quarta-feira, 16 de maio de 2012

Placar da verdade: 1918 denúncias de tortura, 0 apuração


Paulo Moreira Leite/Época

Leio nos jornais que tem muita gente falando em reconciliação entre passado e presente, entre os que fizeram oposição à ditadura e aqueles que estavam no governo, entre perseguidos e perseguidores, entre torturados e torturadores.

Mas eu acho estranho que se fale em reconciliação. O país fez isso em 1988. Votamos uma Constituição democrática, aceitamos o resultado das urnas e temos direito ao mais amplo regime de liberdades públicas  de nossa história.

Falta, apenas, completar esse processo e recuperar a verdade. Não há o que negociar. Estamos numa democracia, não é mesmo?

Sem a verdade, o país fica sem memória. E sem memória, não temos identidade. É para isso que precisamos de bons livros, e bons professores. Sem eles não teremos bons alunos.

Isso incomoda algumas pessoas? Claro que incomoda. É assim todo dia, mas o que se pode fazer? É da civilização, faz parte de nossos valores.

Quando os jornais mostram um acusado na CPI, um sujeito vendendo drogas, um assaltante de banco, eles também ficam incomodados, não é mesmo?

O que a Comissão da Verdade precisa fazer é isso. Investigar e informar quem fez o quê, quando, por que.
Quem acha que é preciso fazer uma reconciliação precisa lembrar de uma coisa. Só há reconciliação quando há igualdade  e respeito mútuo.

O que pretendem fazer, agora, é prosseguir na humilhação da verdade, envergonhar a lembrança de homens e mulheres decentes que não foram respeitados nem mesmo depois da morte.

Sem respeito e sem dignidade só há submissão.

Entre 1964 e 1979 foram feitas 1918 denuncias de tortura na Justiça militar. É uma contabilidade por baixo. Não leva em conta quem decidiu ficar calado para não voltar para o pau de arara nem para a cadeira do dragão.  Também não menciona quem apanhou mas foi mandado para casa sem enfrentar processo.

Sabe quantos torturadores foram levados a sentar-se no banco dos réus? Zero.

Esse é o placar da verdade: 1918 a 0.

Talvez não seja possível examinar os *** (com asteriscos, em homenagem ao truque da turma gloriosa do Pasquim para driblar a censura) que agora são chamados de “outro lado.”

Mas queremos recuperar os rostos  que faltam, as dores que não terminam.

Quem fala que é preciso reconciliação talvez esteja incomodado com a democracia…

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