sexta-feira, 17 de maio de 2013

Ato pelo aniversĂ¡rio de 34 anos da Greve dos OperĂ¡rios da ConstruĂ§Ă£o Civil, ocorrida em 1979


Ontem foi um dia de fortes emoções.  Essas começaram pela manhĂ£ na reuniĂ£o da ComissĂ£o Estadual da Verdade, e depois com o secretĂ¡rio Hamilton Serighelli sobre as questões relativas aos indĂ­genas e suas perdas de direitos durante o perĂ­odo da ditadura.

Na parte da tarde outro momento muito importante, em seu conteĂºdo humano histĂ³rico, ocorreu no Sintracon (Sindicato dos Trabalhadores na IndĂºstria da ConstruĂ§Ă£o Civil). A pauta do evento era o ato em comemoraĂ§Ă£o dos 34 anos da Greve de 1979. Um Movimento Social de maior magnitude na luta pela derrubada da ditadura militar ocorrido aqui no ParanĂ¡. Os superexplorados operĂ¡rios da construĂ§Ă£o civil deram seus gritos de BASTA!

Dentre os que estavam presentes no Ato alguns estiveram participando desta luta grevista, tanto na greve como no ComitĂª de Solidariedade. Dos que diretamente e indiretamente se envolveram com a greve estavam presentes o Domingos de Oliveira Davide, atual presidente e grevista; o David Pereira de Vasconcelos, atual tesoureiro e tambĂ©m grevista em 79; o Salvino, tambĂ©m liderança grevista, e dos que foram parte do ComitĂª de Solidariedade o Narciso Pires, o Paulo Drabik e eu, Carlos Molina. 

VĂ¡rias autoridades e lideranças polĂ­ticas tambĂ©m estiveram presentes no Ato. Entre elas a Regina Cruz, presidente da CUT/ParanĂ¡, Daniel Godoy, OAB/ParanĂ¡; Pedro Paulo, lĂ­der do prefeito na CĂ¢mara de Vereadores; JosĂ© Calixto Ramos, presidente da Nova Central; Shirley Margareth Reis Branco, do MP, Ivete CaribĂ©, da ComissĂ£o Estadual da Verdade, Kico, dirigente do Cebrapaz, etc..

Em 1979 a vida dos trabalhadores na construĂ§Ă£o civil nĂ£o era nada fĂ¡cil. Estes novos operĂ¡rios estavam chegando do campo, de onde foram expulsos, tanto pro causa da geada de 1975 como pela forte entrada do capitalismo no campo, na sua forma mais selvagem, trazendo a mecanizaĂ§Ă£o no cultivo das lavouras.  EstĂ¡ mudança no modelo de produĂ§Ă£o agrĂ¡rio acabou por dispensar centenas de milhares de trabalhadores rurais. Estes, jogados nas estradas, migraram para os grandes centros urbanos atrĂ¡s de uma nova possibilidade de sobrevivĂªncia.

As grandes cidades, carentes de investimentos no campo do social, nĂ£o estavam preparadas nem para as demandas sociais jĂ¡ existentes, com a necessidade de novos investimentos pĂºblicos em habitaĂ§Ă£o para os de baixa renda, Postos de SaĂºde, Escolas, saneamento, jĂ¡ que estĂ¡ agenda nĂ£o era prioridade para os ditadores de plantĂ£o, explodiam em contradições.

Na Ă©poca Curitiba pejorativamente era chamada de “ovo de polaco” (pĂªssanka). Os crĂ­ticos ao modelo lernista de administraĂ§Ă£o diziam que ela era “bonitinha e enfeitada por fora e podre por dentro”, jĂ¡ que enquanto o centro e os bairros ricos recebia grandes investimentos em infraestruturas, e em demais Ă¡reas elevando a  qualidade de vida para os seus moradores nas periferias o abandono era total na relaĂ§Ă£o destas com o poder pĂºblico municipal.

Os camponeses expulsos da terra ao aqui chegarem a dezenas de milhares foram morar nas Ă¡reas ocupadas a margem da margem, aqui se tornando os pobres entre os pobres.

As Ă¡reas ocupadas por estes, nĂ£o por que queriam, mas sim por falta de opções, eram as insalubres Ă¡reas de fundo de vale, as beiras de rios. Os fazendeiros os expulsaram e as cidades nĂ£o estavam preparadas para receberem estes dignos e pobres trabalhadores, e muito menos estes para estas por nĂ£o estarem preparados para a novas vida urbana, cujo mercado de trabalho exigia outros tipos de qualificações. Sem empregos e morando em locais imprĂ³prios ainda foram flagelados pela fome, coisa que no campo nĂ£o sofreram.

 Nem o direito ao amplo horizonte na vida do campo nĂ£o se tinha mais. As terras que na vida agrĂ¡ria um dia sonharam ter, sem que nunca a reforma agrĂ¡ria viesse a ocorrer ,se tornaram realidade em alguns parcos metros quadrados onde foram construĂ­dos os seus barracos, e embaixo destes Ă¡reas Ăºmidas de brejos parcamente aterrados. Os rios dos banhos da infĂ¢ncia agora eram valetas a cĂ©u aberto desaguando em rios transformados em esgoto.

Uma dos poucos setores da produĂ§Ă£o que aceitavam mĂ£o de obra com menor qualificaĂ§Ă£o tĂ©cnica era o da construĂ§Ă£o civil.
Em massa estes desesperos foram para as portas das obras em andamento na luta pela conquista de uma vaga, e pouco as conseguiam. Como a oferta de mĂ£o de obra era grande o preço pago pela venda da  força de trabalho desta era Ă­nfimo. Os canteiros de obra eram verdadeiras senzalas, e nelas a vida nĂ£o valia nada.

Enquanto a classe mĂ©dia aguardava o seu direito a habitaĂ§Ă£o na fila do Inocoop os que as construĂ­am nĂ£o tinham direito a um trabalho digno. Estes operĂ¡rios, em grande parte, nĂ£o tinham direito ao registro em carteira, a equipamentos de segurança, a uma alimentaĂ§Ă£o saudĂ¡vel, e seus alojamentos eram insalubres, tanto como eram as favelas onde habitavam os que aqui  mais tempo haviam aportado.

Na dĂ©cada de 70 ocorreram 1.575.566 acidentes de trabalho registrados, mas se contabilizarmos os que nĂ£o foram registrados este nĂºmero poderia facilmente ser dobrado. Nas cidades, grande parte deste, talvez a maior parte, ocorreu nos canteiros de obras.

A situaĂ§Ă£o destes dignos, mas humilhados e maltratados trabalhadores era insuportĂ¡vel, o desespero pela fome, mĂ¡s condições de trabalho, etc. batiam nas portas de suas casas e alojamentos precĂ¡rios.

Nos bairros estes trabalhadores da construĂ§Ă£o civil estavam organizados nas Associações de Moradores, instrumento de luta tanto pela manutenĂ§Ă£o da posse dos terrenos, como pela melhoria da qualidade de vida. Pelo paĂ­s a fora a luta sindical, com o carĂ¡ter polĂ­tico econĂ´mico explodia paĂ­s a fora. Primeiro os servidores pĂºblicos, principalmente os professores, começaram a partir de 1978 começaram ir as ruas, como tambĂ©m os operĂ¡rios metalĂºrgicos. Nas demais categorias de trabalhadores o sentimento de ir Ă s ruas eram os mesmos.

Os trabalhadores, acuados pela miserabilidade presente no ar, reagiam contra a polĂ­tica econĂ´mica trabalhista imposta pelo governo ditatorial, nela “sĂ³ os patrões tinham direitos”. Nem ao menos os sagrados direitos Ă  organizaĂ§Ă£o, manifestaĂ§Ă£o e expressĂ£o eram permitidos, quanto mais o direito a greve. A repressĂ£o intensa por parte do estado ditatorial, a serviço do patronato, fazia com que o terror imperasse e desse o tom na relaĂ§Ă£o capital  x trabalho. Ir as ruas era um grande risco, mas o povo se sentindo oprimido, acuado, foi, jĂ¡ que a situaĂ§Ă£o de vida estava insuportĂ¡vel.

Em um determinado dia duas bravas trabalhadoras na limpeza de uma obra aqui em Curitiba ficaram revoltadas com os descontos ilegais feitas nos seus contracheques, como pelo nĂ£o pagamento de horas extras. Os ganhos destes trabalhadores na indĂºstria de construĂ§Ă£o jĂ¡ eram mĂ­nimos, mas mesmo assim as criminosas ganĂ¢ncias dos patrões os deixavam ainda menores. A penĂºria era tĂ£o grande que estes operĂ¡rios, mesmo quando tinha o direito Ă s carteiras assinadas sentiam vergonha de mostrarem os contra cheques com seus parcos valores.

Estas corajosas mulheres foram em busca do sindicato e lĂ¡ a porta se fechou nas suas faces, pois o sindicato que deveria defender os seus direitos estava sendo controlado pelos pelegos, a serviço dos interesses dos patrões. Revoltadas com as injustiças e se sentindo desamparadas elas voltaram ao canteiro de obra e conseguiram sensibilizar e mobilizar os demais operĂ¡rios. A greve eclodiu no canteiro, sendo um rastilho aceso, e a greve geral explodiu por toda a capital e metropolitana.

Alguns “doutos” academicamente afirmam que aquela greve foi espontĂ¢nea, ledo engano. Embora o inĂ­cio dela tenha se dado nĂ£o como fruto da organizaĂ§Ă£o sindical e sim pela aĂ§Ă£o de alguns operĂ¡rios a sequĂªncia dela nĂ£o. As Associações de Moradores estavam bem organizadas e grande parte das diretorias destas era formadas por operĂ¡rios da construĂ§Ă£o civil mais politizados. Estes dirigentes das comunidades passavam por um forte processo de discussĂ£o, politizaĂ§Ă£o e organizaĂ§Ă£o com setores organizados da sociedade civil, entre eles as CEBs, partidos polĂ­ticos de esquerda, como junto a entidades da sociedade civil, entre estas a ADITEPP (AssociaĂ§Ă£o Difusora de Treinamentos e Projetos PedagĂ³gicos), que tinha iniciado as suas atividades a partir de 1972, com seus membros sendo em grande parte oriundos de setores progressistas da Igreja, e de outros segmentos tambĂ©m progressistas da intelectualidade, mas ligados ao campo marxista e ao da social democracia. A ADITEPP levou a alfabetizaĂ§Ă£o pelo mĂ©todo libertĂ¡rio do Paulo Freire para toda a periferia, e por ele ensinava o povo a se organizar.

Os agrupamentos partidĂ¡rios marxistas, embora com menor intensidade do que a Igreja Progressista (Teologia da LibertaĂ§Ă£o) com seu trabalho via a CEBs, jĂ¡ que a perseguiĂ§Ă£o sobre estes era ainda maior, tambĂ©m contribuiu muito com a organizaĂ§Ă£o comunitĂ¡ria nesses bairros populares. Entre estas organizações podemos citar o PC do B, o PCB e o MR-8, como os ex-membros da AP, da APML, do PCBR, e os membros do MEP e da OSI, etc., sendo que estes Ăºltimos grupos relacionados junto com a Igreja Progressista depois deu origem ao PT.

Outras experiĂªncias interessantes no campo da educaĂ§Ă£o e organizaĂ§Ă£o popular foram as escolas Oca e Oficina, que adotando as metodologias de Piaget e Vigotski cumpriram papel semelhante ao da Aditepp, mas sofrendo uma perseguiĂ§Ă£o maior por nelas estarem envolvidos ex-presos polĂ­ticos. Em 1978 a PolĂ­cia Federal prendeu 11 intelectuais ligados Ă s escolas Oca e Oficina.

ApĂ³s as prisões, em nota oficial Ă  imprensa, a PF, sem mencionar quem havia sido detido, disse: "...as escolas vinham doutrinando crianças dentro de princĂ­pios marxistas, desenvolvendo lhes uma visĂ£o materialista e dialĂ©tica do mundo, incutindo nelas a negaĂ§Ă£o de valores como a religiĂ£o, a famĂ­lia e a tradiĂ§Ă£o histĂ³rica".

Com base no artigo 59 da Lei de Segurança Nacional os 11detidos permaneceram incomunicĂ¡veis por vĂ¡rios dias. Foram presos os ex-integrantes da AP: Luis Alberto Manfredini , Walmor Marcelino, Reinoldo Atem, Sueli Atem,  LĂ©o Kessel, Paulo de Albuquerque SĂ¡ Brito, EdĂ©sio Passos, alĂ©m de sociĂ³logos, pedagogos, funcionĂ¡rios e ex-funcionĂ¡rios do Ipardes e Ippuc.

Neste mesmo ano de 1978 os estudantes da Federal e da PUC começaram a reorganizar o Movimento Estudantil, e os da Federal ocuparam a reitoria, o que causou a prisĂ£o de vĂ¡rios estudantes. A Juracilda, estudante da PUC, foi sequestrada pelos Ă³rgĂ£os de segurança e repressĂ£o. Ela sofreu torturas, choques elĂ©tricos, ameaças e foi submetida a 10 interrogatĂ³rios em uma cela especial, sempre encapuzada para nĂ£o reconhecer seus algozes. Por causa da mobilizaĂ§Ă£o e pressĂ£o da sociedade ela foi libertada em uma estrada perto de Registro. Os estudantes tambĂ©m interviram neste trabalho de conscientizaĂ§Ă£o desenvolvido junto Ă  populaĂ§Ă£o da periferia, e a Juracilda tinha uma forte atuaĂ§Ă£o na comunidade do Bairro Alto.

Em 1978 os professore da rede pĂºblica estadual tambĂ©m realizaram sua greve, e estes estavam enraizados nas periferias da capital, sendo, portanto, outro importante exemplo par aas outras categorias profissionais, inclusive para os operĂ¡rios da construĂ§Ă£o civil.

EntĂ£o vender a imagem de que este movimento grevista dos operĂ¡rios da construĂ§Ă£o civil foi espontĂ¢neo Ă© uma falĂ¡cia. Embora de forma semiclandestina o debate polĂ­tico e organizacional existiu, e com intensidade por toda a periferia de Curitiba, local de moradia dos mesmos. As sedes das Associações de Moradores e demais entidades abrigadas na periferia haviam se tornado salas de aula para o povo aprender o que era a cidadania, e assim aos poucos ia sendo resgatado o sentimento popular de nacionalidade.

Todos estes setores organizados, dando um grande destaque a aĂ§Ă£o da Igreja Progressista, que acolheu o Movimento Grevista na Igreja do Guadalupe e em parĂ³quias da periferia, sendo um grande exemplo a ParĂ³quia da Vila Santa AmĂ©lia, comandada pelo padre irlandĂªs John Clark, o a parĂ³quia da vila Nossa Senhora da Luz comandada pelo padre Antonino, e nos seminĂ¡rios, tal qual os dos combonianos no Cajuru.
Por causa de suas ações em defesa dos pobres o padre John Clark sofre um atentado e foi caluniado pelos agentes da repressĂ£o infiltrados na sua comunidade.

Outro religioso que nunca poderĂ¡ ser esquecido por sua importante luta em defesa dos mais carentes Ă© o saudoso bispo Dom Ladislau Biernask. Ele na Ă©poca era o dirigente mĂ¡ximo das pastorais sociais, entre elas a OperĂ¡ria e a da Terra.

Com o andar da greve, que durou mais de 20 dias, todos os segmentos sociais progressistas, jĂ¡ abrigados no ComitĂª Brasileiro pela Anistia, fundaram o ComitĂª de Solidariedade aos Trabalhadores em Greve, e estes em conjunto com as lideranças dos trabalhadores conseguiu qu a mesma tivesse apoio polĂ­tico e econĂ´mico, e o principal, que a mesma nĂ£o ficasse isolada, jĂ¡ que a repressĂ£o a estĂ¡ luta estava sendo violenta.

Na APP e na Igreja do Guadalupe, lugares que serviram de para as reuniões de apoio, sendo que na Igreja do Guadalupe foi tambĂ©m montada a base para a distribuiĂ§Ă£o de alimentos , funcionou o grupo, jĂ¡ incorporado pela presença de vĂ¡rios parlamentares, entre eles Nelton, Waldir, Gernote, Darcy, etc., que intermediou o conflito para que a situaĂ§Ă£o de risco pela repressĂ£o do estado por cima destes  trabalhadores ainda nĂ£o fosse maior do que foi. Centenas de operĂ¡rios e simpatizantes do Movimento Grevista foram espancados, detidos e fichados.

Com certeza estĂ¡ luta popular foi a de maior intensidade jĂ¡ ocorrida em Curitiba, ao mais de 15 mil operĂ¡rios terem aderido Ă  greve, e estes em busca da Justiça, sitiaram o centro de nossa capital, sendo reprimidos por milhares de policias civis e militares.

NĂ£o podemos esquecer de que quem ordenou a repressĂ£o foi o governador general Ney Braga e o o general Adalberto Massa , na Ă©poca delegado Regional do Trabalho.

Quero encerrar este meu testemunho citando algumas importantes lideranças populares comunitĂ¡rias neste perĂ­odo, que de uma forma ou de outra contribuĂ­ram para o sucesso deste movimento paredista: Pedro Chaves, Jairo Graminho, Barbosa, Cesar Pelosi, Nagib, Altamirando, Luis, Nascimento, Benedito, HĂ©lio CagĂ©, ElĂ³i, Brito, Diogo, CearĂ¡, Valentim, Fifi, OtĂ¡vio, Moacir, Antonio, Joaquim Paiva, JoĂ£o, entre tantos outros, sendo que vĂ¡rios destes eram operĂ¡rios da construĂ§Ă£o civil e depois ajudaram na retomada do Sindicato das mĂ£os dos pelegos, sendo que alguns vieram a fazer parte da diretoria.

Entre os intelectuais e estudantes nĂ£o podemos esquecer-nos de EdĂ©sio Passos, ClĂ¡udio Ribeiro, FĂ¡bio Campana, Moacir Ferraz, Salvador, Manoel, Claus Germer, Wagner D’angelis, professor Romeu, Geraldo Serathiuk, Vitor Moreschi, ClĂ¡udio Fajardo, Carlos Gonzaga, Angelo Vanhoni, Cecatto, do MĂ¡rio Leal, do Makoto, do Tohoru, Ildeu Manso, do JĂºlio Manso,  do Cafuringa, etc.,  entre tantos outros.

ParabĂ©ns a direĂ§Ă£o do  FĂ³rum Paranaense de Resgate da Verdade, MemĂ³ria e Justiça, no Ato representado pelo Milton e o SalomĂ£o,  pela realizaĂ§Ă£o do mesmo.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | belt buckles