Para LAKOFF e Johnson, nosso sistema conceitual não costuma ser algo que normalmente tenhamos consciência, pois pensamos e agimos de forma mecânica na maior parte de nossos pequenos atos da vida cotidiana, em geral seguindo certas linhas de conduta que não se deixam facilmente apreender. Mas para eles um meio de se investigar este sistema conceitual é considerar a linguagem. “Como a comunicação está fundada sobre o mesmo sistema conceitual que utilizamos pensando e agindo, a linguagem nos fornece importantes testemunhos sobre a maneira que aquele funciona.”
A hipótese de LAKOFF e Johnson é que a metáfora não é apenas questão de linguagem ou de palavras. Ao contrário, os processos do pensamento humano é que são em grande parte metafóricos, ou seja o sistema conceitual humano é estruturado e definido metaforicamente, possibilitando assim metáforas também na linguagem que utilizamos.
O que era uma hipótese de trabalho nos anos 80, desde então, foi sendo fundamentada como tese, sob o nome de realismo experimental, por LAKOFF (1987) e Johnson (1987) individualmente. Esta hipótese não é de todo fortuita, pois já vinha assentada sobre uma série de contribuições anteriores, das quais podemos citar no campo da filosofia, Wittgenstein e Rorty, e no campo da psicologia cognitiva, Eleanore Rosch.
Foi, de certa forma, como já dissemos, a crítica ao objetivismo dentro da filosofia da ciência que fundamentou, em grande parte, a pesquisa sobre o papel das metáforas, também na formação de nosso sistema conceitual. Se tomarmos as considerações feitas por LAKOFF (1987), a visão clássica que sustenta o objetivismo, parte de alguns princípios contestáveis, inclusive pela pesquisa recente nas ciências cognitivas:
* o pensamento é uma manipulação mecânica de símbolos abstratos; a mente é uma máquina abstrata, manipulando símbolos essencialmente da mesma maneira que um computador faz, ou seja, por computação algorítmica;
* os símbolos (palavras e representações mentais) adquirem seu significado em correspondência com as coisas no mundo externo; símbolos que correspondem ao mundo externo são representações internas da realidade externa; símbolos abstratos podem ficar em correspondência com as coisas no mundo independentemente das propriedades peculiares de qualquer organismo, onde se tenham fundamentado;
* como a mente humana faz uso de representações internas da realidade externa, a mente é um espelho da natureza, e a razão espelha a lógica do mundo externo; é, portanto, incidental à natureza da razão, os seres humanos terem os corpos que têm e funcionarem em seus ambientes da maneira que fazem; o pensamento é abstrato e desincorporado pois é independente de qualquer limitação do corpo humano, do sistema preceptivo humano e do sistema nervoso humano;
* as máquinas que fazem mais do que manipular símbolos que correspondem às coisas no mundo são capazes de apresentar um pensamento significativo e uma certa razão; isto porque o pensamento é atomístico, divisível em blocos - símbolos utilizados no pensar - que são combinados em complexos e manipulados por regras;
* o pensamento é lógico, no sentido estreito usado pelos lógicos, ou seja, pode ser modelado por sistemas formais, do tipo dos que usam a lógica matemática; muito da discussão atual sobre a mente humana, como um máquina computacional, se assente sobre esta faceta do objetivismo.
Para LAKOFF (1987), a idéia de categoria conceitual está no centro dessas questões. Com efeito a maior parte dos símbolos, enquanto palavras e representações mentais, designam categorias no mundo real ou em algum mundo possível. Ou, no dizer de Wittgenstein (1953), designam “famílias” que como tal guardam certo “ar de semelhança” entre seus membros.
Assim sendo, é possível supormos que o mundo deve estar dividido em categorias, de tal forma que os símbolos e as estruturas simbólicas possam se referir a elas. Porém, é justamente no entendimento destas categorias conceituais, é que vão diferir as visões clássica e atual, pois esta última considera:
* o pensamento como incorporado e imaginativo, empregando metáforas, metonímias e imagens mentais;
* o pensamento como tendo propriedades que o levam a considerar os fenômenos não mais como soma de elementos por isolar, analisar e dissecar, como na visão atomística, mas como conjuntos que constituem unidade autônomas, manifestando uma solidariedade interna e possuindo leis próprias, donde resulta que o modo de ser de cada elemento depende da estrutura do conjunto e das leis que o regem, não podendo nenhum dos elementos preexistir ao conjunto;
* o pensamento como tendo uma estrutura ecológica, que gira, em grande parte, ao redor da estrutura do sistema conceitual, fundado no poder da imaginação; por conseguinte o pensamento é mais do que uma simples manipulação mecânica de símbolos abstratos.
Entrevista para o O Estado de São Paulo:
Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, Lakoff tenta remeter esses conceitos à política brasileira. Ele afirma que mesmo um presidente com 80% de aprovação pode ser derrotado pela oposição, desde que os adversários saibam se comunicar com o eleitor. Segundo ele, para vencer uma eleição é necessário "capacidade de falar e ser entendido por todos, transmitir sensação de confiança e ter uma imagem com a qual o eleitor possa se identificar". Por fim, Lakoff defende um "novo iluminismo", que abandone a noção de uma razão absoluta e lógica e que incorpore as descobertas científicas acerca da mente humana.
No livro The Political Mind (A Mente Política, em tradução livre), o senhor afirma que progressistas e conservadores têm formas de pensar distintas e inconciliáveis. Progressistas veriam o governo como um "pai cuidadoso" - que protege e oferece possibilidades aos cidadãos -, enquanto conservadores encarariam o Estado como um "pai austero" - a quem cabe ensinar uma rígida disciplina. Até que ponto essa metáfora pode ser exportada para outras partes do mundo?
Muita gente tem as duas formas no cérebro simultaneamente e variam seu uso. O cérebro tem determinados circuitos, chamados "inibição mútua", em que a ativação de uma forma de pensamento inibe a outra. Por isso, as pessoas podem ser conservadoras em alguns aspectos e liberais em outros, desde que em questões políticas diferentes. Fizemos estudo empírico com um grupo, durante eleição na Califórnia, e vimos que isso ocorre com 18% dos eleitores. Temos descoberto que o mesmo ocorre na Espanha, apesar de o país ter muitos partidos. Eleitores fazem diferentes combinações das formas de pensar progressista e conservadora - eles aplicam uma combinação se são social-democratas, outra se são democratas cristãos e assim por diante. Isso também vale para a Alemanha. Ou seja: essas formas de pensar se aplicam à Europa - certamente se aplicam à Espanha e à Itália -, mesmo em sistemas multipartidários.
Só há essas duas formas de pensar politicamente? Elas são universais?
Não. Um dos meus alunos fez um estudo na China e descobriu que há uma outra forma de pensar, que reflete a estrutura familiar chinesa. Não sabemos quão difundidas são as formas de pensar conservadora e progressista, mas essa estrutura funciona na Europa e em países com influência cultural europeia.
Na América Latina, por exemplo?
A América Latina seria uma possibilidade. Mas esta é uma pergunta empírica, simplesmente não dá para dizer. Não se sabe exatamente onde funciona e onde não funciona. O que nós sabemos é que não parece ser universal. O que parece ser universal, contudo, é que a política aparentemente depende muito da estrutura familiar. Mas ainda há muita pesquisa a se fazer.
O sr. defende uso de enquadramentos ideológicos e metáforas no discurso político. É possível fazê-lo sem manipular o eleitor?
Nós sempre vemos o mundo através de um prisma ou de metáforas. São formas de pensar às quais recorremos todos os dias. Você não pode pensar sem enquadramentos ideológicos e, provavelmente, mais da metade dos seus pensamentos são metafóricos. Além disto, a organização política da mente baseia-se sempre em sistemas morais - frequentemente com origem na estrutura familiar. E os pontos de vista ideológicos são organizados dentro desses sistemas.
Em que medida entender como o cérebro processa as metáforas importa no debate político?
Importa muito! O marketing e a publicidade estudam como o cérebro funciona, mas a ciência política, o direito e a economia tendem a ignorar o assunto. Estuda-se a razão iluminista - na qual pessoas pensam em termos da lógica formal, de forma literal e sem emoções. As emoções atrapalhariam a capacidade de raciocínio. Com isso, perde-se a maior parte do que foi aprendido com a neurociência. E um dos problemas é que não se entende como a comunicação funciona.
O sr. afirma que é mais fácil mudar a forma como o eleitor pensa após um trauma. Mas o Brasil vive situação oposta: o presidente atual tem cerca de 80% de aprovação. É possível, numa situação como essa, convencer o eleitor a votar na oposição?
Não conheço o suficiente da política brasileira, mas posso especular. Se existirem, no Brasil, eleitores que chamo de "biconceituais" - ou seja, que variam entre dois sistemas de pensamento - e se a oposição tiver uma comunicação excelente (e souber como explorá-la), então é possível mudar a situação independentemente da popularidade do governo. Por exemplo, depois da saída de Bill Clinton, os Estados Unidos estavam numa ótima posição econômica, mas George Bush conseguiu comunicar-se muito bem, enquanto Al Gore era péssimo.
Diz-se que, nesta eleição presidencial, os principais candidatos têm visão política e econômica muito próxima. Como diferenciar candidatos que compartilham de uma mesma forma de pensar?
Ah, de muitas maneiras. Primeiramente, um candidato pode acreditar em pequenas ou em grandes mudanças. Um outro fator são as prioridades de cada candidato: alguns podem priorizar políticas ambientais, outros a saúde pública, outros ainda a política externa. Isso ocorre porque há diferenças dentro de uma mesma forma de pensar.
Em um país com sério déficit educacional, como o Brasil, o eleitor fica suscetível à manipulação?
Não tem nada a ver. Pessoas com alto grau de educação ainda são manipuladas. Nas eleições, as questões mais importantes têm a ver com valores morais e com o modo como são comunicados. Têm a ver com a capacidade de se conectar com as pessoas, ou seja, falar e ser entendido por todos; com transmitir uma sensação de confiança; e com ter uma imagem com a qual o eleitor possa se identificar. Chamo isso de autenticidade. Se você parecer autêntico, se compartilhar os valores da população, se o eleitor puder se identificar e confiar em você, então votarão em você. Não depende de educação.
O sr. defende um "novo iluminismo". O que isso significa? É realista acreditar em um "novo iluminismo" em escala global?
Espero que sim, mas sei que é difícil. Um novo iluminismo implica entender avanços da neurociência e das ciências cognitivas, o que inclui perceber que a empatia tem papel imenso nas interações humanas e a ideia de democracia depende disso. Precisamos entender como a mente realmente funciona: um conjunto de circuitos neurais que envolvem prismas ideológicos, metáforas e construção inconsciente de narrativas. Precisamos entender que as emoções são parte da razão e nem todo mundo pensa do mesmo jeito. Precisamos entender que sistemas morais são fundamentalmente metafóricos - e não vêm de uma razão universal. Precisamos entender que há muitos sistemas morais diferentes e a política é fundamentalmente baseada na moralidade. Tudo isso requer nova compreensão do que nosso cérebro é e do que nossa sociedade significa. Essa é a definição de um novo iluminismo.