sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A NAÇÃO BRASILEIRA NA ENCRUZILHADA

*Flavio Lyra 

Na história dos povos e nações é possível identificar períodos em que afloram as principais contradições que normalmente existem entre os grupos e classes sociais internos e entre estes e outros povos e nações. As guerras e as revoluções violentas ou pacíficas tomam forma nesses períodos e são determinantes para o destino desses povos e nações.


Nas linhas que se seguem busco chamar a atenção para atual fase de desenvolvimento da nação brasileira, por considerá-la vivendo um desses momentos cruciais, em que se acha em seu ápice o confronto entre duas opções que vão marcar o desenvolvimento futuro do país: a) a de integração dependente na economia internacional, sob o comando das grandes corporações internacionais, numa concepção econômica liberal e de livre mercado; e b) a de recuperação da autonomia nacional, numa concepção nacionalista, calcada na condução do desenvolvimento por um forte estado nacional, cuja prioridade central seja o aproveitamento do potencial produtivo do país, principalmente em favor da maioria de sua população.


Os ideais do nacional-desenvolvimentismo que deram suporte ideológico e político ao rápido processo de industrialização do país, a partir da Revolução de 30, que se estendeu até o final da década de 50, foram sepultados pelo Golpe Militar de 1964, com o arquivamento das propostas de mudanças estruturais na vida econômica e social do país, nos termos das denominadas “Reformas de Base”.


A tentativa dos governos militares de lançar as bases para a transformação do país em uma nova potencia industrial, muito embora tenham possibilitado avançar, num primeiro momento, na construção da base econômica, fracassou rotundamente nos planos político e social e tornou o país mais dependente, em termos políticos e econômicos das grandes potências, inclusive em função do forte endividamento externo em que incorreu.


A destruição realizada pelos governos militares das organizações populares e da classe média (sindicatos, movimentos sociais, partidos políticos etc.), por um lado, quitou aos governos militares o balizamento nacionalista necessário para impedir o aumento da dependência externa e, por outro, levou a um processo insano de concentração da renda nos estratos mais altos da população, prejudicando a expansão do mercado interno e agravando sensivelmente as agruras da maioria da população.


Os governos militares deixaram como herança a denominada “década perdida” (1980-90) em que, sob a supervisão do Fundo Monetário Internacional e suas nefastas políticas de estabilização, o país esteve mergulhado numa crise permanente, em que pontificavam fortes pressões inflacionárias, estagnação econômica e desequilíbrio nas contas externas.


Estavam assim criadas as condições para a submissão do país ao modelo liberal de integração passiva nos mercados internacionais, mediante a adoção integral das políticas neoliberais, compreendendo a liberalização dos mercados, a privatização de empresas públicas e o desmantelamento do aparelho estatal.


Esse modelo desnacionalizante, inaugurado explicitamente no Governo Collor, iniciado em 1990, aprofundou-se sensivelmente nos governos de FHC, sob a influência do sonho “fernandista” de promover o desenvolvimento nacional sob o impulso das forças do mercado e o comando das grandes corporações internacionais, especialmente as financeiras.


Sob a batuta do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, foi posta em prática a partir de 1993 uma política de estabilização que conseguiu conter o exacerbado processo inflacionário, à custa de forte endividamento público interno. Paralelamente, foi realizado um vultoso processo de privatização de empresas estatais, redução de barreiras à importação e estímulo ao endividamento externo do qual resultou a grande crise cambial de 1999.


No início do século atual, em decorrência da falta de resultados positivos em termos de retomada do desenvolvimento, tomou forma um movimento intelectual, com penetração nos partidos políticos de esquerda, especialmente, o Partido dos Trabalhadores.


Este movimento propôs-se a defender o reforço do papel do Estado na condução do processo de desenvolvimento em detrimento da hegemonia das forças do mercado, visando maior autonomia nacional frente ao processo de globalização promovido e aproveitado pelas grandes corporações internacionais, especialmente as financeiras.


Iniciava-se, assim, a recuperação no plano ideológico da preocupação com a retomada do comando da política econômica em favor das forças ligadas aos interesses da maioria da população. Bresser Pereira, Liliam Furquim (p.17) (**) e outros, sob a denominação de “novo desenvolvimentismo”, têm procurado sistematizar no plano intelectual essa concepção.


Três fatores foram decisivos para a explicitação das duas opções estratégicas que agora se colocam para a condução do processo de desenvolvimento da nação brasileira.


Em primeiro lugar, ocorreu a criação do PT, como instrumento de ordenamento das forças políticas populares em torno de um partido representativo dos interesses da classe trabalhadora, dos movimentos sociais e da classe média urbana não comprometida com as classes proprietárias (latifundiários, grandes empresários e banqueiros);
Em segundo lugar, colocam-se as mudanças ocorridas no cenário internacional associadas ao aparecimento de novos e bem sucedidos participantes da economia mundial, apoiados em ideologias nacionalistas e estados nacionais fortemente intervencionistas no domínio econômico
A mais importante dessas mudanças consistiu no resurgimento da China, que se tornou protagonista de um intenso e duradouro processo de desenvolvimento, comandado por um estado nacional poderoso, levando-a a firmar-se como a segunda potência econômica e política no mundo. O crescente peso da China no mercado internacional, especialmente como demandante de produtos primários, contribuiu para forte expansão das exportações brasileiras e a atenuação temporária de seu crônico problema de endividamento externo.


Por último, situa-se a incapacidade demonstrada pelo receituário neoliberal para dar resposta aos grandes desafios do país em termos de fortalecimento de sua estrutura econômica e atenuação dos graves e crônicos problemas sociais, que se aprofundaram entre os anos 1980 e 2000.


Os governos de Lula, a partir de 2003, e o atual governo, embora de forma vacilante e lenta têm buscado afastar-se do receituário de política econômica neoliberal. Assim, têm caminhado na direção do fortalecimento do papel do estado como condutor da política de desenvolvimento.
Vêm adotando, ainda que de forma pouco consistente e não explícita, uma estratégia de desenvolvimento que se aproxima da visão neodesenvolvimentista, nos termos propostos por Bresser Pereira e outros. As principais evidências que sustentam o afirmado encontram-se nos seguintes traços das políticas econômicas postas em prática:


a) Fortalecimento do papel do Estado na condução da política de investimentos, com a recuperação e ampliação do papel dos bancos oficiais, com destaque para a recuperação e expansão do BNDES, como banco de financiamento dos investimentos públicos e privados de caráter estratégico; expansão dos investimentos da PETROBRAS na exploração de gás e petróleo (Pre-sal e rede de oleodutos) e na execução de uma agressiva política de compras a fornecedores nacionais de navios, plataformas marítimas e de equipamentos em geral; e expansão dos investimentos na construção de novas unidades hidroelétricas, através da ELETROBRAS.


b) Realização de uma abrangente política social em favor dos segmentos mais pobres da população, através do Bolsa Família e da extensão dos benefícios da previdência aos segmentos mais pobres da população. Isto, aliado a uma política salarial que tem propiciado crescimento real do salário mínimo. Estas ações, ao lado da retomada do crescimento do emprego, melhoraram substancialmente a distribuição da renda;
c) Redução da taxa básica de juros da economia, especialmente no atual governo, o que contribui principalmente para liberar recursos fiscais para as políticas sociais e para financiar os investimentos na infraestrutura.


d) Realização de uma política de estímulo à expansão do crédito, especialmente para os segmentos mais pobres da população e os pequenos e médios empresários, o que tem permitido estimular à expansão da produção, do consumo e a compra de moradias.


e) Posta em prática, mais recentemente, de uma política cambial que tem evitado a valorização do real e contribuído para que não se acentue a baixa competitividade dos produtos industriais, particularmente no mercado internacional.


f) Adoção de medidas protecionistas em favor da produção industrial em setores que tem se revelado mais vulneráveis à competição internacional, com a concessão de incentivos fiscais à produção e ao consumo e a elevação de tarifas aduaneiras sobre os produtos importados concorrentes.


g) Deflagração, no atual governo, de um processo de concessão a empresas privadas para a realização e exploração de investimentos na construção de rodovias e aeroportos.
O momento mais crítico da atual fase está sendo vivido nos últimos meses com o agravamento da crise na economia mundial e a demonstração de que os vínculos de dependência do país para com os países centrais são muito fortes, especialmente pelo lado da dependência da entrada de capitais externos.


Internamente o governo tem se mostrado vacilante, quanto a assumir uma política clara de forte atuação estatal na implementação de um capitalismo de estado, mantendo-se na expectativa de que os capitais privados sejam capazes de impulsionar o investimento na medida do necessário para tirarem o país da estagnação econômica. Em sentido contrário, porém tem feito várias concessões em favor do modelo liberal, a exemplo, da retomada das privatizações de serviços públicos.


A estagnação econômica que vem se materializando, cuja principal expressão é o baixo poder competitivo da produção industrial e o aprofundamento do processo de desindustrialização, que já vem se manifestando há vários anos, pode conduzir à adoção de políticas que façam regredir os avanços alcançados na melhoria da distribuição da renda, especialmente no que toca à política salarial.


No plano político, as forças que se opõe ao aprofundamento do modelo desenvolvimentista, em decorrência de não estarem conseguindo retornar ao poder, através do processo eleitoral, continuam mobilizadas e atuando de forma cada vez mais agressiva para desestabilizar o governo e incompatibilizar as lideranças das forças sociais que lhe dão sustentação com a população.
Eis, pois as razões que justificam uma profunda preocupação com a atuação do atual governo e das forças políticas que o apóiam, pois as decisões agora adotadas são fundamentais para estabelecer os rumos futuros da nação brasileira.


Para que exista o mínimo de autonomia para conduzir os destinos da nação brasileira no futuro, não há alternativa fora do fortalecimento da intervenção estatal no domínio econômico para a execução de uma estratégia deliberada de cunho nacional e desenvolvimentista, sob o risco de submissão definitiva ao modelo liberal de integração dependente na economia internacional.
Devido às condições de alto comprometimento das classes proprietárias (latifundiários, grandes empresários e banqueiros) com os interesses das grandes corporações internacionais, restam as organizações de trabalhadores, os partidos políticos de base popular, a burocracia estatal civil e militar e os movimentos sociais como o único suporte existente para dar viabilidade política à nova estratégia desenvolvimentista.


(*) Economista. Cursou doutorado de economia na UNICAMP. (Ex-técnico do IPEA)
(**) “Estado desenvolvimentista, nacionalismo e liberalismo”, trabalho apresentado ao Congresso Brasileiro de Ciência Política, Gramado, Agosto de 2012.

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