domingo, 17 de junho de 2012

Se a Embrapa for privatizada, o Brasil perde

Ao mesmo tempo que se entusiasma com novos flancos de atuação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), como o estudo de novas técnicas geoespaciais ou o vasto potencial para pesquisas em cana-de-açúcar e fertilizantes, o engenheiro agrônomo Pedro Arraes, presidente da estatal há quase quatro anos, defende fervorosamente que a empresa continue 100% pública. “O nosso objetivo não é o lucro imediato”, afirma Arraes. Mas ele não desconsidera a importância dos recursos privados no aumento da autonomia da empresa. “Como empresa pública, é lógico que temos de arrecadar, isso nos dá flexibilidade”, afirma em entrevista à DINHEIRO RURAL .


DINHEIRO RURAL – O orçamento da Embrapa é suficiente para as suas pesquisas?
PEDRO ARRAES – Estamos com problemas no orçamento, por conta do contingenciamento de verbas do governo, que cortou R$ 140 milhões em emendas parlamentares da nossa previsão de R$ 2 bilhões. Mas acabamos de receber uma liberação de recursos, que deve resolver até o meio do ano. A Embrapa teve um orçamento bastante ampliado nos últimos três anos. Mas, para pesquisa, sempre há carência de recursos.

RURAL – Há recursos suficientes para investir em negócios que tragam mais receita para a empresa?
ARRAES – Fizemos em abril uma reformulação da Secretaria de Negócios. Obviamente que nosso maior negócio está na pesquisa. Hoje, temos projetos com a Vale, Petrobras, Bunge e pequenas queijeiras do Nordeste. Nosso negócio é muito mais amplo que o da Petrobras, por exemplo. Mas também há o papel da Embrapa como empresa pública: temos uma participação fundamental em tecnologias de qualidade; em não deixar o Brasil alheio a pesquisas de ponta no Exterior; e em criar diversidade na indústria do agronegócio. A concentração que existe em algumas áreas do agronegócio não é boa para o Brasil, e temos um envolvimento fundamental do fortalecimento da empresa nacional.

A contenção de verbas, pelo governo, tirou da pesquisa R$ 140 milhões em 2012

AFP Photo / Mahmud Hams
NANOTECNOLOGIA: pesquisador analisa frutas no laboratório da Embrapa Sudeste, em São Carlos (SP)

RURAL – Quanto do orçamento da Embrapa é destinado a pesquisas?
ARRAES – Cerca de 70% do nosso orçamento é para pagamento de pessoal. Cerca de R$ 100 milhões a R$ 150 milhões são aplicados diretamente em pesquisa. Outros R$ 70/80 milhões vêm de agências do governo para fomento científico como Finep, Faperj, Fapesp e CNPq, bem como de fundos setoriais. Ainda recebemos o pagamento de royalties, que geram em torno de R$ 30 milhões. Esse valor às vezes cai, mas é praticamente estável. Esperamos aumentar a receita com a Secretaria de Negócios. Se chegarmos a 5% do nosso orçamento total, nos próximos três anos, seria bastante interessante. Como empresa pública, é lógico que temos que arrecadar, isso nos dá flexibilidade.

RURAL – A Embrapa tem sido muito criticada por ter perdido participação no mercado de sementes.
ARRAES – Acho que a Embrapa não pode mais ter 70% de participação no mercado de sementes de milho, algodão e soja, como tínhamos há 15 anos, quando não havia mais ninguém além de nós. As empresas que estão aí têm todo um arcabouço genético que foi desenvolvido pela Embrapa. Não podemos nos abster de ser marca de qualidade e inovação. Temos é que fazer Parcerias Público Privada (PPPs). Nosso objetivo não é o lucro imediato. Se for assim, não fazemos inovações estratégicas, um investimento de longo prazo. Então, teremos de trabalhar mais em ativos de inovação em nanotecnologia, biotecnologia, de onde podemos ganhar para ter flexibilidade de orçamento.

Cerca de 70% do orçamento da Embrapa é para pagamento de pessoal

RURAL – Abrir o capital não está nos planos, já que esses ativos inovadores demandam mais recursos?
ARRAES – Não seria compatível com a Embrapa. É importante lembrar que o nosso orçamento tem crescido e sido suficiente. Também estamos num processo de reestruturação interna e de inovação, sempre buscando a melhor eficiência em PPPs. Fizemos uma parceria extremamente interessante com algumas empresas no arranjo de integração lavoura-pecuária-floresta. Agora, transformar a Embrapa inteira em empresa privada é inviável. Ela é uma empresa social, trabalha para todos, desde o grande até o pequeno produtor.



RURAL – Alguns especialistas acham que a Embrapa deveria ser uma Petrobras, com ações em bolsa e foco no lucro.
ARRAES – A Embrapa talvez seja até mais importante para o governo do que a Petrobras, em termos de política e estratégia externa brasileira. Por exemplo: eu estava recentemente no semiárido, que enfrenta uma grande seca, com a presidenta Dilma Rousseff, acompanhando um programa do governo de cisternas públicas. No meio da seca, havia uma plantação de 16 tipos de frutas, em 900 hectares. Havia cisternas de 16 mil litros de água a 32 mil litros, que tinham sido recolhidos na chuva. Como entrar num negócio desses sendo uma S/A? Mas, como política de governo, é extremamente importante. Temos todas as condições de nos voltar para os negócios sem problema nenhum, alavancando a indústria nacional. Se tivermos só metas de curto prazo, deixamos de investir no longo prazo. É preciso manter o equilíbrio. Se a Embrapa for uma empresa privada, o Brasil perde com isso. Essa não é a intenção do governo, nem da maioria dos nossos pesquisadores.



RURAL – Mas, muitas pesquisas não produzem resultados objetivos. Como resolver isso?
ARRAES – Temos 1.180 projetos de pesquisa, divididos em seis macroprogramas. Por mais que a Embrapa tenha mecanismos gerenciais para agregar, buscar resultados e inovação que façam diferença em toda a cadeia produtiva, existe mesmo uma dispersão inerente no processo de pesquisa. Criamos então o que estamos chamando de portfólios de pesquisa. E o primeiro é numa área em que não temos muita tradição de trabalho, que é a cana-de-açúcar, uma demanda do setor produtivo. Temos 189 pessoas que estão trabalhando de alguma forma com a cultura.


Divulgação
CERRADO:
 tratorista colhe soja no Tocantins, em pesquisa de grãos resistentes a altas temperaturas



RURAL – Há orientação clara do governo para ampliar a pesquisa em etanol?
ARRAES – Há hoje um problema de preço e oferta e acho que podemos contribuir na pesquisa, solucionando alguns desses problemas. Há certos paradigmas muito importantes na questão do álcool. A partir de 2014, não se poderá mais queimar cana-de-açúcar em São Paulo e em vários Estados. É um problema que parece relativamente simples, porque a queima tem seus efeitos ruins, pois aumenta o CO² no ar. Mas também tem seus efeitos benéficos. Há mais de 100 anos se queima cana e isso diminuiu as pragas. Será necessário fazer uma série de ajustes agronômicos.



RURAL – Em quais projetos a Embrapa deve se debruçar nos próximos anos?
ARRAES – Uma área com grande ênfase no nosso plano estratégico é a de técnicas de georreferenciamento. Talvez a discussão que temos hoje entre ruralistas e ambientalistas fosse bem menor se já tivéssemos a real dinâmica da agricultura no território. Você pode pegar primeiro a vegetação, depois os mapas de solo, precipitação, infraestrutura e, ao montar esse quebra-cabeça, ter uma visão desse território e suas potencialidades. Outra grande área é um centro que foi criado em 2010, a Embrapa Estudos e Capacitação, um núcleo de inteligência estratégica para responder a perguntas como: para que rumo vai a pesquisa na Amazônia? Qual o papel da agricultura orgânica daqui a 10 anos?



RURAL – Como vai funcionar a Embrapa Internacional? A empresa poderá usar seu know-how em cooperação internacional para explorar novos mercados?
ARRAES – A Embrapa Internacional vai ajudar a ampliar todos os nossos pilares de atuação internacional, que são três: científico, de cooperação tecnológica e de negócios. O primeiro – e mais importante para nós – nos permite criar os Laboratórios Virtuais no Exterior (Labex), em áreas de excelência como os Estados Unidos, a França, Inglaterra, Coreia do Sul e, recentemente, a Alemanha; em junho, a China; e, em breve, o Japão. Como temos um know-how muito grande, eles também têm interesse em vir para cá. Todos os nossos projetos lá fora têm objetivo muito claro de capacitar a instituição local de pesquisa. Mas também recebemos US$ 2,5 milhões da Fundação Bill Gates para nossos projetos na África, uma forma inteligente de fazer interação em pesquisa. (Isto É)



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