Aos 69 anos, o desembargador Fernando da Costa Tourinho Neto está há apenas um ano de se aposentador compulsoriamente. Alguns lamentam o fato; outros comemoram efusivamente. Ao longo de sua carreira, o juiz do Tribunal Federal da 1ª Região divide assim opiniões e provoca polêmicas. Seus amigos e aliados o veem como um magistrado conservador e garantista (jargão que designa aqueles que orientam seus julgamentos pela defesa dos direitos e garantias individuais). Seus inimigos o vêem como alguém de relacionamento difícil, sem diálogo com o Ministério Público e dono de verdadeira ojeriza a técnicas modernas de investigação, como as escutas telefônicas. Para seus aliados, trata-se de um cuidado com eventuais abusos que possam ser cometidos contra as pessoas. Para os adversários, o que é visto como garantista acaba na verdade servindo como caminho para que alguns escapem da cadeia. Como quase aconteceu agora, por decisão sua, com o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
O fato é que há mesmo uma grande relação de pessoas que, por decisão de Tourinho Neto passaram menos tempo na cadeia do que seus algozes gostariam. O desembargador mandou soltar, por exemplo, o senador Jáder Barbalho (PMDB-PA), quando ele foi preso acusado de irregularidades na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Na ocasião, Tourinho Neto entrou em conflito com o juiz que mandou prender o parlamentar. Em outra ocasião, viu seu nome aparecer em grampos de uma operação da Polícia Federal conversando com o filho de um outro desembargador. Tourinho havia solto um traficante da quadrilha de Fernandinho Beira-Mar. Acabou no meio de uma investigação sobre venda de sentenças, mas foiinocentado.
Sua intervenção agora no caso Cachoeira vai seguindo roteiro semelhante. Tourinho Neto é criticado por policiais e procuradores do Ministério Público envolvidos com a Operação Monte Carlo, que prendeu o bicheiro e outros integrantes do seu grupo. A operação esteve ameaçada de ir para o lixo, porque Tourinho queria invalidar todas as suas provas. Em seu voto na 3ª Turma do TRF, o desembargador defendeu a nulidade de todas as interceptações telefônicas porque elas, segundo ele, seriam baseadas apenas em uma denúncia anônima. Mas os outros dois colegas de Tourinho Neto na turma reverteram o placar do julgamento e mantiveram a validade da operação. Também é graças ao trabalho de outro juiz que Cachoeira neste momento não está solto. Na semana passada, Tourinho Neto mandou soltá-lo, tomando por base o processo resultante da Operação Monte Carlo. O bicheiro permanece preso na Penitenciária da Papuda, em Brasília, porque havia um outro mandado de prisão expedido contra ele, com base em outra investigação da Polícia Federal, a Operação Saint-Michel.
Descrença no crime organizado
Entre os críticos de Tourinho Neto, está o senador Pedro Taques (PDT-MT), procurador da República licenciado. Para ele, Tourinho Neto age como magistrado como se considerasse que o crime organizado não existisse, preservando um raciocínio conservador que, geralmente, acaba modificado em instâncias superiores, mas que, muitas vezes acaba produzindo efeitos danosos, quando liberta presos e prejudica investigações. “Já tive oportunidade de ver, nas ações penais que nós, do Ministério Público Federal, manejávamos, esse desembargador nulificar investigações, nulificar ações penais, em decisões que, depois, são modificadas pelo Superior Tribunal de Justiça”, disse Taques, em discurso proferido ontem (18). “Magistrados como ele acham que no Brasil não existe crime organizado. Acham que crime organizado é coisa de filme policial, que não existe na realidade”, disparou (leia a íntegra do discurso de Pedro Taques).
A opinião dele vai ao encontro do pensamento de outros integrantes do Ministério Público. Ontem, o procurador regional da República Carlos Vilhena disse ao Congresso em Foco estar preocupado com o fato de a tentativa de soltura de Cachoeira, que foi frustrada, e a as bem-sucedidas solturas de outros membros da quadrilha terem acontecido sem que o Ministério Público fosse ouvido. Foi, por exemplo, a reportagem do site que informou a Vilhena que o braço operacional do esquema de Cachoeira, Lenine Araújo, fora solto na sexta-feira (15). A comunicação oficial da soltura não havia chegado ao gabinete do procurador.
Tolerância com o crime
Se os procuradores reclamam porque Tourinho Neto solta aqueles que acusam, a Polícia Federal protesta por conta das ações do juiz contra seus métodos de investigação. Em nota, a Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) criticou duramente o voto de Tourinho que visou anular os grampos telefônicos da Operação Monte Carlo. Na dura nota, a ADPF criticou Tourinho Neto por sua postura “enfática” contra as interceptações telefônicas e por ser “célere” na decisão, solitária, de mandar libertar Cachoeira. Para a ADPF, posturas como essa “contribuem para a imagem cada vez mais recorrente de tolerância de uma pequena parcela do Poder Judiciário com a criminalidade organizada no país”. Veja a nota.
Atualmente, Tourinho Neto é membro do Conselho Nacional de Justiça, entidade responsável por julgar juízes, desembargadores e ministros por faltas administrativas. Lá, integrou a lista de adversários da ministra Eliana Calmon, corregedora do CNJ.
Tourinho é magistrado do TRF da 1ª Região desde 1989. Foi presidente, vice-presidente e corregedor da instituição entre 1998 e 2002. Hoje ocupa a 3ª Turma.
Baiano de Salvador, 69 anos, Tourinho Neto se formou em direito pela Universidade Federal da Bahia em 1965. Entrou para a magistratura seis anos depois, depois de ser bancário e integrante do Ministério Público. Seu pai, o promotor de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo Fernando da Costa Tourinho Filho, é um dos principais autores no país de livros sobre Direito Processual Penal.
O Congresso em Foco procurou o desembargador Tourinho Neto por meio da assessoria do TRF da 1ª Região na segunda-feira (18). Mas até o fechamento desta reportagem, não obteve retorno dos pedidos de entrevista.
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