domingo, 11 de março de 2012

Matéria da GP com o delegado Reinaldo, ex-líder estudantil (80/Diretas Já) e hoje secretário da Segurança: 'Um cargo que exige entusiasmo e paciência'

Surpresa com a violência

Nos quase 20 anos em que esteve distante do Paraná, César não teve “contato profissional” com o estado. Talvez por isso, no seu retorno, ele tenha se assustado tanto com a situação de violência que encontrou. “No imaginário coletivo nacional, o Paraná é tido como um estado tranquilo e ordeiro. Quando cheguei, vi que o quadro era outro. O Instituto Sangari fez pesquisa mostrando que a taxa média de homicídios no Brasil cresceu 17% entre 1997 e 2007, no Paraná, subiu 96%. O Fórum Nacional de Segurança Pública mostrou que os investimentos na área, em relação ao PIB do estado na última década (governo Requião), só foram maiores, talvez, do que os do Maranhão e Piauí. E os efetivos da Polícia Militar e da Polícia Civil são inferiores hoje aos de 10 ou 12 anos. Tudo isso significa que alguma coisa está errada.” Para o secretário, só há duas coisas capazes de mudar esse cenário: efetivo policial – em número suficiente e com pessoas treinadas, equipadas e com noção de ética e de atendimento às pessoas com respeito e cortesia – e investimento – em estrutura, modernização tecnológica, edificação e visibilidade das forças policiais.

Redução de homicídios como meta

No início do governo, cada secretário do governador Beto Richa teve de escolher metas para balizar o trabalho. “Fui chamado de louco por ter escolhido a taxa de homicídios como a minha métrica. Mas eu tenho que acreditar que é possível. Vamos trabalhar para que as taxas caiam de 30,4 homicídios por 100 mil habitantes para a casa dos 21 ou 22 até o final do governo. Hoje, 53% dos homicídios do Paraná estão concentrados em Curitiba e região metropolitana. Se trabalharmos bem essa região, as taxas vão cair. Não é ‘chutômetro’, é factível. Claro, é muito difícil atingir esse objetivo, mas eu não desisto. Todo dia eu peço a Deus que não me tire a paciência e me mantenha o entusiasmo.”

Processo perverso

“O cobertor da segurança pública no Paraná não é apenas curto, ele virou um lenço.” Para mudar o quadro, o secretário diz ser necessária uma verdadeira revolução. “Eu acredito que possa acontecer porque vi isso ocorrer na Polícia Federal.” A organização se modernizou e se profissionalizou graças a um pesado investimento dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. São Paulo também investiu muito em segurança e hoje está colhendo os resultados. “Eu não quero nenhum centavo a mais que a Saúde, com o que a gente passaria de 5% para 12% do orçamento. Hoje há um processo perverso no país. Todos os governos defendem que as prioridades devem ser saúde, educação e segurança e a população aponta a segurança como maior preocupação. A educação tem vinculação de receita orçamentária de 25%. A saúde tem 12%. E não há dispositivo constitucional que estabeleça um porcentual mínimo para a segurança pública, que todo mundo diz que é prioridade.”

Técnico, não político

Para todos que entram em seu gabinete, no Centro Cívico, César faz questão de mostrar o documento que comprova não ser filiado a nenhum partido político. O atestado foi emoldurado e pendurado na parede. “Não tenho nenhum projeto político”, repete sempre. O bom relacionamento com políticos de diferentes partidos reforça essa disposição. Ele foi chefe de gabinete do ex-governador Roberto Requião (PMDB) e conta que foi sondado para ser seu secretário de Segurança, em 2002. Na época, ele recusou o pedido. Em abril de 2010, veio o segundo convite, desta vez oficial, feito pelo ex-governador Orlando Pessutti (PMDB). “Foi o convite certo, na hora errada, porque eu tinha acabado de ser eleito para a presidência da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal e nem tinha tomado posse ainda no cargo.” A aceitação ao convite do governador Beto Richa não foi imediata. Ele pediu alguns dias para pensar e só assumiu com o compromisso de que o governador atenderia três condições para a pasta: aval para fazer uma gestão técnica, com blindagem política; autonomia para montar sua equipe e investimentos.

Sem deslumbre

O desafio da gestão da segurança de um estado que já foi tranquilo e hoje apresenta índices alarmantes de violência é apontado pelo secretário como o motivo que o levou a aceitar a pasta. “Não tenho vaidade nem deslumbre com o poder. Como filho de político [do ex-deputado Djalma de Almeida César, falecido em julho passado], me acostumei a ver em minha casa deputado, governador. Fui chefe de gabinete de governador, trabalhei com quatro presidentes do Senado, trabalhei no gabinete da Presidência da República, representando a Polícia Federal, ou seja, eu convivi sempre com o poder e não tenho deslumbre do carro oficial, gabinete ou qualquer outra coisa. O que me move todos os dias é o desejo de mudar esse estado da situação que eu encontrei.”

Começo difícil

Apagar incêndios e preparar projetos. Essa foi, segundo o próprio secretário, a tônica de seu trabalho no ano passado. Considerando o desenho geográfico do Paraná, as especificidades de cada região e a estrutura das polícias; o secretário começou a desenvolver um plano diretor para a segurança do estado. O plano está fundamentado no Paraná Seguro, que prevê a integração das forças policiais, dos diferentes órgãos públicos e de entidades representativas da sociedade civil. Outro eixo do plano são as metas de redução da criminalidade, relacionadas a homicídios dolosos, furtos e roubos de casas e estabelecimentos comerciais, apreensão de armas de fogo e furtos e roubos de veículos. “Essas taxas precisam ser divulgadas. Dados estatísticos corretos servem para o gestor público orientar seu trabalho. Não podem ser ocultados nem adulterados. Por isso, no início da próxima semana [esta semana], eu vou assinar uma resolução tornando obrigatória a divulgação dos dados estatísticos. Esses dados vão chegar a toda população e, principalmente, aos gestores das áreas envolvidas para que nós possamos saber por que eles não estão conseguindo atuar bem e ajudá-los.” Tudo isso deve ser fiscalizado pelo Conselho Estadual de Segurança Pública, que está sendo reformulado. Paralelamente, será incentivada a abertura de Conselhos Comunitários de Segurança (Consegs) para que cada município tenha ao menos um conselho. O terceiro eixo do Paraná Seguro é o estabelecimento de ações estruturantes (os dez projetos ao lado), focadas na valorização dos policiais, ampliação de efetivo e modernização tecnológica.

Emotivo

O secretário Reinaldo de Almeida César é um homem que se emociona com facilidade. Durante a entrevista, ele ficou com os olhos cheios de lágrimas pelo menos duas vezes. Uma delas foi quando ele relembrou seu retorno ao palácio do governo, quase 20 anos após ter deixado o Paraná. “Eu não conhecia o Palácio das Araucárias, mas fiquei surpreso ao entrar no prédio e encontrar as mesmas recepcionistas da época em que eu fui chefe de gabinete do Requião. O ascensorista é o mesmo, o garçom é o mesmo. Na antessala, esperando para falar com o Pessutti, vi um filme passar na minha cabeça, lembrando do tempo e da experiência que eu tive no governo. Quando a porta do gabinete abriu e eu fui entrando, eu me emocionei e comecei a chorar.”

Presídios

“O problema da superlotação de presos nas cadeias, assim como no sistema penitenciário, é da Secretaria da Justiça”, defende César. Para tentar resolvê-lo, está sendo estabelecido um plano com três linhas: definir a retirada de presos que possam ir para o sistema penitenciário, passar unidades nitidamente prisionais administradas pela Polícia Civil para a gestão da Secretaria de Justiça e gestão compartilhada nas unidades onde isso for possível.

Promessas

Boa parte das propostas que estão sendo feitas por César buscam justificativas em promessas apresentadas durante a campanha eleitoral. “Eu não votei no Beto, meu título é de Brasília, e não acompanhei a campanha aqui. Quando cheguei, fui até a produtora da campanha do Beto e peguei todo o material dos dois programas em que ele falou sobre segurança pública e dos debates nos canais de televisão. Fiz uma edição, entreguei uma cópia ao governador e disse: ‘Você tem que assistir porque não fui eu que falei que haveria mais não sei quantos policiais. Foi você’.”

Fronteira

O secretário entende que os investimentos federais na segurança do Paraná devem ser canalizados para a região da fronteira com Paraguai e Argentina. “Nós já pedimos, no ano passado, para o Ministério da Justiça, mais investimentos na região e, quando me perguntaram o que eu gostaria de sugerir para os deputados federais nas emendas, eu respondi tudo na Região Oeste. Tem R$ 38 milhões reivindicados para isso em emendas parlamentares.”

UPS

As Unidades do Paraná Seguro (UPS) não estão na lista dos dez projetos reestruturantes da segurança pública do Paraná porque são vistas como uma proposta de estado. “Elas são o carro chefe do Programa de Segurança Pública do Paraná. Não se encaixam nos dez programas prioritários da secretaria, mas dependem de vários deles.” A primeira UPS foi implantada há cerca de dez dias no bairro Uberaba, em Curitiba. Além de reforço no policiamento, as regiões atendidas pelo projeto recebem ações sociais.

Tortura

No último fim de semana, o servente de pedreiro Ismael Ferreira da Conceição, 19 anos, foi preso por engano e torturado por policiais militares. A prisão ocorreu próximo à área da primeira UPS do estado. “Esse caso de tortura tocou o projeto da UPS, pela proximidade geográfica, por ser morador do Uberaba. Só acho injusto dizer que isso ocorreu pela UPS. Eu fui lá domingo [passado]. Pude ver a alegria das pessoas e vi o orgulho da tenente Carolina [Costa], que coordena o trabalho lá.” Para evitar que outros casos de tortura ocorram, o secretário defende ser necessário investir na formação e capacitação dos efetivos policiais. Ele fala também em dar mais celeridade aos processos de punições de policiais. “Há situações tão flagrantes de violência, de desvio de conduta e de corrupção que esses prazos elásticos de processos de disciplinares constituem um escárnio.” (GP)

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