sábado, 26 de maio de 2012

Caiu na boca e no mouse do povo


Ninguém consegue se manter totalmente alheio aos vídeos virais, já que, mesmo quem insiste em não acessá-los, irá ouvir o relato no mundo “off-line”. O G Ideias desta semana apresenta um pouco do pensamento teórico e prático sobre o assunto. De um lado, pesquisadores tentam entender o que torna uma gravação um “meme”, uma informação viralizada. De outro, publicitários se esmeram para produzir o mesmo efeito e promover seus clientes. O resultado é uma mescla de postagens engraçadas ou “fofas” que misturam o espontâneo ao planejado.
A fabricação de um viral
Yuri Al’Hanati
A publicidade, tão logo percebeu o valor da principal função da internet – a troca massiva de informações — ficou atenta aos movimentos dos usuários na rede para encontrar meios de divulgar produtos. Nessa busca, a difusão de vídeos virais que se popularizou graças ao aumento da banda larga e das redes sociais provou ser um terreno fecundo para marcas de postura mais ousada e criativa. “Basicamente, na teoria o viral promete uma difusão rápida, com muita exposição e pouco recurso”, explica o gerente de marketing digital da GVT, Sérgio Coelho. Segundo ele, o viral publicitário ainda é um terreno pouco desbravado, com grande potencial para as marcas, mas afirma: “Não há uma fórmula clara para que um vídeo se torne viral, e mesmo os que dizem ter recursos não dão nenhuma garantia por conta de inúmeras variáveis que influenciam o resultado final”.
Mesmo assim, os profissionais da área procuram encontrar elementos para facilitar o sucesso de um vídeo na internet. “O humor é um deles. Algo inusitado, que chama a atenção e diverte, ao mesmo tempo tem um grande potencial viral”, afirma o gerente de marketing digital. Ele cita como exemplo a campanha “Pôneis Malditos”, da Nissan, veiculada no ano passado, primeiro na televisão e depois na internet. Para Coelho, a campanha foi um sucesso porque tomou uma atitude ousada em relação ao concorrente sem perder o humor nem se esquecer das qualidades que o carro oferece. O resultado pôde ser visto na prática. De acordo com uma reportagem da revista Veja publicada em setembro do ano passado, as vendas da Nissan subiram 81% em relação ao mesmo período no ano anterior, e o produto anunciado vendeu 110% a mais.
Influência
Obviamente, nem todos os vídeos virais têm humor. A campanha da operadora Vivo para o Dia dos Namorados de 2011 usou a canção “Eduardo e Mônica”, da banda Legião Urbana, para contar uma história de amor moderna. De acordo com Vinicius Zimmer, coordenador de mídia on-line na Agência CASA, parte do JWT Group, a campanha da Vivo, mais do que resgatar um clássico do pop, validou-se com pessoas influentes. “Antes de lançarem o comercial, eles fizeram uma avaliação junto aos fã-clubes da banda, que reúnem pessoas críticas, que conhecem a música e podem se posicionar contra ou a favor da campanha. Conquistando esse público, eles conquistaram o resto. Em outros casos, pessoas influentes são usadas para espalhar o vídeo, mas é preciso entender que sempre há um grande investimento para tentar tornar o vídeo viral”.
À importância de agentes influenciadores Zimmer atribui a teoria da difusão de inovações, publicada em 1962 pelo sociólogo americano Everett Rogers. Resumidamente, segundo ele, a população está distribuída em cinco categorias ao longo de uma curva quase simétrica. Em uma ponta estão os inovadores (2,5% da população), pessoas ousadas que difundem um produto pela primeira vez; 13,5% são os adeptos iniciais, que seguem os inovadores; 34% são a maioria inicial, que indicam propriamente a difusão do produto; outros 34% são a maioria tardia, que aderem após um certo tempo; e por fim, 16% são os retardatários, que conhecem o produto por último. “Cruzar o abismo entre os adeptos iniciais e a maioria inicial é a garantia do produto de massa”, diz Zimmer.
Utilidade
Sendo assim, por que, afinal, nem todos os comerciais bem humorados se tornam virais? Nem só de humor e agentes influenciadores depende o sucesso de uma campanha. Paradoxalmente, afirmam os especialistas, a falta de fórmulas para o viral é a fórmula para o sucesso. “Veja a campanha para capturar o Kony, por exemplo. É um vídeo de 30 minutos, algo completamente fora do padrão dos virais. É sério, político, e conseguiu 100 milhões de acessos em seis dias”, conta Zimmer. O coordenador de mídia afirma que, como este exemplo, o bom vídeo viral tem três grandes elementos: “Primeiro, há o suspense, no qual se apresenta um problema; depois, há a atenção, que alerta para a importância de se fazer algo; e por fim, há a utilidade, apresentando uma possível solução. Isso vale para os “Pôneis Malditos”, que mostram que a Nissan tem a melhor potência do mercado, ou para o “Eduardo e Mônica”, que mostra a grandiosidade dessa história de amor. A grande sacada do vídeo do Kony foi colocar nas mãos dos internautas o poder de mudar algo no mundo real. Isso é utilidade e isso sempre motiva as pessoas a viralizar”.
Celebridades espontâneas
Há um ano uma banda desconhecida de Curitiba invadiu o precioso tempo livre dos usuários de internet – aquele momentinho em que teríamos algo mais importante para fazer, mas simplesmente precisamos ver o vídeo enviado por um conhecido via Facebook, Twitter ou e-mail. “Oração” era um clipe com pouca pretensão, criado para divertir o punhado de fãs do grupo curitibano e, quem sabe, ajudar a fortalecer o projeto. Os integrantes da Banda Mais Bonita da Cidade nunca imaginaram que o compartilhamento daquela gravação pudesse se tornar um viral, atingindo 1 milhão de visualizações após quatro dias. Hoje, o número já ultrapassa os 10 milhões.
“Era algo que não se via acontecer com coisas musicais”, disse à reportagem o diretor do clipe e tecladista da banda, Vinícius Nisi. Depois deles, virou sucesso Michel Teló, e o mesmo aconteceu com gente sem talento evidente, como a engraçada família que postou sua versão do gospel de “Galhos Secos”, de Paulo César Baruk, no vídeo conhecido como “Para Nossa Alegria”.
Como fenômenos assim acontecem? Existe um espalhador inicial, alguém influente que primeiro decide que aquele vídeo merece ser compartilhado? Por que alguns vídeos específicos se tornam virais, e outros não? E pior, o gosto por vídeos muitas vezes bobos estaria erodindo o gosto e interesse cultural do brasileiro?
O Caderno G Ideias deste sábado não irá responder nada disso. O estudo das transformações na cultura midiática é tão recente que poucos ousam fazer afirmações conclusivas. Há, porém, diversos pesquisadores imersos nessas questões, como Henry Jenkins, o papa da cultura midiática, tido por alguns como “sucessor de Marshall McLuhan” – por sua vez, o filósofo que melhor entendeu a revolução dos meios de comunicação de massa.
Jenkins cita o teórico Pierre Lévy e sua crença de que a inteligência coletiva das comunidades virtuais irá, ou melhor, está “gradualmente alterando o modo como a cultura de massa opera”.
Novas velhas fontes
Enquanto “memes” como os vídeos virais criam celebridades instantâneas – basta lembrar da Luíza, que já voltou do Canadá –, os espalhadores de tais pérolas não são exatamente novos formadores de opinião.
Esse é um campo de interesse da professora do programa de pós-graduação em Comunicação na Universidade Federal do Paraná Kelly Prudêncio. “Existe uma abertura de espaço para fontes que não são as habituais, afinal, a internet é o reino da expressão. Agora, nem todo mundo tem a capacidade, conhecimento e estratégia política para se fazer ouvir.” Ou seja, o divisor de águas entre ser acessado apenas pelos amigos ou por metade da cidade parece ser a velha e boa credibilidade da fonte.
Isso parece claro em casos com o do clipe de “Oração”, em que uma comunidade de artistas e amigos intelectualizados deu o pontapé inicial para o espalhamento do vídeo.
De acordo com pesquisas da área, o sucesso na divulgação na rede é obtido como “extensão de grupos que já têm alguma tradição de mobilização fora da internet. Ela não mobiliza sozinha, e sim acelera contatos”, sugere Kelly.
Isso não explica a difusão de banalidades. “A grande dificuldade é separar o joio do trigo. Quanto mais capacitada, competente comunicativamente, mais fácil a pessoa organiza a informação. Quem não tem isso, fica à mercê dessas bobagens.”
De casa para a massa
Mesmo conceituados meios de comunicação de massa perceberam a “extraordinária fonte de energia” do interesse surgido de forma “autônoma” na internet, para usar duas expressões de Jenkins. Basta ver a transformação ocorrida nos principais portais de informação jornalística do país, onde ganham cada vez mais espaço os canais destinados a celebridades instantâneas e vídeos do momento, não importa qual a sua relevância.
Mas teóricos como Kelly estão otimistas com o futuro. “Isso não significa que a política ou o debate público tenha perdido consistência. Prefiro acreditar que é sintoma de uma mudança na maneira como as pessoas se comunicam publicamente, algo que ainda vamos entender.”
Engana-se quem se julga ileso a bobagens simplesmente porque não assiste aos vídeos que recebe. Assim como a celebridade pode estar a cliques de distância, basta pôr o pé no “mundo off-line” para ser bombardeado por novas atrações. Faça o teste: corra para a rua e depois acesse o Youtube – o próximo meme já deve estar lá . (GP)

0 comentários :

Postar um comentário

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | belt buckles