Ao vermos todos os dias pipocarem novos escândalos em relação ao uso do erário por parte dos estamentos dirigentes do estado brasileiro, em todas as formas e níveis no qual ele se organiza, temos a certeza de que está doença, que tanto afeta o meio social, é historicamente crônica.
Em uma sociedade historicamente mal resolvida estes resquícios do período feudal/colonial permanecem com se fosse normais determinados estratos sociais dirigentes administrar a coisa pública como se fosse uma mera extensão do que é seu.
Para Max Weber o conceito de estamento não significa propriamente um corpo homogêneo estratificado, mas sim uma teia de relacionamentos que constitui um determinado poder e influi em determinado campo de atividade e está não funciona somente como um corpo social fechado tal qual o das castas na Índia ou da aristocracia, mas sim por ser uma estrutura aberta a novos protagonistas independentemente de qual seja a sua origem social ou familiar.
Raimundo Faoro, em sua obra “Os Donos do Poder – Formatação do Patronato Político Brasileiro”, coloca está forma de poder geradora das principais mazelas que afligem a sociedade brasileira como uma herança herdada do antigo Estado colonial português e que está foi amplificada com a chegada da família Imperial e depois tida como parte intrínseca na formatação do Estado no Império do Brasil, como posteriormente enquanto herança maldita no período republicano, que aqui não foi consolidado pela ruptura burguesa, mas sim enquanto golpe militar como mera continuidade de poder para segmentos da antiga aristocracia. Nesta relação de poder no Brasil desde o período colonial português até os dias de hoje pouco mudou. Para Faoro:
"O estamento burocrático comanda o ramo civil e militar da administração e, dessa base, com aparelhamento próprio, invade e dirige a esfera econômica, política e financeira. No campo econômico, as medidas postas em prática, que ultrapassam a regulamentação formal da ideologia liberal, alcançam desde as prescrições financeiras e monetárias até a gestão direta das empresas, passando pelo regime das concessões estatais e das ordenações sobre o trabalho. Atuar diretamente ou mediante incentivos serão técnicas desenvolvidas dentro de um só escopo. Nas suas relações com a sociedade, o estamento diretor provê acerca das oportunidades de ascensão política, ora dispensando prestígio, ora reprimindo transtornos sediciosos, que buscam romper o esquema de controle".
Nesta forma de organização estamental o Estado não assume o papel de regulador e mantenedor da ordem jurídica impessoal e universal que possibilita aos agentes econômicos a calculabilidade de suas ações e o livre desenvolvimento de seus potenciais, mas o contrário, pois intervém, planeja e dirige o mais que pode a economia, tendo em vista os interesses particulares dos grupos que o controlam. Este é composto pelas oligarquias regionais e estas, embora pelo mando acabem por competir entre si, se unem em prol de interesses comuns, no caso a manutenção desta forma espúria e anti-republicana de poder.
Enquanto forma degenerada da sociedade burguesa na sociedade estamental não existe o cumprimento das Leis por parte das elites políticas econômicas o que impede a existência regras estáveis no gerenciamento da economia, pois elas atendem ao subjetivismo de quem detém o poder político. Essa deformação do capitalismo adota do moderno capitalismo a técnica e a estrutura física do aparelho de produção, mas sem em conjunto adotar a ética e a moral burguesa fundamentadoras da racionalidade impessoal e legal-universal. Um arranjo tradicional ao perpetuar a lógica de poder aristocrática feudal, mas maleável em face à modernidade legal burguesa capitalista. Na sua forma estamental o capitalismo não nasce espontaneamente da sociedade, mas vicia-se no estímulo da tutela estatal.
Se tirarmos da falsa burguesia capitalista brasileira o poder interventor oligárquico patrimonialista na máquina do Estado, já que aqui a livre iniciativa é uma falácia, dela pouco sobrará, já que este é a sua principal forma de capitação de recursos pelo controle político econômico do mesmo.
Este poder estamental permeia todos os poderes assim fazendo que a tão propalada autonomia dos mesmos seja apenas um engodo, já que estes interiormente acabam pelas ingerências externa agindo de forma centralizada única, assim inexistindo a tão necessária fiscalização de um poder sobre o outro, pois na ação todos se confundem em uma mesma enorme colcha de retalhos.
Embora na estrutura estamental se tenha a forte origem histórica nos clãs aristocráticos, o que é fácil de checar ao ligarmos as linhas genealógicas dos membros que compõe os poderes, ela também está aberta a novas ampliações. A sua formatação não é estática ao ser, pelas necessidades do jogo de poder em busca da “governabilidade” e manutenção do sistema vigente, flexível a entrada pessoas de origem socialmente medianas ou até mesmo proletárias. Nisto reside à perpetuação da estrutura pela acomodação de interesses como forma central no impedimento do surgimento da ruptura. “Vão os anéis, mas ficam os dedos”!
As elites quando acreditam ser necessário ao verem a estrutura ameaçada, sem nenhum pudor, também usa do poder de coerção do Estado coadunado com atos terroristas para-estatais para calar ou até eliminar os seus opositores, vide o esmagamento da Inconfidência Mineira, da Revolução Pernambucana, da Revolução Farroupilha, como nas farsas que foram as Proclamações da Independência e da República ou mesmo na implementação do Golpe de 64. “A prata ou o estanho”!
Do ponto de vista popular a cooptação a estrutura se dá pelo sistema do compadrio e da troca de favores, o que cria a dependência, já que ser compadre, amigo ou correligionário do “coronel” implica na obtenção dos "privilégios" (assistência médica, empregos, cestas básicas, dinheiro, etc.), o que cria a dependência e a submissão neste caricato modelo de “vassalagem”, assim perpetuando os currais eleitorais e a manutenção do umbilical atraso social.