domingo, 21 de agosto de 2011

Gilson Carvalho: 'Tem gente querendo acabar com o SUS'

O Sistema Único de Saúde (SUS) está na UTI e corre riscos. Uma série de inimigos da saúde pública ameaça seu funcionamento. Entre os problemas, estão a falta de recursos, a corrupção e o incentivo, inclusive por parte dos governos, aos planos de saúde privados. A análise é do pediatra Gilson Carvalho, que trabalha com saúde pública há mais de 40 anos. Como secretário da Saúde em São José dos Campos, no interior de São Paulo, Carvalho foi um dos responsáveis por experiências embrionárias que deram origem ao SUS. Atualmente, é consultor do Conselho Nacional de Secretarias Municipais da Saúde. E é justamente a participação popular por meio dos Conselhos que pode, na opinião dele, salvar o SUS. ''Existe possibilidade de mudança. Eu aposto na participação da comunidade, na fiscalização e no controle das pessoas. Nós precisamos melhorar os conselhos. Quando a gente colocou isso na legislação, que precisava ter participação da comunidade na saúde, pensamos que seria um modo de controlar'', destaca.


O médico, que se define como ''caixeiro viajante do SUS'', percorre o Brasil inteiro ministrando aulas e palestras sobre saúde pública. Recentemente, ele participou da abertura da Conferência Municipal da Saúde em Londrina. As conferências municipais e estaduais estão sendo realizadas em todo o País com o tema ''SUS - Patrimônio do Povo Brasileiro''. Esta fase é preparatória a 14 Conferência Nacional de Saúde, que será no final de novembro. Que ameaças existem contra o SUS? Há uma série de coisas acontecendo que nos levam a suspeitar que tem gente querendo acabar com o SUS. Em primeiro lugar, financiamento. Todo mundo sabe que falta dinheiro. O Senado derrubou a CPMF, que era uma fonte de R$ 40 bilhões para a seguridade. Ele não estava pensando na saúde da população, estava resolvendo uma questão política e iludiu as pessoas porque disse no dia que caísse a CPMF iria mudar tudo, iria ter emprego para todo mundo, os preços iriam baixar. Não baixou absolutamente nada. Em segundo lugar, nós estamos esperando desde 2008 a votação de uma emenda no Congresso, que não é votada. É a regulamentação da emenda 29 (que determina os percentuais que devem ser investidos em saúde por parte de municípios, Estados e União), criada em 2000, mas que periodicamente, a cada cinco anos, precisa ser revista. O projeto existe desde 2003, mas ainda não votamos completamente esse projeto. São oito anos. O que tira o SUS do sufoco é isso. Terceiro, o louvor que o próprio presidente Lula fez aos planos de saúde achando que este é o caminho. São ameaças que estão aí e que eu tenho que ver como vou me safar delas.

E que interesses seriam esses? Quem quer acabar com o SUS?

Os interesses são múltiplos. Há interesse dos governos (federal, estaduais e municipais) em ter dinheiro para outras áreas e não gastar tanto com saúde. Quem financia o intermediário tem interesse em gastar menos com saúde. Além disso, governo federal não cumpre o mínimo. Os Estados devem R$ 27 bilhões corrigidos e a União deve, sozinha, R$ 20 bilhões corrigidos. Os municípios estão botando entre R$ 10 bilhões e R$ 11 bilhões a mais que os seus mínimos por ano.

Os municípios levam porrada de tudo quanto é lado porque a população mora no município e vai atrás do prefeito pedir as coisas. E tem o outro agente que é o empresário do plano de saúde que quer captar cada vez mais. Se puder, ele vai querer planos subsidiados. O governo bota as pessoas lá dentro e dá a metade e o cidadão dá a outra metade. Essa é uma ameaça real.

O que precisaria ser feito para reduzir essa ameaça?

A participação da sociedade é a única forma. Nós vamos ter agora dia 24 de agosto um dia de protesto em Brasilia, um dia de pressão em cima dos congressistas para a saúde ganhar mais dinheiro. Nós vamos tentar mais uma vez. Tentar cada vez mais e não ficar exaurido. Mas o problema nem sempre é da falta de dinheiro, mas também de gestão... Eu costumo dizer que às vezes a gente quer reduzir o problema à falta de gestão. É um engano. O problema do SUS é de ''multiplacausaridade''. Isso quer dizer que tem problemas de gestão, de eficiência, de falta de dinheiro, de uso errado de dinheiro pela corrupção. Eu tenho problema de não seguir o modelo SUS de fazer saúde. E continuo fazendo o modelo baseado na recuperaçao da saúde e não na promoção, na prevenção.

E o que o senhor sugere como alternativas?

Eu formulei uma ''lei'' que chamo das ''cinco mais''. Em primeiro lugar, para corrigir o SUS, para o brasileiro ter mais saúde, eu preciso ter mais Brasil. Se o Brasil continuar com o desemprego, com baixo salário, com comida errada, com falta de habitação, eu não vou ter possibilidade de que o brasileiro tenha saúde. O segundo item é o mais saúde, é seguir o modelo de saúde que está na Constituição. Nós ainda não seguimos o que está no SUS. Em terceiro, eu preciso de ter mais eficiência, que é o problema de gestão. Fazemos gestão errada. Nós ainda não utilizamos a informática no seu devido papel. A saúde é muito complicada e nós não temos controles informatizados. Então, você perde no processo. Quarto, mais honestidade, que é a mesma coisa de menos corrupção.

Talvez a saúde seja uma das áreas que mais perde dinheiro por corrupção. Por quê?

Porque é uma área que tem relativamente mais dinheiro. É uma área que tem possibilidade de compra de material, de compra de medicamentos, de construção de unidades. São áreas onde pode haver corrupção mais facilmente. E o último dos cinco é mais dinheiro. Falta dinheiro.

Quanto o Brasil gasta? E outros países que têm sistemas iguais ao do Brasil, quanto eles gastam?

Nós gastamos menos da metade.

E existe como melhorar isso?

Sim, existe possibilidade de mudança. Eu aposto na participação da comunidade, na fiscalização e no controle das pessoas. Nós precisamos melhorar os conselhos. Quando a gente colocou isso na legislação, que precisava ter participação da comunidade na saúde, pensamos que seria um modo de controlar. Eu preciso instrumentalizar para o cidadão comum controlar a ação do governo, para ele ver para onde está indo o dinheiro. Não é apresentar um balancete no fim do ano. É ser obrigado a prestar contas ao conselho e à câmara municipal a cada três meses. Nós estamos perdendo essas chances que poderiam ajudar a gente a ser mais ágil no combate à corrupção. E aí eu digo? Cadê as pessoas que poderiam ajudar a saúde? Cadê os contadores, os economistas, os aposentados que poderiam ajudar a gente a fazer esse controle. Nós conseguimos colocar tudo isso na legislação do SUS, mas não se tem pernas para fazer isso. Por que a população é indiferente a essas questões? Falta motivação? Falta o quê? Essa é uma pergunta difícil. E isso não é um problema de Londrina. Esse é um problema que eu tenho sentido quase que no Brasil inteiro. As pessoas realmente estão descrentes, desarvoradas, e cansadas com o sentido de que não adianta fazer. Eu sou meio que caixeiro viajante do SUS, fico mascanteando o SUS pelo Brasil afora. E faço isso pelo seguinte motivo: a gente tem que tentar convencer as pessoas, no meio dessa adversidade, a irem militar dentro do SUS. O tema da conferência é o SUS como patrimônio do povo.

Como incutir isso nas pessoas se há toda essa descrença?

Primeiro é a gente passar a informação. Nós temos que nos imbuir que as coisas públicas são nossas. O SUS é nosso, é patrimônio do povo brasileiro. E para isso só tem um jeito: é informação e convencimento. A mídia tem papel fundamental para levantar a comunidade em defesa de saúde. Nós estamos deixando passar as coisas. Tem coisas que podemos fazer. O que não se pode é não fazer nada. O senhor falou também em investir mais em prevenção.

Por que isso é tão importante?

Nós temos gastado quase todo o nosso dinheiro no tratamento de doentes e fazendo pouco para evitar que as pessoas fiquem doentes. Nosso foco está errado. Uma das grandes prensas que fazem em cima de nós é a própria população. É a população que quer tratamento, que quer remédio, que quer exame. E nós precisamos de fazer com que essa mentalidade seja mudada. É preciso mostrar para as pessoas que se eu me cuidar não vou ter doenças evitáveis, doenças previníveis. As pessoas têm que se preocupar com a saúde, trabalhar para que a saúde seja cada vez melhor. E aí eu lembro o que está escrito na lei: saúde não se faz sozinho, não se faz apenas com o secretário de saúde ou o prefeito. Saúde é um direito do cidadão, um dever do Estado, mas tem que ser tocada, tem que ser assumida a responsabilidade do indivíduo, da família, das empresas e da sociedade. (Bonde)

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