segunda-feira, 18 de abril de 2011

REGIME MILITAR - Arquivo da ditadura revela espionagem em órgãos públicos do PR


Papéis liberados pelo Arquivo Nacional mostram que instituições públicas, como Copel e UFPR, funcionavam como braços avançados do Serviço Nacional de Informações


Documentos do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) comprovam a existência de oito órgãos de espionagem interna em instituições públicas civis do Paraná durante a ditadura militar (1964-1985). As Assessorias de Segurança e Informações (ASIs) funcionavam como braços avançados do SNI. Elas reportaram centenas de casos de “subversão” e ajudaram a alimentar a perseguição política no estado.

Há registros de quatro ASIs em instituições do governo do estado: nas universidades de Londrina (UEL) e Maringá (UEM), na Copel e na Telepar. No âmbito federal, havia estruturas na Superintendência da Rede Ferroviária Federal S/A em Curitiba, na Delegacia Regional do Ministério da Educação, na hidrelétrica de Itaipu e na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Aliciamento de posseiros

Entre os documentos que ilustram a ação das Assessorias de Segurança e Informações do Paraná, há uma denúncia feita ao SNI sobre uma suposta “agitação” na área em que seria construída a hidrelétrica de Segredo. Segundo o informe enviado no dia 21 de setembro de 1981, uma funcionária do Instituto de Terra e Cartografia estaria percorrendo regiões próximas ao futuro canteiro de obras e aliciando posseiros.

“Em suas andanças, realiza reuniões com posseiros moradores na área, objetivando legalizar a documentação dos mesmos”, diz a sinopse do documento. O material ainda cita que a mulher tem ligações com um bispo e um padre da região. “Em tais reuniões, tem sido tendenciosa, distorcendo a realidade dos fatos relacionados à obra”, dizia o investigador. Os nomes foram ocultados pelas autoridades.

“Era um serviço institucionalizado e que funcionava com desembaraço dentro das repartições. Era feito normalmente por militares pagos pelo SNI, que davam expediente e usufruíam da estrutura do órgão civil”, descreve a supervisora do Núcleo de Acervos do Regime Militar do Arquivo Nacional de Brasília, Vivien Ishaq. O papéis integram um conjunto de documentos do SNI entregues ao Arquivo Na­­cional em 2005.

Vivien coordenou a organização do material, que revelou a existência de 249 órgãos setoriais como as ASIs em todo país. Eles formavam uma complexa teia de espionagem, o Sistema Nacional de Informações e Contrainformações (Sisni). Com base nesse trabalho a Casa Civil (na época, dirigida pela hoje presidente Dilma Rousseff) expediu em 2007 um aviso circular para todos os órgãos detectados solicitando o envio de documentos para o Arquivo Nacional.

Sem resposta

Entre as instituições paranaenses, a UFPR informou que não tem mais qualquer material referente à sua ASI. As demais não deram uma resposta definitiva – duas delas nem existem mais, como a Telepar e a Rede Ferroviária.

Os documentos que comprovam as ASIs instaladas no Paraná constam do banco de dados do Sisni. O acesso do público em geral às informações do sistema foi regulamentado no último dia 5 de abril pelo Ministério da Justiça. Desde o dia 13, também estão disponíveis 50 mil documentos repassados pela Aeronáutica.

Na última quinta-feira, a Gazeta do Povo conseguiu cópias de 14 documentos que ilustram a atuação das ASIs paranaenses. Os nomes dos envolvidos nas investigações, contudo, foram ocultados pelas autoridades– eles só podem ser divulgados a pedido da pessoa citada ou com sua autorização expressa.

“É interessante pesquisar essas informações regionais para perceber que os principais afetados pelo regime foram pessoas comuns. Normalmente se dá muita atenção às grandes personalidades, à situação de políticos como a presidente Dilma Rousseff, e se esquece dessa gente”, diz Vivien.

Repressão

Um dos maiores pesquisadores sobre a ditadura militar no estado, o jornalista Milton Ivan Heller afirma que apesar de o estado ser considerado periférico politicamente na época, recebeu uma repressão especialmente dura. Segundo ele, as ASIs funcionavam como mais um foco de “acusações absurdas”. “Por mais que uma denúncia não fosse adiante porque era notoriamente inconsistente, só o fato de ter o nome em um informe que chegou ao SNI já prejudicava toda a vida do sujeito.”

Já o advogado trabalhista Edésio Passos, que passou dois anos preso pelo regime nos anos 1970, afirma não ter ficado surpreso com a proliferação das ASIs no estado. “Difícil mesmo é achar qual órgão público não era vigiado.”

Universidades foram mais vigiadas

As Assessorias de Segurança e Informações (ASIs) da UFPR, UEM e, principalmente, na UEL estiveram entre as mais ativas do país. De acordo com artigo do pesquisador Rodrigo Patto Sá Motta, publicado na Revista do Arquivo Nacional de dezembro de 2008, o serviço de espionagem em Londrina se estendeu até 1982. A maioria das universidades fechou suas ASIs entre 1979 e 1980, impulsionadas pela Lei da Anistia em vigor a partir de agosto de 1979.

Os documentos consultados pela Gazeta do Povo contêm diversos informes sobre as ações do movimento estudantil da UEL. Em 15 de dezembro de 1980, o SNI foi informado sobre a tentativa de infiltrar alunos ligados a ações políticas no Projeto Rondon, iniciativa do governo federal para aproximar os universitários à realidade do interior do país.

“Além da participação, os estudantes deverão transmitir as palavras de ordem do movimento estudantil e também se aproximarem principalmente do homem do campo e dos habitantes das pequenas comunidades urbanas, aproveitando-se das reuniões para pregar sua luta contra o regime”, dizia o documento 2.613 produzido pela ASI da UEL naquele ano. O material traz fichas com a orientação políticas de 18 possíveis “infiltrados”.

Em outro documento, aparecem dois ofícios destinados ao reitor da UFPR entre janeiro e fevereiro de 1980. Eles são assinados pelo diretor da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Cultura na época, que coordenava as ASIs (não é possível identificar quem assina). No segundo, é comunicado o encerramento das atividades da ASI e há agradecimentos ao reitor (o nome não aparece no ofício, mas o reitor do período era Ocyron Cunha) pela “prestimosa colaboração” à assessoria.

Demitida da universidade em 1972 após ser presa pelos militares por envolvimento na Ação Popu­­lar, a professora aposentada Zélia Passos disse que só descobriu sobre o funcionamento da ASI da UFPR há pouco tempo. “Era um período de extrema desconfiança, todo mundo via todo mundo como possível informante. Mas nunca passou pela minha cabeça que havia um serviço de informações interno e institucionalizado”, disse a professora, que entrou na Justiça e foi readmitida em 1988.

(GP/ANDRÉ GONÇALVES)

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