domingo, 3 de abril de 2011

Desenvolvimento de superbactérias ameaça futuro da medicina


David Livermore está numa corrida contra a evolução. Em seu laboratório no Norte de Londres, segura uma placa de culturas com um cheiro ruim, lambuzada de bactérias. Esta colônia, de tom amarelo e aspecto cremoso, é o inimigo: um novo tipo de germes, resistente aos mais poderosos antibióticos já feitos pela humanidade.
Nas ruas, Steve Owen corre a mesma corrida – batendo pernas para atrair atenção para o problema das infecções resistentes às drogas.
Donald, pai de Owen, morreu há quatro anos de falência múltipla dos órgãos num hospital britânico. Ele tinha dado entrada para operar o joelho. Mas pegou Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA, na sigla em inglês), uma “superbactéria” que nenhuma das drogas receitadas pelos médicos conseguiu vencer. Depois de quase 18 meses de muita dor, a infecção chegou ao sangue dele, dominou os órgãos vitais e o matou.
Owen e sua esposa Jules se comprometeram a correr 12 corridas ao longo do mesmo número de meses para angariar fundos para uma instituição que trabalha para combater a MRSA. “Isso simplesmente não deveria ter acontecido”, diz Jules, enquanto o casal cuida das pernas doloridas, depois de uma meia-maratona. “Era o joelho – não é algo que deveria tê-lo matado”.

Depois que Alexander Fleming descobriu o primeiro antibiótico, a penicilina, rapidamente nos convencemos de que tínhamos a química para vencer as bactérias. É claro, elas evoluem e desenvolvem resistência. Mas por décadas os cientistas conseguiram desenvolver medicamentos para estar pelo menos um passo à frente do inimigo sempre mutante.
Agora, contudo, nossa estrada pode estar perto do fim. Estima-se que somente a MRSA mate cerca de 19 mil pessoas por ano nos EUA – bem mais que o HIV e a Aids – e um número semelhante na Europa. Outras superbactérias estão se espalhando. A tuberculose “com resistência abrangente às drogas” cresceu como uma praga nos últimos anos. Uma nova onda de “super superbactérias”, com uma mutação chamada NDM 1, que surgiu inicialmente na Índia, já está em todo o mundo, da Grã-Bretanha à Nova Zelândia.

É NDM 1 que está crescendo nas placas que Livermore segura com as mãos vestidas com luvas. “Não dá para vencer a evolução”, diz o cientista, que passa os dias monitorando a emergência de superbactérias num laboratório de referência nacional na Agência Britânica de Proteção à Saúde. “Tudo o que se pode tentar fazer é estar um passo à frente”.
Isso não está acontecendo no momento por uma série de razões. De início, as bactérias estão em todos os lugares, dando às bactérias incontáveis oportunidades de desenvolver rotas de escape. As drogas podem ser pegas sem prescrição por centavos em países como Tailândia, Índia e partes da América Latina. Embora o uso seja controlado no Ocidente, o sistema estimula os médicos a atirar nas bactérias primeiro e perguntar depois. Talvez mais preocupante seja o fato de que as duas maiores companhias farmacêuticas do mundo, deparadas com um retorno cada vez menor e com uma ciência cada vez mais cara e difícil, não só diminuíram seus esforços no desenvolvimento de antibióticos, como também estão abandonando esse campo.
Hoje, apenas duas grandes companhias – GlaxoSmithKline e AstraZeneca – ainda têm pesquisas e programas de desenvolvimento fortes e ativos em relação aos antibióticos, segundo a Sociedade de Doenças Infecciosas dos EUA. Nos anos 1990, havia cerca de 20.
O impacto sobre o modo como tratamos nossas doenças pode ser profundo. “Se alguns dos mais potentes tipos multirresistentes que conhecemos hoje se acumularem, então a medicina moderna – desde transplantes até tratamento de câncer, e mesmo cirurgias mais comuns – se torna insustentável”, diz Livermore. “Você precisa da capacidade de tratar infecções em pacientes vulneráveis. Perca isso e uma faixa da medicina moderna se torna instável”.

Estaríamos em via de começar a ir para trás, para uma era antes dos antibióticos, na qual próteses, quimioterapia e terapia intensiva eram simplesmente impossíveis? O medo é grande o suficiente para que Organização Mundial da Saúde dedicasse o Dia Mundial da Saúde deste ano (7 de abril) à resistência antimicrobial, numa tentativa de salvaguardar as drogas as futuras gerações.
“A medicina moderna não funciona sem antibióticos eficazes”, diz Derek Butler, presidente da instituição “MRSA Action UK”, para a qual Owen está angariando fundos. “Se perdermos essas balas mágicas, a medicina regredirá em mais de 80 anos”.
Um aspecto da corrida contra as bactérias mudou pouco desde a época de Fleming. A higiene hospitalar é o trabalho básico, mal pago e sem glamour que forma a primeira linha de defesa, vital contra os patógenos. Quando feita corretamente, diminui a demanda pelas drogas. Ainda assim, Steve Owen se lembra do pai contando que viu um rato correndo pela enfermaria – um choque para um hospital de um país desenvolvido. (G1)

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