quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Pinheiros e Pinheirinho

Walter Hupsel


Há um prédio na Marginal Pinheiros, São Paulo, que é simbólico do que ocorre no Brasil. A começar pela sua fachada, um neoclássico pastiche que junta Miami com Copacabana num pesadelo que faria Jackson do Pandeiro mudar a letra de sua mais famosa música.

A fachada não basta para metáfora. Ele tem também "penthouse" (pois é fino "penthouse"), gigantesca, faustuosa, imponente, avistada de quase qualquer ponto da Marginal, como quem diz: "estou aqui em cima, longe de vocês, acima de vocês".

Mas ainda há mais: o prédio está embargado, sem moradores, porque a construtora ignorou solenemente as leis de construção da área e fez um prédio bem maior que o permitido (talvez até pela "penthouse"), e ele fica na rota de alguns aviões para o aeroporto de Congonhas, e põe vidas em risco.

Mesmo assim, sabendo disso, a construtora aumentou sua altura além do permitido, na base do "agora que já ta aí, deixa".

Pois bem. Se não me falha a memória, isso tem mais de década. Há mais de dez anos o prédio está lá na Marginal Pinheiros , sem morador, mas na rota da cabeceira de Congonhas, olhando para todos de cima, rindo talvez, impávido, indiferente à batalha jurídica, à chuva de recursos.

Não muito longe dali, em São José dos Campos, um bairro chamado Pinheirinho (ironias que a vida reserva), a polícia militar cumpre um mandato de reintegração de posse num domingo de manhã, depois de uma semana de vai-e-vem de liminares, da justiça estadual ter decidido pela reintegração, a justiça federal ter concedido uma liminar impedindo-a, a estadual disse que não recebeu o comunicado, ignorou dizendo que não era de competência federal etc, etc,etc... (ah, o direito processual brasileiro e sua confusão proposital!).

A desastrada e rápida ação (que nos colocou no noticiário internacional com reportagem no Guardian, na Al Jazeera, dentre outros) expulsou 1.900 famílias, 6.000 pessoas, que moravam no Pinheirinho, tirou os moradores de suas casas, isolou a área e as destruiu. Muitos saíram sem nada, nenhum pertence, sem documento. No corpo apenas a roupa e uma pulseirinha, que seria útil no dia seguinte, para o cadastramento das pessoas. Apenas no dia seguinte. Até lá foram jogados em uma escola sem a menor condição de abrigá-los, sequer sanitária , onde se misturavam doentes, crianças, sujeira e excrementos.

Desabriga primeiro, destrói as casas, depois vê o que faz com as pessoas. Para onde elas vão? O que farão? "Pouco importa". Esta é a política. A questão social é esquecida, ou melhor, torna-se caso depolícia.

Independentemente do mérito da ação de reintegração de posse (princípios constitucionais, jurisdição, cautelares até o julgamento final), a ação do Executivo, rápida, célere, criou um ponto de não retorno. Não há mais bairro, não há mais casas. A prefeitura de São José dos Campos rapidamente ofereceu passagens para que os migrantes "voltassem às suas terras" (pergunto: sem mais nenhum pertence, nenhum teto... como recusar? Higienismo caridoso que é legitimado pela própria ação)

Na Marginal Pinheiros um prédio continua em pé. Lá a batalha jurídica é longa e cara, não interessa sequer que atrapalhe aviões, ponha em risco a segurança das pessoas, passageiros ou dos carros que trafegam pela marginal. Os advogados cuidam de tudo.

No Pinheirinho, o diminutivo carinhoso do Pinheiro, só há lágrimas e desespero de quem tudo perdeu.

O prédio continua rindo lá do alto, na "penthouse", impávido, agraciado de como as leis e os recursos funcionam. Não muito longe dali, no Pinheirinho, falar em leis e recursos soa como um escracho, uma piada de péssimo gosto.


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Depois da polêmica sobre a altura do prédio da Tucumã, que foi embargado em 1999 por ter 30m acima do limite, duas novas torres de mais de 30 andares - ainda mais altas - estão prestes a serem concluídas na rua “de trás” dele. Apesar de um perito já ter negado que esta altura possa interferir na rota de aviões para Congonhas, várias polêmicas circundam o novo complexo. Veja a íntegra da matéria de Márcio Pinho publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo:

A polêmica altura que levou à interdição do Villa Europa virou padrão dos novos empreendimentos no bairro; duas torres terão 128 apartamentos

Duas torres de mais de 30 andares estão sendo construídas no Jardim Europa, área nobre de São Paulo, e tornaram "pequeno" o polêmico edifício da Rua Tucumã chamado de Villa Europa, cuja construção foi interrompida em 1999, na gestão do prefeito Celso Pitta. Um dos argumentos era que o prédio podia interferir na rotas dos aviões para Congonhas, o que depois foi negado por um perito contratado pela Justiça para avaliar a obra.

Se a altura de 117 m do prédio de 31 andares da Rua Tucumã impressionava quem passava pelo bairro, onde há poucas décadas só havia casas, hoje as duas torres são um símbolo do boom imobiliário vivido pelo bairro e concentram as atenções de quem passa pela Marginal do Pinheiros e olha para o alto.

O condomínio leva o nome do endereço: 106 Seridó, dado pela Construtora São José. Corretores informam que os prédios das duas novas torres possuem também 31 andares. No total, serão 128 apartamentos.

Um dos imóveis mais baratos, de cerca de 400 metros quadrados e cinco vagas na garagem, pode sair por R$ 6 milhões. O perfil é diferente do Villa Europa, que apostou nos apartamentos duplex - ali são 15 as unidades. Com terreno mais amplo, o novo empreendimento supera o antigo em largura.

Nova polêmica
O 106 Seridó não vive batalha judicial como a enfrentada pelo edifício vizinho da Rua Tucumã. Mas isso não significa que ele agrade a todos.

Moradores do bairro reclamam dos transtornos trazidos pela obra e da mudança do perfil do bairro. Vizinho ao Esporte Clube Pinheiros e à Avenida Brigadeiro Faria Lima, o Jardim Europa não conseguiu manter sua característica de bairro de casas como o Jardim América.

Para a associação Ame Jardins, o boom imobiliário descaracterizou o Jardim Europa. "É um bairro com um papel ambiental importante na cidade. Com esses empreendimentos, o trânsito é cada vez maior, e o impacto inevitável", afirma o presidente da associação, João Maradei.

Um dos primeiros prédios a aparecer no Jardim Europa tinha três andares. Um de seus moradores, Luiz Ramos, de 44 anos, reclama do ruído que as novas obras trouxeram. "Tive de fazer dois boletins de ocorrência", conta. Ainda segundo ele, rachaduras apareceram após o início da construção dos espigões.

Nos anos 1980 e 1990, o bairro ganhou edifícios de altura mais baixa que a atual. A Operação Urbana Faria Lima surgiu em 2003 para impulsionar a verticalização. Comerciantes comemoram o boom. "É mais gente de alto padrão consumindo", diz o dono de banca Ponciano Hipólito.

Casas
Para o urbanista Jorge Wilheim, a falta de terrenos e a demanda cada vez maior, com o crescimento do poder econômico da classe C, faz com que as construtoras atendam a demanda comprando casas para construir empreendimentos. Ele afirma ser importante criar espaços públicos novos. Parte dos lotes em bairros que ganham muitos veículos com o boom imobiliário deveriam ser cedidos para ampliação das ruas, defende.

A Construtora São José não comentou as queixas em relação ao 106 Seridó e não forneceu detalhes sobre a altura do edifício. Procurada, a Aeronáutica disse na sexta-feira não ter tido tempo hábil para verificar se as novas torres afetariam a aviação. (AE)


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