concessões já licitadas, ou seja, os contratos já firmados entre empresas da atividade petrolífera e os entes federativos. O senador considera que o repasse dos dividendos de contratos de anos anteriores com Rio e Espírito Santo deve mesmo ser mantido, mas lembra que, se não houver acordo em torno dos repasses vindouros, cerca de dois terços dos parlamentares na Câmara e no Senado estão dispostos a votar e derrubar o veto já nesta terça-feira (18).
Disputa marítima
Na costura do acordo, o senador piauiense lembra que o Brasil é signatário de um tratado internacional de 1982 que considera “mar territorial” a área que se estende da praia a até 12 milhas, sob guarda do estado correspondente. “Depois do mar territorial, a 200 milhas, é onde está localizada essa riqueza do pré-sal e outras espalhadas no Brasil inteiro em mar. Estamos falando de uma riqueza em mar, que pertence, pela própria Constituição, à União, ao povo brasileiro, e que deve ter uma distribuição descentralizada da União, como está acontecendo, e descentralizada desse ou daquele estado”, discursou Wellington. Ele reclamou da “intransigência” do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), e destacou sinais de “boa vontade” em busca de entendimento dados por Renato Casagrande (Espírito Santo) e Geraldo Alckmin (São Paulo).
No bojo da “proposta Zarattini”, segundo o petista, a distribuição de recursos de agora em diante não implicará quebra de contratos, uma vez que tais receitas seriam rateadas “pós-contrato”, em que a União repassaria para estados e municípios os recursos recolhidos pelas empresas em tais licitações. Nesse modelo, o montante segue para o Tesouro e, em seguida, é depositado no Banco do Brasil, responsável pelos repasses finais aos entes federativos. A nova sistemática, disse Wellington, não é inconstitucional ou causa insegurança jurídica, uma vez que cabe ao Congresso a atribuição por legislar sobre receitas da União e seus respectivos sistemas de repasse – caso, por exemplo, do FPM e do FPE, que englobam tributos como Imposto sobre Produtos Industrializados e Imposto de Renda de Pessoas Físicas e Jurídicas.
“Estamos tratando de uma nova sistemática de distribuição. É inadmissível que persista na concentração, chegando a 82% com Rio e Espírito Santo”, criticou o senador, para quem o “petróleo em mar” é um bem da União a ser distribuído entre todos os estados e municípios. “Havendo um entendimento em relação a esse ponto, é possível resolver com um projeto de conversão à medida provisória”, completou, lembrando que a tramitação de tal proposição implica análise em comissão mista antes de votação nos plenários da Câmara e do Senado. “Não havendo esse entendimento, na próxima terça-feira [18], às 19h, como está programado, acredito que teremos a votação e a derrubada do veto.”
“Neutralidade”
Depois da sessão plenária tumultuada da última quarta-feira (18), o Congresso em Fococonversou com diversos congressistas sobre o futuro das proposições que redistribuem os royalties – recursos pagos a entes produtores a título de compensação por danos sócio-ambientais decorrentes da exploração do minério.
A reportagem apurou que, na hipótese de rejeição do veto, o ônus pela diminuição do repasse de recursos aos entes produtores – e, em última análise, da quebra de contratos – recairá sobre os ombros de representantes de estados não produtores, que passam a receber um quinhão maior da riqueza do minério. Por esse raciocínio, a presidenta teria feito sua parte com o veto, sob o argumento da observância da Constituição, e deixaria para o Parlamento a tarefa de encontrar alternativas, sempre sob o olhar privilegiado do presidente do Congresso, José Sarney (PMDB-AP), membro da base de sustentação de Dilma e responsável pela convocação de sessões para análise de vetos.
Durante todo o dia de discussões, líderes de governo e de bancada, na Câmara e no Senado, evitaram interferências em uma questão suprapartidária, afeita a questões regionais. Voltados às demandas de seus estados e municípios, liberaram seus liderados para fins de votação. O senador Eduardo Braga (PMDB-AM), líder do governo no Senado, por exemplo, declarou à reportagem que o Palácio do Planalto resolveu adotar uma “posição de neutralidade”. E disse não acreditar em alterações orquestradas sobre o que já foi concebido sobre os royalties.
“Não quero comentar ainda nada sobre questão de veto até que haja resultados. Mas estamos estudando e, caso haja derrubada do veto, vamos nos pronunciar”, refugou Eduardo, também sem querer emitir opinião sobre a provável judicialização do problema. “O que aconteceu de verdade é que o processo legislativo [da análise do veto] foi iniciado. Na minha opinião, é uma decisão política já tomada pela Casa.”
Veto ou Justiça
Representantes de estados produtores preferem uma saída negociada com o governo a criar uma indisposição que, em última análise, implicaria retaliação da União contra entes federativos – embora a presidenta Dilma Rousseff já tenha dito, publicamente, que a decisão do Congresso é soberana, e que não haverá interferência do Executivo. Se não houver sinalização de acordo por parte do Planalto, e persistindo a inflexibilidade de Cabral, adverte Wellington, não haverá outra solução. “Definitivamente, não há acordo com os estados confrontantes. Por isso, vai a voto o veto”, vaticina.
Autor de um dos mandados de segurança contra a urgência de votação do veto, Lindbergh Farias (PT-RJ) diz que, independentemente de um eventual acordo, a ofensiva judicial será inevitável. E uma tentativa de resgate dos termos do veto na MP (artigo 3º), acredita o petista, novamente rejeitado pela presidenta. “Se houver alguma modificação para voltar com isso na pauta, eles já sabem que vai ser vetado novamente. O que a gente não aceita, por ser direito nosso, é mexer no que está para trás. O Zarattini sabe disso, e a Dilma já vetou”, enfatizou.
Reação
Para manter a eficácia do veto, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), também autor de mandado de segurança no STF, diz até considerar o enxerto de emendas na medida provisória que será analisada, em um primeiro momento, em comissão mista. Mas, para o deputado, o problema em voga é regimental, e a questão de conteúdo vai ficar mesmo para uma segunda etapa de discussões.
“O mais importante é garantir o respeito ao veto da presidenta. É mais eficaz, inclusive, porque a fundamentação está na Constituição. Ela mesma considerou inconstitucional o projeto que vetou. Junto com ela, vamos ao Supremo defender o veto e evitar essa flagrante violação da Constituição que os estados não produtores querem fazer”, concluiu Molon, para quem os representantes dos estados produtores se sentiram “atropelados” pela maioria dos estados não produtores, embora ainda não tenham sido “derrotados”.
Sobrenatural de Almeida
Ministro da Fazenda no governo José Sarney (1985/1988), o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) criticou a edição de um Diário do Congresso “só com um veto que ninguém viu, um verdadeiro Sobrenatural de Almeida que apareceu na hora e ninguém sabe de onde saiu”. Sem a devida publicidade, avalia, não havia como o veto ter entrado em pauta. A referência ao escritor Nelson Rodrigues, no entanto, pode ficar restrita à ficção – na vida “como ela é” e na política, acredita Dornelles, tudo pode acontecer. “Eu acredito até a última hora em que o veto vai prevalecer”, disse o líder do PP, rebatido de primeira pelo deputado Silvio Costa (PTB-PE). “O senador Dornelles é um craque, mas todo craque tem seu dia de perna de pau.”
Já Randolfe Rodrigues (Psol-AP) vê a questão sob a ótica da macroeconomia. Para o senador, o veto deve ser apreciado diante da necessidade de redistribuição dos royalties, mas outras formas de manejo de recursos é que são o verdadeiro problema. “Acredito que isso seja um falso debate. Estamos criando uma guerra na Federação por R$ 18 bilhões, enquanto nos juros do superávit primário, no pagamento dos serviços da dívida, a gente trata de mais de R$ 300 bilhões. Pegam as migalhas, que é essa distribuição dos royalties, e transformam em uma guerra federativa”, disse Randolfe, criticando ainda a concepção atual do orçamento e atribuindo à União a culpa pela “guerra federativa” em curso.
Para Randolfe, a União peca ao não usar o orçamento na liquidação da dívida pública e ao não priorizar o debate com o Congresso acerca de três temas do pacto federativo: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços na origem e no destino; partilha dos royalties; e partilha do Fundo de Participação dos Estados.
Estimativas do governo dão conta de que o repasse de royalties pelo regime de partilha (quando o Estado detém a posse dos recursos) chegará, em 2020, a R$ 260 bilhões. Já pelo regime de concessão já licitada (posse de empresas concessionárias), a previsão é que o montante à disposição da União e dos estados produtores atinja R$ 110 bilhões naquele ano – é justamente a redistribuição desses recursos que foi vetada pela presidenta Dilma.  (CF)

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