sábado, 15 de outubro de 2011

A Caravana da Anistia na Tríplice Fronteira e o meu olhar sobre a importância do fato


Embarquei em Curitiba perto das 13 horas e na mesma fileira, ao meu lado, viajou um simpático casal de servidores públicos em férias. Eles iam a Foz visitar familiares e também fazer o turismo/compras no Paraguai e na Argentina. Durante a curta viagem conversamos sobre tudo, mas principalmente sobre a política e a necessidade de avançarmos muito mais neste campo, hoje ainda sobre o controle de um parlamento extremamente conservador, de um executivo ainda engessado por um parlamento reacionário e um Judiciário lento e na sua ação conivente com o conservadorismo mias extremado, já que os avanços sociais conquistados democraticamente pela sociedade ainda não refletem neste poder distribuindo como se deveria a Justiça.

Cheguei a Foz do Iguaçu, cidade normalmente quente, levando o clima de Curitiba para lá. Em Foz chovia e a temperatura estava amena, o que para mim foi um alivio, pois no Vale do Rio Paraná nesta época do ano geralmente a temperatura já está elevada. No aeroporto ao me despedi r do casal eles disseram ”você não quer uma carona? O Meu parente vem nos buscar.” Aceitei. No caminho até o hotel onde me hospedei conversamos sobre Foz e o que escutei, embora ainda trágico, foi alentador ao ficar sabendo que o número de assassinatos de jovens tinha radicalmente reduzido este ano. Até o ano passado Foz ostentava o segundo lugar no ranking nacional deste tipo de crime.

O fato de Foz estar localizada na Tríplice Fronteira faz está receber uma demanda muito grande de pessoas vindas de todas as partes, sendo que o objetivo de uma porcentagem destas não é fazer turismo e sim estar em busca de negócios nada lícitos do outro lado da fronteira. Está avalanche de pessoas e seus negócios acabam por afetar a vida desta população, que em sua maioria absoluta é composta de gente honesta e trabalhadora querendo viver em paz, mas a tentação para o ilícito habita o outro lado da fronteira.

Chegando ao hotel, cansado não pela viagem, e sim pelo meu acelerado ritmo de vida, tomei um banho e tentei fazer o contato com o camarada Aluízio Palmar, que lá é uma referência tanto por sua história de quadro da esquerda como pela sai atual situação de importante dirigentes na luta pelos direitos humanos, como na busca da verdade da justiça contra os crimes cometidos pela ditadura . Entre as grandes bandeiras de luta que ele e seu grupo levantam está a luta pela retirada doe nomes de ruas e avenidas que até hoje levam os nomes de pessoas que cometeram crimes contra a humanidade e o povo brasileiro, como também pela humanização da cidade e isto passa pelo combate a violência, fator gerador de tantas mortes entre as camadas mais jovens da população. Se hoje ocorre a diminuição da violência e da criminalidade assassina em Foz em grande parte isto é fruto da continua e exemplar ação deste nosso importante batalhador pelas causas sociais.

O Aluizio estava muito ocupado, pois os trabalhos que iniciariam no dia seguinte, com os quais este estava na organização, tomavam todo o seu tempo e por isto não consegui me comunicar com ele. Saindo do banho e desistindo de contatar naquela hora com os camaradas, pois para mim estava claro o quão estes estavam atarefados, liguei a TV em um canal paraguaio e acabei dormindo profundamente ao som de uma bela guarânia executada em uma harpa paraguaia. Acordei já era perto de 21 horas e ai consegui contatar com o Aluízio e ele gentilmente ficou de me dar uma carona até na UNILA (Universidade Federal da Integração Latino Americana), local onde no dia seguinte ocorreriam os debates. Na UNILA, que fica instalada dentro do complexo da Usina de Itaipu, sendo está academia uma importante realização do governo Lula, centenas de jovens de todos os países do Cone Sul das Américas compartilham irmanamente as suas formações universitárias. Entre eles o língua corrente é o portunhol, e lá este tem os mais diversos sotaques. Embora para mim quase que ininteligível, pois eu como quase todos nós temos pouco contato com os outros povos irmãos, foi animador ver estes jovens usando o portunhol tentando construir as nossas relações de latinidade nesta ainda dispersa integração da América do Sul.

Perto das nove horas da manhã o Aluizio estava me aguardando na porta do hotel e com ele estava um casal de ex-Militantes da VPR. Ela, a Dolatina Nunes Monteiro, uma das remanescentes da VPR que participaram da luta camponesa, assunto pouco estudado e divulgado da ações desta organização que era mais voltada para a luta urbana contra a ditadura, era uma das que teriam o seu caso analisado no dia seguinte pela Caravana da Anistia. Figura fantástica e expressiva na luta contra a ditadura, um ser humano de grande caráter. Ela, embora na época fosse muito jovem, nos dias mais terríveis nos anos de chumbo, teve a importante função de ser o elo entre os diversos quadros da VPR que estavam ou na clandestinidade ou exilados na Argentina, Uruguai , Paraguai e no Chile. Ela serviu como o correio da organização entre os quadros que estavam isolados e isto não era tarefa comum, já que para desempenhá-la tinha de ser uma pessoa muito forte do ponto de vista ideológico, já que caso caísse nas mãos da repressão e falasse derrubaria o que restava da organização. Ela com seu marido até hoje vivem em uma pequena propriedade rural localizada na Argentina, local que foi um dos refúgios para os exilados que foram obrigados a deixar o Brasil por causa da forte repressão.

Para acompanhar a análise dos processos e a deliberação da Comissão de Anistia relativa à ao pedido da Dolatina e dos outros anistiandos, como homenagem, no local estavam presentes diversos ex-importantes quadros da VPR, do do antigo MR-8 e da ALN. Entre eles estavam oos ex-VPR Aluizio Palmar, o José Carlos Mendes e o Diógenes de Oliveira, sendo que este foi um dos braços direitos do capitão Carlos Lamarca, como também o Cézar Cabral (MR-8) . Também estavam presentes o Gilney Amorim Viana, e sua esposa Iara Xavier Pereira, ex-importantes quadros da ALN, sendo que hoje ela é uma das principais dirigentes da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos. A Iara, entre os demais diversos camaradas de organização que perdeu durante os anos de chumbo, também perdeu dois irmãos assassinados nos porões da ditadura, o Iuri e o Alex de Paula Xavier Pereira. O Gilney é o coordenador do Projeto Direito a Memória e à Verdade.

Voltando as palestras e debates ocorridos na UNILA no Seminário “Repressão e Memória Política”, nele um dos principais objetivos foi buscar um esclarecimento histórico, das práticas de tortura ocorridas durante o período de ditadura, sendo que a discussão central acabou sendo a relação destes crimes contra a humanidade ocorridos no Brasil com os demais ocorridos na Operação Condor. Entre os palestrantes, estavam Victor Abramovch, do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul (Argentina), Patrícia Orellana, da Universidade do Chile, Juan Manoel Otero, Universidade de Rio Negro (Argentina), Aluízio Palmar, presidente do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu, Maria Cristina de Castro (Uruguai), Martin Almada, descobridor do Arquivo do Terror/Operação Condor, Paraguai, Bernard Burel, Observatório Astronômico de Toulese (França) e Sueli Brandão, representando Paulo Abraão, Secretário Nacional de Justiça e Presidente da Comissão de Anistia.

Das nove da manhã até as sete da noite a sala onde ocorreu o Seminário esteve lotada, sendo que a maior parte dos que o assistiram e participaram eram os estudantes da UNILA, que estes, bastante politizados, em muito contribuíram relatando fatos ocorridos durante as ditaduras nos países vizinhos.

Durante o evento cada um dos palestrantes abordaram o tema central por ângulos diferentes, mas em cima de uma unidade de discurso e está foi conseguida na análise da Operação Condor e seus desdobramentos até o dia de hoje, pois na maior parte destes países que foram vitimados pela Condor as recomendações da OEA relativas a apuração dos fatos pela abertura dos arquivos das ditaduras, como pela criminalização dos atos e a punição legal dos que praticaram os crimes contra a humanidade durante este período de terror estão em um patamar muito avançado, sendo que muitos destes criminosos condenados já estão atrás das grades. Aqui no Brasil, embora estejamos muito atrasados em relação a apuração e a criminalização destes atos e de seus autores, agora parece que rumamos para atingir ao menos parte deste objetivos, pois o STF, agindo contra todas as Leis internacionais, referendou a legislação arbitrária, unilateral, que absolveu em plena ditadura os criminosos ao estabelecer a anistia tanto para as vítimas como para os torturadores e os mandantes. Perante a legislação os crimes de tortura, massacres contra presos políticos sob a guarda dos estados e ocultação de cadáveres são imprescritíveis.

O julgamento dos processos ocorreu na Câmara Municipal de Foz do Iguaçu e abertura dos trabalhos foi feita pelo ministro Cardozo e como parte de seu discurso este destacou que tem convicção de que a Comissão da Verdade será aprovada no Congresso Nacional. A Comissão irá apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988. Ele disse: “Sinto tanto na Câmara que já aprovou o texto, como no Senado, uma vontade suprapardidária, supraideológica que essa comissão será criada. Ela irá apurar os fatos, irá cumprir uma etapa importante da história brasileira, resgatando o que foi e revelando a público os tristes acontecimentos que marcaram uma época”.

Os julgamentos por parte da Caravana da Anistia na sua passagem por Foz do Iguaçu fizeram justiça, sendo exemplar a atuação de todos os conselheiros comandados pelo Paulo Abrão, Sueli Aparecida Bellato e Egmar José de Oliveira, sendo que da Caravana também participou o Conselheiro Prudente José Silveira Mello, que é paranaense.

Entre os casos deferidos um dos que me chamou muito a atenção e despertou sentimentos foi o pedido de indenização feito por Jocimar Souza Carvalho, filho de Joel José de Carvalho, um dos desaparecidos políticos entre os que foram assassinados pela ditadura em uma emboscada acontecida dentro do Parque Nacional do Iguaçu na década de 70, episódio histórico tão bem relatado por Aluizio Palmar, jornalista , presidente do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu e do GrupoTortura Nunca Mais, no livro “Onde foi que vocês enterraram os nossos mortos?”. Jocimar até hoje tentar recompor a sua vida e resgatar a verdadeira imagem histórica do pai, com o qual enquanto filho não teve o direito de conviver por este ter sido assassinado.

Esperamos que o governo Dilma de mais condições para que tanto a Comissão de Anistia como a nova Comissão Nacional da Verdade possam de fato operacionalizarem a contento os seus trabalhos, pois só a boa vontade e o compromisso de seus membros, que é um fato inquestionável, não basta.

Casos julgados e deferidos pela 52ª Caravana da Anistia:

Luiz Carlos Campos: foi preso por diversas vezes em 1970 para averigações e teve mandado de prisão expedido em 1971.

Diva Ribeiro Lima: foi presa no local de trabalho em 1971.

Francisco Timbó de Souza : estudante fichado no DOPS acusa de participação ativa no movimento estudantil e nas greves sindicais.

Helio Urnau : estudante preso em 1968, foi posto em liberdade em 1970. Foi condenado a quatro anos de prisão.

Jocimar Souza Carvalho : filho de Joel José de Caravalho, desaparecido político desde 1974. Foi para o exílio com a família aos nove meses de idade.

Joel José de Carvalho : preso em 1969 e banido do país em 1971 em troca do Embaixador da Suíça. Está desaparecido desde 1974.

Dolatina Nunes Monteiro: foi presa em 1970 junto com outros membros da VPR. Exilou-se na Argentina em 1973.


1 comentários :

Marco Lisboa disse...

Carlos, o que mais me preocupa é como estes acontecimentos são distantes para a juventude de hoje. Parece que estamos falando do Segundo Império. É por isso que defendo que o principal papel dessa Comissão da Verdade será o de atingir a grande massa. Sem nomes de relevo nesta comissão e sem a ajuda das entidades de massa, teremos uma comissão do esquecimento definitivo.
Se for feito um bom trabalho, como Sábato fez na Argentina, teremos condições políticas favoráveis para reabrir a luta pela punição dos assassinos e torturadores.

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