No entanto, ainda que a indústria esteja perdendo espaço na formação do PIB, outros analistas avaliam que há indicadores que desmentem a tese de desindustrialização – prova disso seriam os recordes históricos de produção atingidos desde 2004, o crescimento no emprego e o aumento real do salário dos trabalhadores da indústria. Ainda assim, os mesmos economistas veem um fenômeno mais recente de restrições externas que pode, sim, em um futuro próximo, levar o país de volta a uma economia mais primária. O tema foi discutido no 16.º Encontro de Economistas da Região Sul (Enesul), realizado em Curitiba entre quinta-feira e sábado.
O professor da pós-graduação em Economia da Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos) Marcos Tadeu Lélis menciona um movimento aparentemente contraditório: para continuar competitiva e crescendo, a própria indústria se apoia na importação de insumos e peças de alto valor agregado. “A cada subida na produção, ocorre um crescimento ainda mais elástico nas importações”, comenta Lélis, que coordena a unidade de Inteligência Comercial e Competitiva da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento (Apex).
Segundo Lélis, enquanto o coeficiente de exportação na indústria da transformação (índice que aponta a fatia da produção que é vendida ao exterior) caiu de 21% para 12% desde 2005, o coeficiente de importação (participação de importados nas vendas domésticas) avançou de 17% para 20%. “A queda na participação das exportações foi maior que a alta na de importações. Por outro lado, temos um bom cenário de emprego e de produção, com mais de 80% da capacidade instalada sendo utilizada. Para mim, isso não significa desindustrialização agora, mas sinaliza um perigo no futuro”, observa.
O sentimento predominante é que, enquanto as commodities estiverem em alta e o país tiver capacidade para crescer internamente, mesmo tendo uma base frágil (o crescimento do consumo), tudo estará bem. Mas esse não é exatamente o caminho para o dito crescimento sustentável, baseado no desenvolvimento da indústria nacional, no produto de maior valor agregado e no emprego mais qualificado.
Câmbio
As medidas cambiais adotadas no início da semana passada, com restrições à entrada do capital externo, eram necessárias, segundo os analistas. “Mas isso ainda não é suficiente. No âmbito internacional, a China continua com sua moeda desvalorizada e tanto os Estados Unidos quanto a Europa e o Japão vivem uma estagnação. É preciso, então, que o Brasil tome atitudes individuais mais fortes. Ficar esperando para ver o que acontece é que não dá”, avisa o doutor em Economia Fábio Dória Scatolin, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Ele lembra que a compra de reservas de dólares – cujo volume chega hoje a US$ 330 bilhões – não está mais sendo suficiente para barrar a desvalorização da moeda norte-americana, e ainda gera um custo enorme em juros, que limita os investimentos do país. Scatolin sugere uma mudança estrutural no modelo econômico do país, centrada na inversão do rumo da taxa de câmbio, no controle de capitais externos e importações e no estímulo às exportações de manufaturados e serviços.
Reflexão
O professor João Randolfo Pontes, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), crê que o processo de desindustrialização está acelerado, mas propõe uma reflexão mais profunda sobre a situação econômica do país. Pelo lado “prático”, Pontes diz que a prioridade deveria ser mexer na carga tributária, que desde 1990 avançou de 29,6% do PIB para cerca de 35%. Em um âmbito mais subjetivo, o desafio estaria em alterar a mentalidade dos governantes. “Saber se estamos no caminho da desindustrialização não é a pergunta certa. Precisamos pensar de forma nova e, para mim, isso quer dizer investir em conhecimento em primeiro lugar, o que é difícil com governantes egoístas e populistas.” (GP)
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