segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Enfim, governo cobrará imposto de latifúndios

Receita fecha acordo para que municípios recolham o ITR. Arrecadação pode passar de R$ 612 milhões para mais de R$ 38 bilhões

» DECO BANCILLON

O governo passará para os municípios a tarefa de fiscalizar a situação fundiária de fazendas, sítios e áreas rurais em geral. A partir de janeiro de 2013, a responsabilidade de cobrar o Imposto sobre Território Rural (ITR) ficará a cargo de prefeituras que assinarem convênio com a Receita Federal. Com isso, a equipe econômica da presidente Dilma Rousseff espera corrigir uma das mais crônicas deficiências do país: a histórica incapacidade de tributar latifúndios.

Detentor do quinto maior território e um dos mais importantes celeiros agrícolas do mundo, o Brasil tem hoje uma das menores arrecadações tributárias sobre terras rurais. O imposto que incide sobre tais propriedades responde, atualmente, por 0,01% da arrecadação total. Em 2011, essa fatia correspondeu a uma captação de R$ 612 milhões. “Mas tendo em vista que, em outros países, essa participação chega a 6%, nós acreditamos que há espaço para arrecadar muito mais”, antecipa, ao Correio, o secretário executivo do Comitê Gestor do ITR, Marcelo de Albuquerque Lins.

Para se ter uma ideia do tamanho desse bolo inexplorado, caso a arrecadação com o imposto tivesse atingindo 6% em 2011, o governo teria abocanhado um adicional de R$ 38,3 bilhões além dos R$ 612 milhões que foram efetivamente registrados pela Receita. Diante dessa situação, o Fisco passou a acelerar o ritmo de assinatura de convênios com as prefeituras. Os acordos preveem que a fiscalização e o recolhimento do tributo sejam totalmente integralizados pelos municípios — hoje, a cobrança é feita pelo governo federal e a arrecadação, dividida meio a meio entre Receita e prefeituras. Um dos últimos a oficializar a parceria com o Fisco foi o Governo do Distrito Federal, em 28 de agosto deste ano. Com isso, passará a fiscalizar, já em 2013, fazendas, sítios e outros territórios rurais.

Anos de atraso


A discussão em torno da municipalização do ITR remete ao início da administração Lula. Assim que assumiu o governo, em 2003, o então presidente recebeu, em Brasília, uma comitiva de prefeitos da Confederação Nacional de Municípios (CNM). Eles já alertavam para os problemas da arrecadação com o tributo. Em 2005, Lula determinou que a Receita começasse a assinar convênios para transferir a arrecadação do imposto às cidades. O passo seguinte era autorizar a fiscalização, o que demorou quase oito anos.

Parte da demora se deveu a uma dúvida conceitual sobre a forma de computar as informações do ITR. Uma ala de servidores da Receita defendia que os prefeitos tivessem um sistema exclusivo para inserir os dados do tributo. Outra, avaliava que os municípios tinham que utilizar o mesmo sistema de auditores fiscais. Venceu o meio termo. “Fizemos um sistema híbrido, que permite que as prefeituras operem dentro do ambiente da Receita, mas que só vejam as informações que dizem respeito aos limites do seu município”, conta Marcelo Lins. Ele acredita que, com o novo sistema, a fiscalização do ITR ficará mais eficieente e segura, o que tende a aumentar a arrecadação do tributo.

Territórios fantasmas

O governo acredita que, ao descentralizar a fiscalização do Imposto sobre Território Rural (ITR), poderá resolver um outro problema que lhe aperta o calo. Nos últimos anos, diante da fragilidade da regulação fundiária no país, proliferaram os casos de manipulação em registros de imóveis rurais. O próprio Ministério Público Federal (MPF) constatou a existência de “territórios fantasma” ao apurar por que municípios de Mato Grosso do Sul têm mais terras registradas em cartórios do que a área total que ocupam no mapa.

Um caso emblemático é Ladário, localizado no Pantanal. O pequeno povoado de mais de 34 mil hectares tem área declarada 12 vezes maior do que a superfície que ocupa na região. Registros do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) avalizam essa incoerência. O órgão informa que existem 159 imóveis rurais no município, que perfazem uma área de 422,3 mil hectares, número que supera a superfície total de Ladário em 1.233%. O coordenador-geral de cadastro rural do Incra, Evandro Cardoso, explica o disparate. “O registro rural é declaratório. Nós exigimos que o proprietário leve a papelada do imóvel, mas hoje a gente não consegue ver se isso corresponde ou não à realidade”, diz.

A situação abre espaço para aproveitadores. Recentemente, o Incra descobriu que uma quadrilha especializada em fraudar registros de terras aproveitou-se de brechas no Sistema Nacional de Cadastro Rural para incluir propriedades inexistentes. Os criminosos utilizavam as certidões como garantias para obter empréstimos com bancos. As falhas foram corrigidas em 2010 e hoje o Incra considera que “o risco de ataques é menor”.

A fiscalização precária abre espaço para outras incongruências, como a sobreposição de terras — situação em que mais de uma pessoa se declara dono de uma mesma propriedade. Cardoso diz que há inúmeros casos de posseiros que dizem ter parte da terra de fazendas já registradas pelo Incra. Na dúvida, o órgão contabiliza os dois terrenos. O desmembramento de municípios também gera dubiedade nos cadastros do Incra. Com o crescimento econômico partindo dos grandes centros urbanos para as cidades de médio e pequeno portes, é cada vez maior o número de povoados que declaram a “independência” de suas cidades-âncora.

É o caso de Nazária, povoado distante cerca de 20km de Teresina, capital do Piauí. A cidadezinha de 3,5 mil habitantes foi emancipada em 2005. De lá para cá, “roubou” endereços que antes pertenciam a Teresina. “Como nem tudo é declarado, é possível que nem todas as atualizações tenham sido feitas, o que abre espaço para sobreposições”, diz o coordenador de cadastro rural do Incra.

Para minimizar erros e fraudes, Receita e Incra trabalham em um cadastro único de terras rurais, que será produzido a partir de registros que os dois órgãos mantêm separadamente. Enquanto o Fisco contabiliza 5 milhões em imóveis desse tipo, o Incra registra 5,5 milhões. Com o confronto dos bancos, será possível constatar se há sobreposições ou sonegação de impostos. (DB)

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