domingo, 13 de fevereiro de 2011

“Donos” do sistema eleitoral vão chefiar a reforma política

Político mais longevo do Congresso Nacional, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), puxou para si a responsabilidade de mudar as regras de um modelo político-eleitoral que ajuda a mantê-lo com mandatos consecutivos há 56 anos, sem nenhuma derrota em dez campanhas disputadas.


Nesta semana, ele deu a cara da comissão especial que será instalada nos próximos dias e que terá um mês e meio para apresentar uma proposta. Para conduzir os trabalhos, foram escalados os políticos mais tradicionais com assento na Casa, como os ex-presidentes da República Fernando Collor (PTB-AL) e Itamar Franco (PPS-MG).

Há quatro anos, a estratégia de deixar a reforma nas mãos de uma “elite” parlamentar foi testada e não prosperou. Na época, Arlindo Chinaglia (PT-SP), então presidente da Câmara, costurou acordos com lideranças das principais legendas e reservou a pauta de votações em plenário por quase um mês para apreciar a reforma política. Os temas centrais do projeto previam o financiamento público de campanha, o fim das coligações partidárias e a adoção de listas fechadas para eleições proporcionais (pelas quais o eleitor votaria apenas no partido e não no candidato). Apesar do consenso entre PT, PSDB e DEM, as votações empacaram.

Só a proposta das listas fechadas foi votada – e rejeitada por 252 votos a 181. O resultado foi patrocinado por uma revolta dos parlamentares com menos poder na política interna dos partidos e que temiam ser preteridos por caciques na formulação das listas partidárias que indicariam os eleitos. Apenas o PT, que havia fechado questão pela mudança, teve cerca de 30 deputados que mudaram de opinião em cima da hora.

Diferenças

Em 2011, a retomada da discussão começa em torno das mesmas três propostas. A diferença é que ganham força outras sugestões em relação às listas fechadas, como o voto distrital, o voto distrital misto e o “distritão” (veja as características dos modelos no quadro ao lado). Atualmente, o sistema das eleições proporcionais (para vereador, deputado estadual e federal) é o de lista aberta – na qual, mesmo sem muitas vezes saber, o eleitor vota primeiro no partido (ou coligação) e depois no candidato.

Pelo voto distrital puro, haveria uma divisão do eleitorado em distritos, que elegeriam candidatos restritos à sua região por uma escolha majoritária (ganha quem tiver mais votos). Já pelo voto distrital misto, o eleitor votaria duas vezes, primeiro em um parlamentar do seu distrito e depois em um partido pelo sistema de listas fechadas. Por último, o modelo do “distritão” apenas substituiria a eleição proporcional pela majoritária.

Ao contrário de 2007, hoje há mais discordâncias entre os maiores partidos no Congresso. O PT quer as listas fechadas, mas aceitaria o voto distrital misto como segunda opção. O PMDB é favorável ao “distritão”, enquanto o PSDB defende o voto distrital puro com ressalvas. Sem as listas fechadas, não há consenso sobre a possibilidade de implantação do financiamento público de campanhas.

Há duas semanas, o portal de notícias G1 (g1.com.br) publicou uma enquete com 414 dos 513 deputados sobre as listas fechadas – 181 disseram ser contra, 175 a favor e 58 não sabiam. Outra pesquisa, feita na semana passada pelo jornal Valor Econômico, mostrou que apenas 192 deputados pertencem aos seis partidos que defendem o sistema – PSC, PCdoB, DEM, PSol, PT e PPS. Já o “distritão” é a primeira opção de PMDB, PP e PR, que têm 126 deputados.

Cautela

Assim como no Senado, a Câmara também formará uma comissão especial para tratar a reforma. O presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), têm sido mais cauteloso nas declarações que Sarney. Ele defende uma reforma “fatiada”, dividindo os principais temas em projetos distintos para facilitar a formação de consensos – mesma tentativa encabeçada pelo então presidente Lula após as eleições municipais de 2008 e que também empacou no Congresso.

“Todas as vezes que um grupo de pessoas que se considera ‘iluminado’ tenta impor algo contra a visão geral do povo, dá errado”, opina o cientista político da Uni­ver­­sidade Federal da Bahia Jovi­niano Neto. Segundo ele, além de defender os interesses corporativos, os congressistas acabam pressionados pelo pensamento hegemônico da população. “Para o bem e para o mal, o brasileiro vota no candidato, não no partido. É um fenômeno que precisa ser entendido, respeitado e não alterado à força.”

Para outros envolvidos no debate, os problemas decorrem de uma crise de representação do Congresso. “O povo se interessa mais pelas questões locais, por isso precisaria eleger representantes mais próximos da sua realidade. Pesquisamos muito e chegamos à conclusão de que o primeiro passo é adotarmos o voto distrital misto”, diz o presidente da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP), Rodrigo Rocha Loures. A entidade encabeça a Rede de Participação Política, iniciativa apartidária que envolve 10 mil pessoas no estado.

Representante da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, Lucídio Bicalho concorda com o problema, mas não com a solução. “As regras de preenchimento das listas partidárias podem espelhar um retrato melhor do Brasil. É a oportunidade de aumentar, por exemplo, a participação feminina”, justifica. A Plataforma é um espaço de discussão política criado durante o escândalo do mensalão, em 2005 que hoje reúne 28 fóruns, redes e organizações sociais em torno da discussão sobre reforma política.(AE)

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