sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Gastos suspeitos de viagens na Educação não incluem transporte


O esquema de desvio do dinheiro de diárias de viagens de servidores da Superintendência de Desenvolvimento Educacional (Sude), a antiga Fundepar, órgão da Secretaria da Educação do Paraná, pode estar em funcionamento desde 2003.

A Gazeta do Povo apurou que os funcionários da Sude que dizem ter tido seus nomes indevidamente usados no esquema, cujo escândalo estourou em junho deste ano, gastaram com seus cartões corporativos R$ 1,108 milhão com viagens entre 2003 e 2010. Desse total, 98% (R$ 1,085 milhão) foram gastos apenas com alimentação e hospedagem – e não com transporte (passagens de avião ou ônibus, combustível, pedágio, etc). As despesas com comida e hospedagem, por decreto estadual, não precisam ser comprovadas com a apresentação de nota fiscal ou recibo, ao contrário dos gastos com transportes.

Servidoras negam envolvimento no esquema

A Gazeta do Povo procurou todos os servidores da Sude “campeões” de gastos com viagens entre 2003 e 2010 ou envolvidos nas investigações. Nem todos foram localizados ou atenderam à reportagem. Mas a maioria que conversou com a reportagem disse estar surpresa com os valores que aparecem como seus gastos de viagens ou afirmou ter sido enganada.

Linha do tempo

Entenda o caso das diárias de viagens da Educação:

20 de abril – O chefe da Superintendência de Desenvolvimento Educacional (Sude), Luciano Mewes, é demitido.

24 de maio – Assume o novo superintendente da Sude, Carlos Alberto Rodrigues Alves. Neste mês, servidores da Sude protocolam denúncia na secretaria que seus nomes estão sendo usados indevidamente para concessão de diárias de viagem.

10 de junho – Comissão de sindicância é instaurada pela secretaria. No mesmo período, iniciam as investigações do MP.

21 de junho – A Diretora de Administração Escolar (DAE) da Sude, Ana Lúcia Schulhan, é exonerada.

30 de julho – Abertura da comissão de processo administrativo disciplinar interno da secretaria contra quatro servidoras.

Corregedoria divulga hoje resultado da investigação

As denúncias do esquema de fraude com diárias de viagens na Secretaria de Estado da Educação (Seed) estão sendo investigadas desde junho. Atualmente, três instâncias diferentes do poder público estão debruçados na apuração do caso: a assessoria jurídica da Seed, o Ministério Público Estadual (MP) e a Secretaria Especial de Ouvidoria e Corregedoria do Estado. Hoje pela manhã, a Corregedoria divulgará o resultado de sua auditoria, feita nas diárias de viagens da Seed desde 2007.


O fato de haver mais despesas com refeições e hotel não é em si uma irregularidade – por exemplo, mais de um servidor pode viajar em um mesmo carro oficial e os gastos com combustível costumam ser debitados na prestação de contas de apenas um deles.

Mas chama a atenção a constatação de que quase a totalidade dos gastos não teve comprovação do uso de algum meio de transporte. Segundo investigações do Ministério Público Estadual (MP), esse seria o artifício usado para desviar os recursos públicos: simulava-se uma viagem, depositava-se o dinheiro das diárias nos cartões corporativos e o valor era desviado dos cofres do estado. A falta de exigência de comprovação de gastos com transporte permitiria, desse modo, a ocorrência da fraude.

Proporção menor

Viagens de servidores da Sude são relativamente comuns. O órgão é responsável, por exemplo, pelo acompanhamento de obras em escolas estaduais – além de realizar licitações para esses serviços e gerir os programas da merenda escolar e de distribuição de leite para estudantes.

Mas a proporção de gastos de viagem sem comprovação de transporte na Sude é muito maior do que no restante da Secretaria de Estado da Educação (Seed). Entre 2003 e 2007, as despesas com viagens da secretaria somaram R$ 15,547 milhões. Desse total, 70,5% (R$ 10,972 milhões) foram gastos com as diárias de hospedagem e alimentação.

A proporção dos gastos com comida e hotel dos servidores da Sude é bem diferente inclusive das despesas com viagens da atual secretária da Educação, Yvelise Arco-Verde. Os gastos com refeições e hospedagem são apenas 28% de um total R$ 153,6 mil, no período entre 2003 e 2010.

Os dados de despesas da Sude e da Seed foram levantados pela Gazeta do Povo a partir de relatórios de gastos divulgados no site da transparência do governo estadual.

Campeões de gastos

De acordo com depoimentos colhidos pelo MP e pela comissão que elaborou o relatório de sindicância interna da secretaria que apura o caso, alguns funcionários dizem que entregaram seus cartões corporativos e suas respectivas senhas a outras pessoas porque seus chefes pediram. Os cartões e as senhas foram repassados para as assessoras de gabinete da Sude e da Diretoria de Administração Escolar (DAE) Rosemari Maciel Guidette, Emília Larocca ou Sabrina de Albuquerque Schulhan.

A campeã de gastos, segundo levantamento da Gazeta, é a servidora Joseli Nascimento de Albuquerque, que atuava na DAE. No período de sete anos, foi registrado no nome de Joseli gastos de R$ 68,6 mil com viagens. Deste total, apenas 5% foram de despesas relacionados a transporte – o restante foi retirado em diárias. Joseli é irmã de Ana Lúcia Schulham, que chefiava o departamento.

No ranking dos que mais registraram diárias segue o servidor Kleber Augusto de Alencar, com R$ 65,3 mil, sendo apenas 2% de gastos com transporte. E, depois, Leandro Niimoto, com R$ 64,7 mil – e só 8% deste valor destinado a despesa com transporte. Os dois são servidores da Sude.

Servidores explicam

Uma funcionária que consta da lista e prefere não se identificar conta que quando foi contratada para atuar na Sude, em 2009, recebeu o cartão e o entregou para a servidora Emília Larocca, que era a pessoa responsável para cuidar das viagens. “Era uma prática fazer isso. E eu estava entrando no setor administrativo, vinha de colégio, nem desconfiei que poderia haver algum problema”, diz.

A funcionária conta ainda que, quando viajava, recebia por bolsa – uma modalidade para remunerar os servidores da secretaria que saem da cidade para fazer capacitação. “Eu tirava dinheiro do meu bolso e demorava para ser ressarcida depois.” O valor da bolsa, segundo ela, era de R$ 90. Mas a diária vale R$ 120 para viagens ao interior do estado. “O pior de tudo é que eu saí do departamento e continuaram usando meu nome.”

Outro servidor, que já não trabalha mais para o governo estadual, pois possuía cargo comissionado, explica que o cartão dele ficava com Rosemari Maciel Guidette, assessora direta do então superintendente da Sude, Luciano Mewes. “Ninguém imaginava que isso pudesse estar acontecendo. Só fui tomar conhecimento quando estava instaurada a sindicância.”

Outra funcionária, que também prefere não se identificar, conta que trabalha no departamento desde fevereiro de 2009 e fez apenas duas viagens, mas com cartão emprestado de outro servidor. “Não sabia que tinha cartão corporativo no meu nome. Só fiquei sabendo em junho de 2009 e peguei o meu cartão com a Emília Larocca”, diz.

Mesmo após recuperar seu cartão, a servidora conta que Rosemari Maciel Guidette pedia para ela “tirar” diárias de seu cartão para servidores do gabinete da Sude. Ela conta que algumas diárias foram usadas para servidores do gabinete realizarem viagens particulares ao Paraguai. “Estamos sofrendo ameaças de gente daqui de dentro para não contarmos toda a verdade. Outros servidores estão envolvidos no esquema e não aparecem na lista de sindicância interna.”

A técnica pedagógica Etienne Catarina Bastos, que teve um total de R$ 20,3 mil de despesas de viagens registradas em seu nome, conta que começou a trabalhar na Sude em fevereiro de 2009, data em que seu cartão corporativo já havia sido solicitado e ficou de posse de Emília Larocca. “Só recuperei meu cartão em junho deste ano. Diziam que era prática da secretaria repassar o cartão para aqueles que não tinham.”

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