segunda-feira, 24 de maio de 2010

POLÊMICA ENERGÉTICA: 'Belo Monte tem tudo para ser um desastre'

Arsenio Oswaldo Sevá Filho

Professor da Unicamp não poupa críticas ao projeto e afirma que a usina não vai contribuir para o desenvolvimento do País Paula Costa Bonini Reportagem Local

De um lado, o governo federal encara o projeto como prioridade sob alegação de que vai suprir a demanda por energia nos próximos anos, abastecendo 26 milhões de brasileiros. Do outro, ambientalistas e representantes de movimentos sociais argumentam que o projeto vai causar impacto ambiental e social irreparável. O projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, prevista para ser contruída no Pará, mais especificamente na região conhecida como Volta Grande do Rio Xingu, está na berlinda.

E o tiroteio verbal entre defensores e críticos do projeto foi parar nos tribunais. A Justiça Federal do Pará concedeu três liminares para impedir a realização do leilão, que acabou acontecendo no mês passado. O grupo responsável pela construção será o consórcio de empresas Norte Energia. E o governo acredita que Belo Monte vai começar a gerar energia em 2015.

''Será um desastre inédito, desestruturador e duradouro'', critica Arsênio Oswaldo Sevá Filho, professor do Departamento de Energia da Universidade de Campinas (Unicamp). Nesta entrevista, ele discute por que o projeto é motivo de tanta polêmica e afirma que o dinheiro deveria ser utilizado em outras iniciativas mais benéficas ao povo brasileiro, inclusive no campo da eletricidade.

Por que o projeto de construção da Usina de Belo Monte é alvo de tantas críticas por parte de ambientalistas?

É um grande conflito, que vem se desenrolando desde 1988, quando pela primeira vez foi anunciada a construção de cinco grandes hidrelétricas no trecho paraense do Rio Xingu e uma no seu maior afluente, o Rio Iriri, também no Pará. Desde então, diversos grupos se posicionaram contrariamente ao projeto e essa reação foi se ampliando. Depois que foi apresentado ao Ibama um estudo de impacto ambiental, em maio de 2009, foi feito um contraestudo por um painel de especialistas independentes. É um conflito criado por um projeto autoritário, do tempo dos generais ditadores e que o governo Lula ressuscitou, e insiste em implantar sem considerar as razões dos que são contra.

E por que a usina não é uma boa alternativa para produção de energia?

O País não enfrenta nenhum problema energético grave no momento. As represas estão cheias há vários anos. Há folga operacional nas usinas que estão funcionando, há máquinas de reserva que podem ser acionadas, há novas usinas de pequeno e médio portes entrando em funcionamento. O sistema de transmissão permite uma boa gestão do conjunto, embora possa ainda ser bastante aperfeiçoado.

O projeto Belo Monte é estratégico para a indústria mundial da mineração e da metalurgia. Dizer que é estratégico para o desenvolvimento do País é uma manobra propagandística dos grupos que empurram esse projeto há mais de 20 anos. Se gastarmos com a (usina de) Belo Monte os R$ 30 bilhões, ou mais, que ela custaria, estaríamos deixando de aplicar tais somas em várias outras atividades, muito mais benéficas para o povo brasileiro, inclusive no campo da eletricidade.

Esse valor poderia ser investido em fontes alternativas, considerando que causariam impacto menor no meio ambiente? Quais as fontes mais indicadas para o País?

Montantes dessa ordem, bilhões de reais, deveriam ser gastos para recuperar muitas de nossas represas, que estão ficando entupidas e estão perdendo a capacidade de armazenamento de água. Nas usinas mais antigas, que necessitam de modernização, deveria haver troca de equipamentos para tentar recuperar a possibilidade de planejamento do uso da água. Parte destes fundos deveria ser utilizada para reativar tantas pequenas e médias usinas que foram abandonadas, derrotadas na guerra econômica implacável do mercado de eletricidade. Os recursos deviam ser gastos para reformar e aperfeiçoar os sistemas de transmissão de eletricidade, para instalar em grande escala os aquecedores solares de água, que economizariam eletricidade, principalmente nas horas de pico. Para aperfeiçoar processos industriais do tipo eletrointensivos, que consomem quantidades imensas de eletricidade, para financiar a instalação, onde fosse adequado e em escalas não muito grandes, de usinas termelétricas com caldeiras movidas a bagaço de cana e outros resíduos agrícolas. Também é recomendável investimento em geradores eólicos e em placas fotovoltaicas.

O governo alega que Belo Monte vai trazer benefícios, como a geração de 18 mil empregos diretos e 23 mil indiretos e a produção de energia para 26 milhões de brasileiros. Estas vantagens são maiores que os potenciais prejuízos resultantes da construção da usina?

Isso é pura propaganda oficial. O objetivo de megausinas hidrelétricas não é criar empregos. Se fosse para isso, com R$ 30 bilhões seria possível assentar 1 milhão de famílias de agricultores, por via da reforma agrária. Quanto à produção de energia para 26 milhões de pessoas, simplesmente não existe tanta gente assim sem energia elétrica no País, que já está praticamente todo atendido pelo sistema interligado nacional.

Quais os maiores impactos para as comunidades que vivem na região?

Seria um desastre inédito, desestruturador e duradouro. O Xingu é um rio que deveria ser preservado de degradações, poluições e barragens, para ser mostrado aos brasileiros e ao mundo no futuro. A Volta Grande do Xingu, trecho encachoeirado de arquipélagos, praias e matas, ficaria com 150 quilômetros praticamente seco, morto. Cerca de 25 mil pessoas serão atingidas e obrigadas e se mudar, mais uns 3 mil moradores de áreas rurais também seriam atingidos pelas várias represas que compõem o projeto. E haverá também atingidos de forma dramática: os que moram no trecho da Volta Grande do Xingu em que o rio ficará praticamente seco.

Críticos apontam que o custo da energia de Belo Monte seria muito alto devido às dificuldades logísticas. Como o senhor avalia esse posicionamento?

Muita gente que estudou o projeto estima que o seu custo real ficaria entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões. O fato é que os padrinhos do projeto e todas as instâncias estatais mentiram durante os últimos anos, primeiro dizendo que custaria menos de R$ 10 bilhões, depois, que custaria R$ 19 bilhões. Mentiram dizendo que era um bom projeto de engenharia. É uma obra que não se compara a nenhuma outra hidrelétrica construída no país.

A dificuldade logística é considerável: todos os materiais importados do Sudeste e do exterior devem chegar por via fluvial, entrando por Belém até chegar a Vitória do Xingu. Esta cidade, que seria o pivô das obras, não tem ligação rodoviária asfaltada com o restante do País. O problema maior, em termos de custo e de imprevisibilidade, é o risco geotécnico. Por essas e outras Belo Monte tem tudo para ser um desastre.


Arsenio Oswaldo Sevá Filho:

Obteve em 1982 o Doctorat ès-Lettres et Sciences Humaines na Universidade de Paris-I Panthéon-Sorbonne, com pesquisa sobre os aspectos políticos e geográficos dos investimentos internacionais em eletricidade, mineração e metalurgia, feita no Laboratoire de Géographie Humaine et Organisation du Territoire. Em 1988, obteve por concurso o titulo de Livre-Docente na área de Mudança Tecnológica e Transformações Sociais , do Instituto de Geociências da Unicamp. Recentemente foi credenciado como docente participante nos cursos de pós-graduação no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, (2007) na Antropologia Social na área de concentração Processos Sociais e Territorialidades e em Ciências Sociais (2008) - na área Processos Sociais, Identidades e Representações no Mundo Rural . Permanece ainda como professor associado MS-5 no Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, onde , de 1991 a 2007, integrou o corpo docente pleno na área de pós-graduação em Planejamento Energético, tendo criado a disciplina Energia, Sociedade e Meio Ambiente e a linha de pesquisa correspondente, na qual orientou várias teses de Doutorado e dissertações de Mestrado. Nas últimas décadas tem feito extensão universitária colaborando com entidades ambientalistas, indígenas, de populações atingidas por barragens e por outras instalações energéticas, com sindicatos de trabalhadores e com o Ministério Público. Formou-se na graduação em 1971 na Engenharia Mecânica da Politécnica da USP, e obteve o Mestrado na mesma especialidade na COPPE/UFRJ em 1974, tendo sido inicialmente professor de Engenharia na UFRJ e na UFPB em João Pessoa. Em 1975 e parte de 1976, trabalhou comissionado no Ministério de Educação e Cultura, no então Departamento de Assuntos Universitários.

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