quarta-feira, 20 de março de 2013

Em depoimento a Comissão da Verdade de São Paulo o ex-preso político Ricardo Zaratini afirmou que os EUA monitoravam e dirigiam os órgãos policiais de repressão e tortura no Brasil


 O ex-militante e ex-deputado federal Ricardo Zarattini (PT), afirmou hoje (19) que um membro da diplomacia norte-americana no Brasil, Richard Melton, o interrogou enquanto esteve preso no Departamento de Ordem Política e Social de Pernambuco (Dops-PE), na cidade do Recife, no ano de 1968.
“Eu afirmo com certeza que era ele. Me perguntou porque eu não gostava dos Estados Unidos e mais nada”, disse o deputado em depoimento para a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva, na Assembleia Legislativa. Ele explicou que, à época, era preso político e membro do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCR), que se propunha a liderar um movimento trabalhista revolucionário no campo, na Zona da Mata canavieira de Pernambuco. “Tinha ele e outro americano, eu não conhecia nenhum dos dois. Foi na sala do delegado Moacir Sales de Araújo”. O delegado Araújo era o diretor do Dops de Pernambuco.
Melton foi funcionário do consulado norte-americano em Recife no período entre 1967 e 1969 e seu reconhecimento por Zarattini se deu quando o norte-americano foi indicado ao cargo de embaixador do país no Brasil pelo governo dos Estados Unidos, após o término do regime, no governo do presidente José Sarney (1985-89). Melton se tornou embaixador em 1989. 

“O que me levou a procurar a comissão foi a publicação, pelo Jornal do Brasil, à época, de um ofício do Ministério da Justiça ao Itamaraty, que afirmava que as apurações revelavam que Melton nunca haveria pisado no Dops”, explicou o Zarattini. Ele afirmou que espera que isso seja apurado, inclusive pela Comissão Nacional da Verdade. “Gostaria de encontrar mais informações sobre isso, para que haja investigação junto ao Ministério da Justiça e à Comissão Nacional da Verdade.”

O deputado estadual e presidente da comissão, Adriano Diogo (PT), lembrou que, em 1989, o secretário-executivo do Ministério da Justiça era José Paulo Cavalcante Filho, que hoje integra a Comissão Nacional da Verdade. “Com isso fica mais fácil de cruzar informações”, ponderou.

Multinacional da tortura

O coordenador da assessoria da Comissão Rubens Paiva e presidente do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana (Condepe), Ivan Seixas, afirmou que a Operação Condor, que delimitava ações conjuntas entre governos autoritários da América do Sul, começou antes de da década de 1970, quando as ditaduras chilena e uruguaia (1973) e argentina (1976) foram deflagradas.
“A intervenção dos EUA nas ditaduras latino-americanas não ganha apenas notoriedade pela coordenação de ações. Há muito mais que isso, ouvimos relatos de agentes da repressão brasileira que afirmavam que havia cursos, de em média dois anos de formação, de prática de tortura.”
Ele afirmou que, antes da existência em si da operação, os cursos abordavam técnicas de espionagem e interrogatórios, que eram ministrados nos Destacamentos de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) do Rio de Janeiro e de São Paulo. Segundo Seixas, os relatos confirmaram que, muitos dos técnicos dos cursos, eram norte-americanos e só falavam inglês. “Antes de 1973 [ano dos golpes militares nestes países], alunos uruguaios e chilenos passaram por estes cursos, juntos com brasileiros.”
Ivan Seixas lembrou o caráter da repressão no Brasil, que era colocada em prática através da violência institucionalizada. “A questão dos instrutores de tortura não era variável, mas sim sistemática. Assim havia presença de 'professores' alemães, israelenses, ingleses. Era uma grande multinacional da tortura.” Ele destacou o caráter da orientação da política de Estado para a repressão. “Não existem porões da ditadura, mas sim uma política institucional da tortura. Era assim que mantinham o controle e o terror.”
“Os Estados Unidos afirmavam que havia um perigo de infiltração comunista no Brasil em 1964. Isso é mentira! E é importante que todos, inclusive a juventude saibam disso, saibam o porquê destes tantos anos de ditadura”, disse Zarattini ao comentar uma matéria do jornal A Folha de S. Paulo no dia 17 de março de 1966, que trazia informações sobre a embaixada norte-americana no Brasil e os perigos da “infiltração comunista” que esta via com o governo do presidente João Goulart (1961-64). O golpe ocorreu no dia 31 do mesmo mês.

Um dos quinze

Zarattini foi um dos quinze presos políticos trocados pelo embaixador norte-americano no Brasil Charles Burke Elbrick, sequestrado em 1969. Em 1968, após o episódio com Melton no Dops de Pernambuco, foi preso no Quartel Dias Cardoso, também em Recife. Formado em engenharia, começou a ensinar matemática e português aos cabos e sargentos, que precisavam passar por provas de conhecimentos específicos.
“Fiquei conhecido como o 'professor', e por isso fui taxado de subversivo”, contou. Ele foi levado para uma base da Aeronáutica depois do episódio. “E aí, meus amigos, era pau, pau de arara, choque”, contou. Após fugir da prisão com a ajuda de dom Helder Câmara, ficou escondido no Convento das Dorotéias, em Pernambuco, até voltar para São Paulo, em 1969, onde foi preso novamente, na Operação Bandeirantes (Oban), que se tornaria o Doi-Codi de São Paulo. Foi levado preso para o Rio, de onde saiu apenas após o sequestro de Elbrick.  (BA)

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