Em LĂ¡brea, uma Ă¡rea remota no sudeste do estado do Amazonas, lideranças rurais e agricultores enfrentam ameaças de morte e ataques de madereiros e grileiros que querem tomar suas terras. A regiĂ£o nĂ£o tem uma presença policial permanente e aparentemente faltam investigações das denĂºncias relativas Ă s atividades ilegais em andamento.
Pequenas comunidades de LĂ¡brea que vivem do extrativismo tĂªm estado na mira de madereiros e grileiros. Os lĂderes dessas comunidades tĂªm sido vĂtimas de espancamentos, ameaças, ataques incendiĂ¡rios e roubo de propriedade, na tentativa de forĂ§Ă¡-los sair de suas terras. Muitos fugiram da regiĂ£o temendo por suas vidas.
Sem a presença da polĂcia local na Ă¡rea, as ONGs afirmam que pouca ou nenhuma investigaĂ§Ă£o sobre as atividades ilegais destes grupos criminosos estĂ¡ sendo conduzida. Pelo menos seis pessoas foram mortas na regiĂ£o desde 2007, alĂ©m disso, a ComissĂ£o Pastoral da Terra (CPT) afirma ter recebido relatos de pelo menos oito pessoas recebendo ameaças de morte em 2011.
A aĂ§Ă£o solicita que sejam escritos e enviados apelos ao Governador do estado do Amazonas, Omar Aziz e ao Sr. JosĂ© Eduardo Martins Cardozo, do MinistĂ©rio da Justiça, de modo que tomem medidas imediatas que garantam a segurança de todos os que vivem em reservas extrativistas no sul do municĂpio de LĂ¡brea, entre outros.
Para mais informações:
http://www.amnesty.org/en/library/asset/AMR19/007/2012/pt/b377a40c-0058-4570-a446-bced71146234/amr190072012pt.pdf
Nilcilene Miguel de Lima, agricultora familiar, assentada pelo INCRA e presidente da ADP - AssociaĂ§Ă£o “Deus ProverĂ¡” de agricultores familiares do sul de LĂ¡brea, Amazonas, estĂ¡ jurada de morte, encomendada pelos madereiros que atuam na devastaĂ§Ă£o da regiĂ£o.
Os conflitos na regiĂ£o de LĂ¡brea, na divisa dos estados do Acre, RondĂ´nia e Amazonas, existem hĂ¡ dĂ©cadas e a cada ano que passa parecem ficar cada vez mais insolĂºveis. Terras, madeiras, Ă¡guas, riquezas naturais, biodiversidade, sĂ£o objetos de cobiça que geram todo tipo de crime e destruiĂ§Ă£o.
Nilcilene estĂ¡ assentada na regiĂ£o hĂ¡ 7 anos, onde conseguiu desenvolver suas atividades de cultivo familiar ligadas Ă conservaĂ§Ă£o do meio ambiente, da floresta e ao ativismo social e laboral.
Nestes anos ela e seus familiares conseguiram cultivar uma lavoura com 6000 pĂ©s de cafĂ©, 6000 bananeiras, 3000 abacaxizeiros, 5000 pĂ©s de pupunha e iniciar a reproduĂ§Ă£o de espĂ©cies nativas cultivando 900 mudas de JatobĂ¡, 300 de seringueira e 50 de castanheiras, todas destinadas ao reflorestamento da Ă¡rea. Em agosto de 2010, toda esta riqueza produtiva, assim como sua a casa e a de um vizinho prĂ³ximo foram destruĂdas pelas chamas ateadas por jagunços contratados pelos madereiros que atuam na regiĂ£o, no que podemos caracterizar como um verdadeiro atentado terrorista capitalista, de direita.
Nilcilene começou sofrer ameaças depois que uma denĂºncia anĂ´nima levou o Ibama a investigar, encontrar e apreender trĂªs motosserras e vĂ¡rios mognos derrubados e prontos para serem despachados em uma das grandes propriedades prĂ³ximas Ă de Nilcilene. O sossego dela, seus parentes e vizinhos terminou aĂ. Os madereiros enfurecidos com as apreensões de “suas” propriedades acusaram a lĂder sindical, social e comunitĂ¡ria de ter formulado a denĂºncia ao Ibama e decidiram intimida-la para que “confessasse” a autoria. NĂ£o sendo autora da denĂºncia, Nilcilene jamais poderia assumir algo que nĂ£o fez ou que tampouco sabia quem o havia feito. Foi espancada de tal forma que um de seus companheiros na luta em defesa da floresta chegou a dizer: “ela apanhou tanto que dava para ver as manchas rochas em sua pele cor de jambo”.
A associaĂ§Ă£o de agricultores familiares liderada por Nilcilene entrou com vĂ¡rios processos na justiça estadual, mas atĂ© agora pouca coisa foi feita, levando os agricultores a sensaĂ§Ă£o de que o Estado do Amazonas Ă© completamente ausente e omisso.
Depois de recorrer Ă ComissĂ£o Pastoral da Terra e a Ă³rgĂ£os federais Nilcilene, acompanhada do assistente-tĂ©cnico da Ouvidoria AgrĂ¡ria Nacional, JoĂ£o Batista Caetano, foi ouvida pelo delegado de PolĂcia Civil de LĂ¡brea, designado especialmente para o caso pela Delegacia-Geral de PolĂcia Civil de Manaus, quando finalmente pode relatar as agressões e ameaças de morte que vem sofrendo pelo simples fato de ser a coordenadora de movimento social rural na regiĂ£o sul do Estado do Amazonas.
O mencionado delegado assumiu compromisso de pedir a prisĂ£o preventiva dos responsĂ¡veis pelas ameaças e agressões fĂsicas. PorĂ©m, atĂ© o momento, nĂ£o houve prisĂ£o alguma, indiciamento algum. Nem o delegado, nem o promotor pĂºblico da Comarca de LĂ¡brea, que compunham Ă Ă©poca o grupo de acompanhamento desses conflitos na regiĂ£o, foram atĂ© Ă localidade, justificando o sentimento dos agricultores familiares em relaĂ§Ă£o Ă morosidade, impunidade, passividade das autoridades e a ausĂªncia total do Estado, possibilitando que a lei seja feita por quem detĂ©m o capital.
Os criminosos nĂ£o se intimidaram e no Ăºltimo dia 10 de maio, quando suas cunhada e sobrinha deixavam a casa de Nilcilene, apĂ³s ali pernoitarem, um pistoleiro armado as abordou para comunicar que iria matar Nilcilene e que as mataria tambĂ©m caso contassem algo para a lĂder da ADP. O pistoleiro chegou a dar detalhes de como seria o assassinato. “Ela nĂ£o vai morrer rĂ¡pido! Vou torturĂ¡-la, quebrar suas pernas, braços e depois esquartejĂ¡-la”, teria dito ele.
Cunhada e sobrinha ficaram aterrorizadas, mas a sobrinha resolveu contar tudo Ă tia. Ao saber do ocorrido o marido de Nilcilene saiu em busca do apoio dos vizinhos e todo um esquema de segurança e fuga foi armado. As pessoas que possuem veĂculos na regiĂ£o nĂ£o podiam saber que Nilcilene precisava sair dali por estar jurada de morte. EntĂ£o, optaram por “engravidar” a “cunhada” e levar Nilcilene disfarçada para fora da regiĂ£o.
Chegando Ă sede do municĂpio de CalifĂ³rnia (AM), Nilcilene nĂ£o pĂ´de registrar a ocorrĂªncia, sendo encaminhada ao municĂpio de Extrema, em RondĂ´nia. Ali ao tentar registrar a queixa, a polĂcia local lhe informou nĂ£o ser possĂvel abrir um BO, pois as ameaças estariam ocorrendo em outro estado da federaĂ§Ă£o, jĂ¡ que LĂ¡breas encontra-se no estado do Amazonas. Depois de muita insistĂªncia, finalmente Nilcilene conseguiu registrar um BO, mas as autoridades locais nĂ£o registraram no mesmo se tratar de ameaças e agressões por parte dos madereiros, nem fizeram menĂ§Ă£o alguma ao conflito rural, laboral e ambiental.
Desde entĂ£o, Nilcilene estĂ¡ escondida sob a proteĂ§Ă£o de organizações humanitĂ¡rias, pois se voltar para sua casa na regiĂ£o do sul de LĂ¡breas corre perigo. E o que mais Nilcilene quer neste momento Ă© poder voltar para seu cantinho de terra e continuar seu trabalho de agricultura e lĂder social. NĂ£o pode! HĂ¡ dois pistoleiros a sua espera. Eles se revezam na “guarda” da propriedade de Nilcilene. Um deles Ă© conhecido matador de aluguel que hĂ¡ trĂªs meses, vestido de policial, matou um camponĂªs na BolĂva. Para receber o contratado o matador trouxe ao Brasil a orelha de sua vĂtima boliviana.
No meio de nossa conversa a pergunta que a agricultora familiar e lĂder social mais se fazia era se existe justiça em nosso paĂs. Indo mais longe, se perguntava se realmente existe MinistĂ©rio do Meio-Ambiente jĂ¡ que os ricos estĂ£o a destruir a AmazĂ´nia e ninguĂ©m faz nada. Ela questiona ainda a aplicaĂ§Ă£o da Lei Maria da Penha, pois quando foi brutalmente espancada, nenhum dos Ă³rgĂ£os oficiais a quem recorreu, realmente buscou solucionar o caso.
Ela quer ainda que as autoridades competentes lembrem-se que os agricultores familiares do Amazonas sĂ£o cidadĂ£os iguais aos outros, eleitores e pagadores de impostos como qualquer outro brasileiro, mas que sĂ£o lembrados apenas na Ă©poca das eleições.
“A justiça Ă© rĂ¡pida para defender os grandes, mas nada faz para proteger os pequenos e tirar os bandidos da Ă¡rea para que eu possa voltar ao meu lar e produzir dignamente como sempre fiz”, desabafa Nilcilene.
Fonte: SĂ©rgio Bertoni, Manaus