segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Psicóloga acusa Bolsonaro de deturpar sua opinião

O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) pode terminar o ano novamente com uma ação no Conselho de Ética da Câmara. Mais do que isso, pode vir a ser investigado pela delegacia de crimes cibernéticos da Polícia Federal. Em 15 de maio, psicólogos, pesquisadores e parlamentares reuniram-se em um seminário na Câmara dos Deputados para discutir o combate à homofobia, intitulado “Respeito e diversidade se aprende na infância”. Seria mais uma reunião, não fosse a intervenção feita por Bolsonaro nas imagens gravadas na ocasião pela TV Câmara. Os participantes do evento acusam o parlamentar de ter feito uma edição em que, as declarações, fora do contexto, serviriam para o que o parlamentar diz ser uma defesa em prol da legalização da pedofilia e da homossexualidade.

“Esse vídeo do Bolsonaro é uma infração que viola os meus direitos autorais, porque as minhas teses não são aquelas. É uma interpretação com base no meu posicionamento público. Mas eu nunca autorizei aquele vídeo tal como editado. Eu não me reconheço naquelas teses que estão sendo replicadas em blogs na internet”, afirmou a psicóloga Tatiana Lionço, que foi convidada para falar no evento sobre sexualidade na infância.
No seminário, Tatiana abordou o tema de forma didática. No entanto, o vídeo publicado pelo parlamentar utiliza uma frase do início da fala da psicóloga, uma outra, no meio da explanação e uma declaração do final da palestra, dando a entender que a psicóloga defende a pedofilia e estimula a homossexualidade entre crianças. “Dessa forma, ele descontextualiza tudo. E o que é mais grave é que agora estão replicando o vídeo na internet como se eu tivesse defendido uma tese que eu jamais defenderia. Eu não reconheço isso que está sendo veiculado”, protestou.
No início do vídeo, Bolsonaro afirma que a reunião tratou da volta do chamado “kit-gay” nas escolas. Além disso, o parlamentar reclamou da utilização do kit como estímulo à homossexualidade na infância. O material foi elaborado pelo governo com o nome de “kit anti-homofobia”, com o objetivo de combater o bullying homofóbico.
Veja o vídeo “Deus salve as crianças”, com a edição feita por Bolsonaro da fala de Tatiana Lionço
Veja a íntegra do seminário da Câmara (a fala de Tatiana começa a partir de 2h30



Falsa apologia ao sexo
Nas gravações, a edição é montada de forma que a palestra de Tatiana parece fazer apologia ao sexo na infância. Na montagem, a fala de Tatiana aparece da seguinte forma: “Gostaria de iniciar, abordando um tema um tanto quanto controverso, que é o da sexualidade infantil. Que, recorrentemente, no caso da pedofilia dentro da igreja católica, é a culpa da criança homossexual. As brincadeiras sexuais infantis também podem envolver os outros. Meninos buscando conhecer os corpos de outros meninos ou meninas, meninas buscando conhecer os próprios corpos e o de outras meninas e meninos. Então, quando meninos e meninas brincam sexualmente com os seus corpos, eles não estão sendo gays ou lésbicas. Não é disso que se trata. Que deixem as crianças brincarem em paz. Isso as tornará adultos e adolescentes mais inteligentes, mais perspicazes no enfrentamento e na transformação do mundo que lhes deixamos como herança”.
Na verdade, as frases montadas como se ditas umas atrás da outra foram ditas pela psicóloga em momentos diferentes da sua explanação. Na primeira parte de sua palestra, a psicóloga explicava que a sexualidade infantil é um meio pelo qual as crianças começam a conhecer seus próprios corpos e que isso, segundo a psicóloga, faz parte do processo de construção da representação de si mesmos. Ela, inclusive, diz claramente que “afirmar a existência da sexualidade infantil não é o mesmo que afirmar que as crianças visariam o coito genital”. Fica, portanto, evidente que a psicóloga, ao longo da sua explanação, não estimula sexo entre as crianças, mas relata apenas os aspectos da natural curiosidade infantil com a sua sexualidade. Tal frase de Tatiana, mostrando claramente que não está falando de “coito genital” não consta da edição feita por Bolsonaro, que dá a impressão de que as brincadeiras infantis relativas à sexualidade são sexo da forma entendida por adultos.
A frase “que deixem as crianças brincarem em paz”, é colocada no trecho editado como se fizesse referência ao que Tatiana acabara de dizer sobre os aspectos da curiosidade infantil acerca da sexualidade. Porém, Tatiana só menciona tal período cerca de dez minutos depois.
Em seguida, ela afirma que “isso [brincar em paz] as tornará adolescentes e adultos mais inteligentes e potencialmente mais perspicazes no enfrentamento e na transformação do mundo que lhes deixamos como herança”. Bolsonaro, na sua edição, dá a entender que Tatiana dizia que crianças homossexuais seriam mais inteligentes que as outras, quando, na verdade, ela referia-se à inteligência de qualquer criança.
O deputado incluiu também no vídeo, legendas que questionam as afirmações da psicóloga. “Fica parecendo que eu estou estimulando o sexo na infância, como se fosse uma coisa banal. E não foi isso o que eu disse. Nunca falei que os homossexuais são mais inteligentes. Naquele trecho eu estava falando de todas as crianças. [...] Eu construí uma linha de raciocínio totalmente diferente. Se o deputado e a sua assessoria têm dificuldades intelectuais de acompanhar meu argumento, o ônus disso não pode ser meu”, reclamou.
Repercussão
Tatiana afirma que o vídeo postado inicialmente pelo deputado tem gerado uma sequência de replicações em blogs, muitas delas acompanhadas de discursos difamatórios na internet. “Eu estou pedindo aos próprios blogs para retirarem as matérias e estou informando que acionarei a Justiça. Estou salvando as páginas e assim tenho as provas. Estou fazendo de tudo para desmascarar essa manobra perversa, de um deputado federal para caluniar pessoas competentes, sérias, que lutam pelos direitos humanos no país”, disse.
A psicóloga informou que já entrou em contato com a Polícia Federal pelo canal de denúncia contra crimes cibernéticos, e também relatou o fato à Procuradoria da República no Distrito Federal. Tatiana afirma que irá processar o deputado, por meio de uma ação judicial junto à Defensoria Pública, pelo crime de uso indevido da imagem e por violação de direitos autorais. “Eu procurei todos esses órgãos e também a ouvidoria da Câmara dos Deputados para que esse parlamentar, que é pago com dinheiro público, responda pelo que fez”, disse.
Segundo Tatiana, a ouvidoria da Câmara respondeu que solicitou à TV Câmara um posicionamento sobre o ocorrido e que, caso seja comprovada a edição de má-fé, seria oficializada a denúncia junto à Corregedoria da Casa. Caso o órgão aceite a denúncia e as provas, o caso pode ser levado ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara. “Eu espero que isso aconteça sim. Ele usou a minha imagem sem o meu consentimento, e tentou construir um discurso que não é meu. Aquilo que é apresentado no vídeo não são as minhas teses”, ressalta Tatiana. (CF)

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