domingo, 13 de maio de 2012

Mulher chefe de família: um estudo de gênero sobre a família monoparental feminina




Flávio dos Santos Brito


Introdução
Este artigo tem por objetivo aprofundar os conhecimentos sobre a questão de gênero e os estudos sobre a família, neste caso específico, a Família Monoparental Feminina.[1]Baseia-se em pesquisa bibliográfica e em entrevistas realizadas com mulheres chefas de famílias monoparentais.
Na realidade brasileira, estudos têm apontado para a dinâmica dos arranjos familiares nas classes populares, demonstrando a permanência de uma hierarquia de papéis, organizados a partir de uma visão tradicional, em que o homem representa o papel do provedor moral familiar (SARTI, 1996), ao mesmo tempo em que se verificam mudanças nas famílias. Segundo Goldani (1994) entre essas mudanças se verifica uma perda de espaço no percentual de famílias compostas pelo casal e filhos e um aumento de famílias compostas por um dos membros e filhos ou de pessoas morando sozinhas, ao lado da queda da fecundidade, do aumento da esperança de vida e do tamanho dos módulos familiares.
“A presença de famílias compostas por um dos membros adultos e filhos, em maior proporção mães e filhos, vêm levando demógrafos e sociólogos a criarem termos para nomearem esse tipo de família. Assim, são chamadas de famílias quebradas ou reconstituídas. Estudos demográficos, no Brasil colonial, nos mostram que as famílias chefiadas por mulheres não representam, necessariamente, uma invenção da história brasileira contemporânea” (DEL PRIORE, 1994).
Segundo Vitale (2002), existe ainda uma percepção histórica que incorpora a denominação de “famílias monoparentais” dos países anglo-saxões, a fim de melhor elucidar a origem e importância desta significação não apenas como conceito meramente explicativo de uma imposição normativa, ou, até mesmo simbólica , mas, sobretudo o esclarecimento de uma reação de mulheres de hoje, em referência a imposição social que as subjuga à fragilidade e vulnerabilidade econômico-social – espelhando-se assim, estas mulheres de hoje, em ações feministas de meados dos anos sessenta.
As famílias chefiadas por mulheres têm crescido nas últimas décadas. De acordo com o Censo Demográfico de 2000, correspondem a 11,1 milhões de famílias. Uma em cada quatro famílias brasileiras é chefiada por mulheres. Nesse universo, a maioria das mulheres responsáveis pelo domicílio está em situação monoparental.
Portanto, parafraseando Vitale (2002), afirma-se ser a monoparentalidade um estado em aberto. Por esta razão deve ser considerada em suas permanências e recomposições. Assim, pensar monoparentalidade é pensar famílias monoparentais e não um único modelo: as famílias monoparentais são protagonistas de histórias peculiares marcadas pelos diversos contextos sociais. Isso nos mostra que não é possível analisar as famílias monoparentais como um universo específico ou um grupo homogêneo, mas sim como um novo grupo modificador das concepções tradicionais de família (crivos nossos).
Resultados da pesquisa e discussão
1 – Família monoparental: como defini-la?
A expressão “famílias monoparentais” foi utilizada, segundo Nadine Lefaucher, na França, desde a metade dos anos setenta, para designar as unidades domésticas em que as pessoas vivem sem cônjuge, com um ou vários filhos com menos de 25 anos e solteiros (VITALE, 2002:47).
No Brasil, Barroso e Bruschini (1981) apontam que, embora já houvesse no país um contingente expressivo de famílias chefiadas por mulheres, é a partir dos anos 1970 que elas passam a ter visibilidade e conquistam um lugar entre as pesquisas sociológicas.
Para as autoras:
“É preciso não esquecer que as mulheres chefes de família costumam ser também ‘mães-de-família’: acumulam uma dupla responsabilidade, ao assumir o cuidado da casa e das crianças juntamente com o sustento material de seus dependentes. Essa dupla jornada de trabalho geralmente vem acompanhada de uma dupla carga de culpa por suas insuficiências tanto no cuidado das crianças quanto na sua manutenção econômica. É verdade que essas insuficiências existem também em outras famílias, e igualmente é verdade que ambas têm suas raízes nas condições geradas pela sociedade. Porém, esses fatores sociais são ocultados pela ideologia que coloca a culpa na vítima, e o problema se torna mais agudo quando as duas vítimas são encarnadas por uma só pessoa” (BARROSO & BRUSCHINI, 1981,p.40).
A vitimização da mulher chefe de família é expressão de uma subjugação social que atribui à própria mulher a dificuldade de se autogerir e a sua família.
[...] é complicado, não é fácil pra uma mulher sozinha administrar uma família não [...] é complicado, eu falo pra você por experiência própria, não é fácil de jeito nenhum, mas a gente tenta levar [...] (E:1).
Muitas vezes essas mães, que também são o “pai” e chefe de família, saem de casa bem cedo, para trabalhar e ficam afastadas da vida cotidiana de seus filhos, retornando as suas casas apenas à noite:
Eu saio de casa, né, eu vejo meus filhos duas vezes por dia, de manha e a noite. [...] eu sinto assim, que eu abandono ele, eu preciso trabalhar, por que sou eu que [...], sou o home e a mulher da casa, então tem que trabalhar, não tem jeito, o resto Deus me ajuda que eu consigo no final (E:7).
Os relatos evidenciam dificuldades financeiras e o reduzido contato entre mãe e filho(s), sendo a falta de tempo um elemento forçosamente incorporado à rotina da mulher, que tem como prioridade sair de casa para trabalhar.
É difícil, é um pouco difícil porque às vezes eu não tenho tempo pra meus filhos eu não tenho tempo [...] às vezes falta tempo até pro que mora com minha mãe, porque, [...] ele é um pouco rebelde, então, eu [...], num dá [...] num tenho tempo pra eles. [...] falar, dar um conselho pra ês, eu num tenho (E:1).
A família monoparental feminina constrói-se sobre esta denominação, muitas vezes, devido à separação dos cônjuges e, nesses casos, geralmente não há participação financeira do cônjuge masculino na criação dos filhos, como se observa no relato de uma entrevistada: “[...] num teve um centavo do pai dês pra poder criá-los. Sempre foi com meu suor, com meu trabalho” (E:6). 
Nessa perspectiva, muitas são as necessidades e a priorização se faz necessária:
[...] às vezes muitas coisa passa, né [...] as vezes se eu tiver de comprar uma coisa, prefiro comprar outra, aquela que é mais necessária, né, nessa parte ai que eu tenho mais dificuldade, as vez eu quero comprar uma coisa, mais tem outra que ta faltando né, então esse dinheiro que ganha tem que controlar assim né, comprar o mais necessário [...] (E:3).
Lopes e Gottschalk (1990) [2] mostram que as famílias chefiadas por mulheres estão em situação estruturalmente mais precárias, mais dependentes de variações conjunturais, quando comparadas com situações das famílias pobres, equivalentes no ciclo de vida familiar, que têm chefe masculino presente, dadas as diferenças nas formas de inserção da mulher no mercado de trabalho (SARTI, 1996:45 apud VITALE, 2002:51).
Esse contexto de precariedade social de famílias monoparentais femininas pôde ser comprovado em nossa pesquisa. Constatou-se que a renda média mensal das dez mulheres entrevistadas fica em torno de um salário mínimo (60%) e com variações de um a três salários mínimos (40%). Também perguntou-se às entrevistadas como  consideravam sua cor de pele. Neste quesito, declararam-se brancas (40%), morenas (40%) e negras (20%), Segundo dados do SEADE na pesquisa de Condições de Vida para a Região Metropolitana de São Paulo (1994), as famílias monoparentais chefiadas por mulheres negras representam a parcela com menores condições de oferecer cuidados básicos para seus filhos. Este vínculo não é desconhecido e expressa as difíceis condições de vida desses grupos (VITALE, 2002:51).
Como diz Vitale (2002), a relação entre famílias monoparentais femininas e pobreza acaba, de um lado, por construir outro estigma, o de que as mulheres são menos “capazes” para cuidar de suas famílias ou para administrá-las sem um homem. De outro, é apontado que as mulheres, hoje, ganharam maior independência e, portanto, podem assumir suas famílias. No entanto, enquanto houver a associação maciça entre monoparentalidade e pobreza – e os dados do Censo Demográfico de 2000 o confirmam, em especial quando se observa a distribuição por regiões do país – acaba por fortalecerem-se muito mais a adjetivação dessas famílias como vulneráveis ou de risco do que como potencialmente autônomas.
A rotina da mulher chefe de família encontra na mão-dupla trabalho/vida familiar, uma problemática que acaba por se refletir na participação dessa(s) mulher(es) na vida e formação de seus filho(s), o que pôde ser apreendido nas entrevistas.
[...] eu tenho que ser o exemplo para meu filho [...] eu tento explicar pra eles o que é bom, o que é ruim [...] tento colocar na cabecinha deles [...] às vezes a gente num consegue fazer tudo que eles querem [...] tem hora que eles querem uma coisa e a gente num pode dá, né, complicado um pouco (E:1).
Portanto, o desafio da conciliação entre o trabalho e sua vida familiar pela mulher chefe de família está presente nos depoimentos apresentados, reveladores da dificuldade da mulher/mãe e provedora em promover o sustento da família e preservar uma participação mais efetiva junto a seus filhos e ao ambiente familiar.
Tabela 1. Dados colhidos em 10 (dez) entrevistas feitas com mulheres chefes de famílias monoparentais femininas em Salinas/MG.

Entrevistadas
Idade
Cor
Escolaridade
Nº Filhos
Renda
E:1
36
Morena
Fundamental
3
1 salário
E:2
47
Negra
Médio
3
1 salário
E:3
50
Branca
Superior Completo
1
2 a 5 salários
E:4
51
Morena
Fundamental
1
1 salário
E:5
43
Branca
Fundamental
2
1 salário
E:6
38
Negra
Superior Completo
1
2 a 5 salários
E:7
46
Branca
Superior Incompleto
2
2 a 5 salários
E:8
43
Morena
Fundamental
4
1 salário
E:9
35
Morena
Fundamental
3
1 salário
E:10
51
Branca
Fundamental
3
1 salário

Mais que isso, nessas circunstâncias, o trabalho passa a ser encarado como uma necessidade extrema, um sacrifício necessário para guiar e manter a unidade familiar:
Pra eu parar de trabalhar pra cuidar deles não dá, eu sobrevivo desse salário, então tem que trabalhar né, e aí os mais velhos estão aqui e vão cuidando do outro. Levanto de madrugada, faço o almoço, deixo o almoço pronto e vou trabalhar (E:10).
Convém ainda ressaltar que a associação entre famílias monoparentais chefiadas por mulheres e pobreza aponta claramente estes segmentos como foco de critérios para programas sociais. Na última década, estudiosos da família, na perspectiva demográfica, como é o caso de Goldani (1994), já chamavam a atenção, a partir dos dados dos censos anteriores, para esta prioridade.[3]Os possíveis programas dirigidos para as famílias pobres monoparentais femininas deverão contribuir para a sua maior autonomia e não para estigmatizá-las como sem condições de oferecer cuidados e proteção aos seus membros (VITALE, 2002:52).
A contemplação às famílias monoparentais femininas, no município de Salinas/MG, por parte das políticas e programas sociais, mostrou-se dentre o universo pesquisado[4] pouco significativa. Apenas cerca de 40% das famílias participam de algum programa social que contribua para a inclusão social dos membros da família e os demais 60% não têm nenhuma ajuda social por parte dos poderes da federação.
Entendemos que, a inclusão social e participativa da família monoparental feminina, deve ser respaldada por programas sociais que englobem todo o contingente que demanda esta atenção.
2 – Situação financeira: um agravo familiar
Como diz Mishra (1995: 104), o pluralismo de bem-estar contemporâneo “é muito mais do que uma simples questão de decidir quem pode fazer o melhor [Estado ou sociedade] em termos de vantagens comparativas na produção de serviços de bem-estar”. É também, e principalmente, uma estratégia de esvaziamento da política social como direito de cidadania, já que, com o “desvanecimento das fronteiras entre as esferas públicas e privadas”, se alarga a possibilidade de privatização das responsabilidades públicas, com a conseqüente quebra da garantia de direitos (apud PEREIRA, 2006:33).
E, o que seriam, afinal, esses direitos? Em que se fundamentam? São direitos exorbitantes, ou, apenas direitos, necessidades para uma afirmação social, preservando a dignidade de seus reclamantes?
Essas indagações nos remetem a fatos reais como se constata:
[...] a maior necessidade, é, eu gostaria que minha família tivesse bem estruturada financeiramente [...] (E:2).
A questão financeira nos faz voltar às pontuações aqui inicialmente articuladas, já que a sociabilidade do indivíduo e do mesmo modo, da família se constroem através do aspecto econômico, sem, no entanto, deixar de lado os laços de afetividade que simbolizam o termo “família”. Assim, a fragilidade financeira e educacional fomenta a dificuldade econômico-social, que promove, como já mencionamos a falta de tempo das mulheres chefes de famílias monoparentais para uma maior participação na vida familiar.
Percebe-se, dessa forma, que a situação financeira não é uma aliada da família monoparental feminina, como se verifica: “[...] tem de fazer tudo pra não deixar faltar e nem deixar de pagar as contas em dia, mas não tem como não pagar atrasado” (E: 10). Ou ainda:
[...] meus minino arranjo, ta trabalhando, mas ganha o mínimo assim, pouco mas ganha [...] minha moça de 20 anos trabalha olhando crianças, a outra vai terminar o curso agora, vai tentar o vestibular [...], ela vai tentar o curso de Sistema de Informação [...] (E:6).
A preocupação com o futuro dos filhos é ponto fundamental, principalmente, em relação à conquista de um emprego:
Meus “fi” arranjar um emprego, é isso que eu gostaria assim ter uma casinha pres poder morar e tudo empregado, pramim puder viver com ês, assim, independente de meu povo (E:4).
Segundo Jacinto e Suarez (1994:138), aqueles que conseguem permanecer no sistema educacional formal, têm acedido habitualmente aos segmentos deteriorados do sistema, obtendo credenciais que não implicam ganhos educacionais semelhantes aos de seus pares de outros setores sociais.
As relações econômico-sociais se entrecruzam, formando uma teia de prosperidade ou derrocada do indivíduo. Tal união tem seu vértice na educação propiciando qualificação e capacitação para o mercado de trabalho.
3 – Escola e ascensão social
Como não poderia deixar de ser, uma grande preocupação das mulheres que foram entrevistadas é com a educação de seus filhos. Já que a maioria das entrevistadas, apresentam os seguintes índices de formação escolar: 60% têm apenas o ensino fundamental; 20% o ensino superior completo; 10% o ensino médio e outras 10% o ensino superior incompleto. Esta preocupação pode relacionar-se inclusive com a ausência paterna na família, como expressa uma entrevistada:
[...] sem a companhia do pai meus filhos não vão a escola, então [...] a maior necessidade minha é que eles estudassem, pensar um pouco no futuro né porque hoje tudo é o estudo, pra mim, minha maior dificuldade é essa (E:1).
A educação como garantidora de um futuro mais promissor é compartilhada por outras famílias:
[...] é muito difícil estudar um filho, não é fácil. Minha minina mesmo, nem terminou o estudo porque ela adoeceu e foi obrigada a afastar, agora que eu falei pra ela: você volta que a gente sem o estudo, a gente não é nada. E meu minino graças a Deus, [...] ele ta sim, ta indo bem, por enquanto, enquanto eu to podendo dar o estudo ele ta aí, e eu espero que eu consigo, até que ele forme (E:7).
E ainda observa-se que, o acesso ao ensino superior é segundo uma outra entrevistada,
a maior necessidade, os mininos já formano, e a gente ainda não tem. Assim, eu não sei qual caminho que eles quer seguir, mais [...] Pra você pagar né, tirar do salário, da boca dos menores pra manter [...] igual, eu tenho os dois maiores, pra manter eles lá fora é uma dificuldade imensa, não tem como (E:10).
O acesso ao ensino superior apresenta características de exclusão e de não-acesso como pode se perceber na anteposição aqui mencionada. Retorna-se ao tema das limitações econômicas e a necessidade maior da provedora dedicar-se quase que exclusivamente ao laboro.
Para Mitscherlich[5] (1970:175-179, 182-184), a “relação pai-filho”, pode ser atingida ou completamente destruída em dois pontos de ruptura: no contato afetivo e no contato objetual, que se influenciam mutuamente em estreita interdependência. No início, porém, situa-se a relação com a mãe, na qual pode ter êxito ou fracassar a criação da “confiança primordial” (E. H. ERIKSON), que depende totalmente do sentimento de segurança, da correspondência afetiva – consciente ou inconsciente – que o recém-nascido encontra na mãe. Segundo Canevacci (1987:237), nasce assim, a aspiração à autonomia e à iniciativa, ou seja, do esquema-base dos modos de comportamento.
A falta de participação paterna na criação dos filhos põe-se como um obstáculo a ser superado pela família monoparental feminina. Esta falta se caracteriza de maneira mais aguda quando inclui simultaneamente a omissão financeira e presencial do pai na vida e formação dos filhos.
O não reconhecimento por parte do genitor masculino de seus laços com os filhos, promove muitas vezes, a revolta por parte da mulher que se vê “obrigada” a arcar sozinha com a questão financeira e tentar suprir também os laços paternos na família.
4 – Gênero: presença masculina, ela é necessária?
Olha, no meu haver em num, eu num acho não, eu num acho assim que eles vão ter problema por eles não ter um pai dentro de casa, porque meus filhos nunca teve [...] o mais novo sim, ele teve, pode até ser igual, a gente comenta a morte do pai dele então [...] ele fica triste mais eu tento conversar com ele, mais [...] não sente não (E:1).
A família monoparental feminina além do processo de vulnerabilidade social a que está submetida na maioria dos casos, enfrenta na falta da figura paterna por – falecimento – um fato que indiscutivelmente acomete a formação psicológica e social da mãe/provedora e principalmente dos filhos.
Os reflexos da perda muitas vezes permanecem em uma espécie de incubação que poderá emergir em fases posteriores da vida dos filhos. Nesse aspecto, a mulher tenta proteger seus filhos de uma situação irremediável.
Nos casos de viuvez ou separação sem nova união, a mãe torna-se a figura aglutinadora do que resta da família, e sua casa acaba sendo o lugar para onde acorrem os filhos nas situações de desamparo. Sendo o ponto de referência para toda a família, à mãe é devido um respeito particular – sobretudo se ela tiver uma idade mais avançada – que tem o sentido de uma retribuição do filho à mãe que o criou (SARTI, 2007:69).
A dificuldade de substituição da paternidade na família monoparental é relatada por uma das entrevistadas: “uma ausência que não dá pra suprir, mas, cê consegue, cê busca Deus, busca religião, os amigos, a família reunida pra isso, pra superar isso” (E:8).
Substituir a paternidade é segundo as mulheres entrevistadas um fato cheio de orgulho e motivação para a mulher chefe de família que, abraça essa causa de coração, a bem da própria família. A importância e necessidade da presença masculina no meio familiar se relacionou, em alguns depoimentos de nossa pesquisa, com determinadas tarefas domésticas socialmente atribuídas ao homem:
É, é um pouco complicado [...] que tem horas assim que eu sinto mais falta quando quebra um cano né, quando[...] uma coisinha de resolver dentro de casa, sabe? Que meu marido fazia, então aí, nesse ponto aí que eu sinto dificuldade que [...] (E:1).
Nos casos em que a mulher assume a responsabilidade econômica da família – como se percebe acima – ocorrem modificações importantes no jogo de relações de autoridade, e efetivamente a mulher pode assumir o papel masculino de “chefe” (de autoridade) e definir-se como tal (SARTI, 2007:67).
Essa percepção surge a seguir: “Bom pra mim num tem dificuldade nenhuma. Eu faço tudo, eu [...] o que eles precisa, [...] com esse pouco de salário queu ganho da pra mim dar pra meus filho tudo o que ês precisa[6] (E:4).
Mesmo com uma vida financeira modesta, as mulheres chefes de família monoparental feminina, deixam claro que a presença masculina no núcleo familiar se faz desnecessária.
[...] eu vou levano a vida [...] sem, né, sentir falta dele, que tem meus filho pra cubrir a falta né, aí [...] pra mim tanto faz, tanto fez, é uma coisa só (E:4).
A experiência pode inclusive remeter a mulher à convicção de não mais querer constituir outra família:
Sobre assim [...] eu, ter outro companheiro eu não quero! Eu não quero! Eu já coloquei esse objetivo na minha vida. Eu não quero! Pessoas falam comigo: “ah, você tem que casar, você é nova, eu não quero!” (E:1).
Portanto, tanto a questão da presença paterna na família, quanto uma possível tentativa de superação da falta desta, é encarada pela mulher provedora como uma assimilação do papel do homem e dessa forma, constata-se que:
Eu sou mãe e pai, então [...] em termos de conversas, eu converso abertamente com meus filhos, em termos de tudo, qualquer dúvida que eles tiver e precisarem de alguma coisa, eles vêm até mim e perguntam (E:10).
5 – Afetividade na família monoparental
As trocas afetivas na família imprimem marcas que as pessoas carregam a vida toda, definindo direções no modo de ser com os outros afetivamente e no modo de agir com as pessoas. Esse ser com os outros, aprendido com as pessoas significativas, prolonga-se por muitos anos e frequentemente projeta-se nas famílias que se formam posteriormente (SZYMANSKI, 2002:12).
[...] tudo que eu falo com eles, me obedecem, respeitam! Graças a Deus, nesse ponto aí eu não tenho que queixar de meus filhos não (E:1).
As ralações afetivas na família monoparental feminina se expressam como um fator aglutinador que promovem uma relação de troca contínua, respeitosa e afetuosa dos filhos com suas mães e destas para com aqueles.
As mudanças na composição familiar, sua visibilidade e a aceitação da sociedade exigem que se leve em conta o reflexo daquelas na sociedade mais ampla, nas formas de se viver em família e nas relações interpessoais. Para compreendê-las e desenvolver projetos de atenção à família, o ponto de partida é o olhar para esse agrupamento humano como um núcleo em torno do qual as pessoas se unem, primordialmente, por razões afetivas (SZYMANSKI, 2002:10).
Assim,
A gente tem um relacionamento muito bom, graças a Deus. Em termos de hoje ter muitos adolescentes é [...] eles [...] a gente é muito liberal sabe, transparente, então a gente [...] eles nunca me deram trabalho né, então eu agradeço a Deus por isso e graças a Deus [...] é difícil, mas o que vale é a educação, como se diz, a educação vem do berço né, graças a Deus até o dia de hoje não me deram trabalho não (E:6).
Mais uma vez fica claro que o relacionamento intra-familiar ocorre sobre bases educacionais e de conscientização, tanto da mãe quanto dos filhos e da importância de ambos para a estruturação do ambiente familiar.
O trecho de Guimarães Rosa (2001), citado adiante, expressa bem o modo de interpretar-se e ao outro, incluindo os sentimentos correspondentes:
Sentimentos ternos em relação à mãe, associados a um modo de ser valorizado por ela:
“Miguilim gostava pudesse abraçar e beijar a Mãezinha, muito, demais muito, àquela hora mesma...” Agora, ele ia gostar sempre de Mãe, tenção de ser menino bem comportado, obediente, conforme o de Deus, essas orações todas” (p.48).
A valorização terna expressa pelas mães na provisão dos filhos, encontra seu reconhecimento cotidiano em gestos simples, que refletem bem a sensação de apaziguamento e bem-estar dentro da casa, dentro da família monoparental feminina.
O trecho de Guimarães Rosa (2001) mostra bem isso, o prazer de Miguilim em receber e doar carinho e afeto para sua mãe. O mesmo se percebe nos trechos de entrevista da nossa pesquisa:
[...] a gente conversa, a gente brinca, principalmente eu e meu filho, a minina não, que a minina é evangélica, é mais fechada, né, mas assim, a gente também brinca, mas mais é com meu minino, dão muito bem nós dois(E:7).
Ou ainda:
É um relacionamento aberto, muito diálogo, porque isso é o necessário. Tem algum problema com um, então todos ta sabeno, eu gosto sempre que eles vem falar comigo, a gente sempre é unido né, aqui é 5 né, é 5 por 1 e 1 por todos, então, graças a Deus é muito bom (E:10).
A afetividade entre mãe e filhos é um elemento de coesão familiar:
[...] sou só eu e eles, aí eles sente mais forte através de mim, que se eu fraquejar, a fraqueza [...] através de mim vai enfraquecer toda a família. Então, eu tenho que ser forte o suficiente pra mim manter eles (E:10).
A “afetividade é um meio de penetrar no que há de mais singular na vida social coletiva, pois ela constitui um universo peculiar da configuração subjetiva das relações sociais de dominação” (SAWAIA, 2005:40 apud VIEIRA, 2006:36). Complementarmente, Vygostsky (1934-1982) discute que “a afetividade é um fenômeno privado, mas cuja gênese e conseqüência são sociais, constituindo-se em ponto de tramitação do social e do psicológico, da mente e do corpo e, principalmente, da razão e da emoção” (VYGOSTSKY, 1934 – 1982 S.P. apud SAWAIA, 2005: p.40). Desta forma, a afetividade se configura como a passagem do meio social para o meio psicológico e, ainda que exista relação de dominação entre os indivíduos, ela se faz presente entre os mesmos (VIEIRA, 2006:37).
Conclusões
A pesquisa que propiciou a elaboração deste artigo foi importante para a obtenção de maior conhecimento a respeito dos estudos de gênero e conseqüentemente da mulher, especialmente sobre o papel da mulher na condução da família monoparental, na qual a figura feminina é ponto central.
A análise abordou os aspectos socioeconômicos e afetivos que circundam o ambiente da família monoparental feminina. Nos dados colhidos na pesquisa de campo, constatou-se que a renda média das famílias monoparentais femininas pesquisadas gira em torno de 1 salário mínimo com variações de até 3 salários. Isso se explica pela pouca escolaridade da maioria das entrevistadas que apresentam os seguintes índices de formação escolar: 60% têm apenas o ensino fundamental; 20% o ensino superior completo; 10% o ensino médio e outras 10% o ensino superior incompleto. A pouca qualificação remete a baixos salários e pouco reconhecimento social, repercutindo na qualidade de vida da família monoparental feminina e formação sócio-familiar dos filhos.
No entanto, ao lado das dificuldades sociais e financeiras, os laços de afetividade e das relações familiares de respeito mútuo entre a mulher chefe de família e seus filhos, estão presentes nos depoimentos. As entrevistadas relatam que a dedicação por elas direcionada aos filhos os une e fortalece o ambiente familiar.
Da mesma forma, a busca de superação da falta da figura paterna dentro de casa é um aspecto mencionado pela maioria das mulheres como não prioritário e ao mesmo tempo incentivo para a auto-superação dos entraves financeiros (principalmente) causados pela não partilha das despesas familiares. Desse modo, o diálogo e as relações “transparentes” são mencionados como necessários para conduzir a formação da prole na família, e conseqüentemente, para a sociedade.
A pesquisa permite concluir que a mulher chefe de família monoparental, enfrenta jornadas árduas de trabalho extra e intrafamiliar, já que labora durante o dia de trabalho e depois volta a trabalhar dentro da própria casa, além da função de educar e cuidar dos filhos, papel já tradicionalmente atribuído à mulher e que no caso da família monoparental, põe-se como mais um dever entre todos os que ela realiza sozinha no seu papel de mulher chefe de família.

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