O juiz federal SĂ©rgio Moro, da 2.ª Vara Federal de Curitiba, decretou ontem a prisĂ£o preventiva de Francisco Narbal Alves Rodrigues, ex-coordenador nacional do Programa Nacional de Segurança PĂºblica com Cidadania (Pronasci), do MinistĂ©rio da Justiça, preso nesta semana pela PolĂcia Federal. A PF requereu a prisĂ£o preventiva Ă Justiça depois que descobriu que Rodrigues recebeu dinheiro da Adesobras – Oscip (ONG com tĂtulo de interesse pĂºblico) suspeita de desviar dinheiro pĂºblico.
A PF ainda levou em conta o cargo que Rodrigues ocupava no MinistĂ©rio da Justiça, tendo contato com pessoas do alto escalĂ£o da pasta, e que por isso ele poderia atrapalhar o curso da investigaĂ§Ă£o. Os argumentos foram acolhidos por Moro. Rodrigues estĂ¡ preso em BrasĂlia e deve ser transferido para a sede da PF no ParanĂ¡ nos prĂ³ximos dias, onde deve ser ouvido pelo delegado federal Fabiano Bordignon, responsĂ¡vel pela investigaĂ§Ă£o.
O ex-coordenador nacional do Pronasci prestou depoimento na sede da PF em BrasĂlia no dia em que foi preso. A reportagem apurou que Rodrigues teria admitido que, a pedido dele, o filho e o enteado foram empregados nas ONGs que, segundo a PF, teriam desviado mais de R$ 16 milhões. Rodrigues ainda estĂ¡ sendo acusado de tentar prorrogar um contrato da Adesobras que jĂ¡ estava vencido e de ter corrigido relatĂ³rios da ONG que foram encaminhados ao MinistĂ©rio da Justiça.
Defesa
Ontem, o advogado criminalista Luis Maximiliano Telesca, que representa Rodrigues, esteve em Curitiba e disse Ă Gazeta do Povo que preferia comentar as acusações somente depois de ler todo o processo e que jĂ¡ entrou com um pedido na Justiça para revogar a prisĂ£o do cliente. O advogado adiantou que esteve com o ex-coordenador do Pronasci e que o cliente rechaça todas as acusações feitas pela PF. “O juiz e o delegado estĂ£o, especialmente o delegado [da PF], dando uma conotaĂ§Ă£o mais grave do que de fato aconteceu. O Francisco [Rodrigues] estĂ¡ doente. Ele recentemente fez uma operaĂ§Ă£o e nĂ£o pode ficar na cadeia”, alegou o advogado.
Sobre o fato de o filho e de o enteado de Rodrigues serem funcionĂ¡rios das ONGs suspeitas de desviar dinheiro, Telesca falou que o cliente admite a contrataĂ§Ă£o dos parentes, mas que nĂ£o considera isso como um ato de corrupĂ§Ă£o.
A investigaĂ§Ă£o da PF aponta para o fato de que os salĂ¡rios do filho e do enteado de Rodrigues seriam pagos com verba pĂºblica. O dinheiro era parte do montante destinado pelo MinistĂ©rio da Justiça para a implementaĂ§Ă£o do Pronasci no ParanĂ¡. O contrato entre a Adesobras e MinistĂ©rio da Justiça para a ONG realizar este serviço era de R$ 3,3 milhões.
OperaĂ§Ă£o
O ex-coordenador e outras 15 pessoas foram presos no inĂcio desta semana durante a OperaĂ§Ă£o Dejavu II, deflagrada pela PF no ParanĂ¡ e em outros quatro estados. A aĂ§Ă£o da polĂcia desarticulou um esquema de desvio de dinheiro por meio de contratos envolvendo o Pronasci, pelo menos 20 prefeituras – sendo 13 do ParanĂ¡ – e as duas ONGs: Adesobras e Ibidec. Juntas, as duas ONGs receberam cerca de R$ 100 milhões, sendo que R$ 16 milhões comprovadamente desviados, segundo a PolĂcia Federal.
Das 16 pessoas presas, apenas cinco tiveram a prisĂ£o preventiva decretada pela Justiça Federal. AlĂ©m de Francisco Rodrigues, os dirigentes das ONGs, Lilian Oliveira Lisboa e o libanĂªs Robert Bedros Fernezlian, que sĂ£o casados, uma filha do casal e o presidente de uma ONG em CuiabĂ¡, no Mato Grosso.
O funcionĂ¡rio do MinistĂ©rio da Justiça Aberson Carvalho de Souza, que tambĂ©m foi detido na operaĂ§Ă£o policial, deve sair da prisĂ£o hoje – quando vence a prisĂ£o temporĂ¡ria. Souza, segundo a PF, era uma espĂ©cie de ajudante de Rodrigues. A PF entendeu que nĂ£o hĂ¡ motivos para pedir a prisĂ£o preventiva de Souza. ApĂ³s saber da prisĂ£o do funcionĂ¡rio, o ministro da Justiça, JosĂ© Eduardo Cardozo, determinou a abertura de um processo de desligamento do servidor e de uma sindicĂ¢ncia para apurar os fatos.(GP)
HistĂ³rico:
OperaĂ§Ă£o Dejavu II prende 11 em Curitiba
A PolĂcia Federal deflagrou hoje a operaĂ§Ă£o "DejaVu II" em Mato Grosso, ParanĂ¡, Santa Catarina, Acre e Distrito Federal. SĂ£o 16 mandados de prisĂ£o e 33 de busca e apreensĂ£o, que serĂ£o cumpridos em conjunto com a Controladoria-Geral da UniĂ£o e a Receita Federal do Brasil.
A investigaĂ§Ă£o Ă© sobre desvio de recursos pĂºblicos por meio de organizações da sociedade civil de interesse pĂºblico, as Oscip's, espĂ©cie de ONG com qualificaĂ§Ă£o especial que lhes permite receber verbas pĂºblicas para a realizaĂ§Ă£o de programas e execuĂ§Ă£o de projetos nas Ă¡reas de saĂºde, educaĂ§Ă£o e segurança, o que fazem por meio de termos de parceria com municĂpios e ministĂ©rios do governo federal.
As fraudes investigadas ocorriam em torno de duas organizações - Adesobras e Ibidec - sendo que os recursos pĂºblicos recebidos seriam, em parte, desviados em favor dos dirigentes e empregados das Oscip's , alĂ©m de beneficiar terceiros.
O principal meio utilizado para o desvio dos recursos pĂºblicos seria a simulaĂ§Ă£o de contratos de prestaĂ§Ă£o de serviços com empresas de consultoria, com igual simulaĂ§Ă£o dos serviços prestados, de forma a gerar despesas fictĂcias para serem suportadas pelos recursos pĂºblicos (emissĂ£o de notas fiscais "frias" para falsas consultorias).
As empresas de consultoria seriam controladas por parentes dos dirigentes ou dos empregados ou ainda por pessoas interpostas. Para implementar os crimes eram falsificados contratos, notas fiscais, relatĂ³rios de serviços e ainda os prĂ³prios relatĂ³rios dos auditores independentes.
AlĂ©m da simulaĂ§Ă£o de contratos (criaĂ§Ă£o de despesas falsas), foi constatado superfaturamento de serviços mĂ©dicos, cobrança de valores excessivos a tĂtulo de taxa de administraĂ§Ă£o (atĂ© 22%) e utilizaĂ§Ă£o de recursos pĂºblicos para despesas e aquisiĂ§Ă£o de material permanente na sede das OSCIP´s.
Os danos causados aos cofres pĂºblicos sĂ£o altos e ainda estimados. A fiscalizaĂ§Ă£o da CGU, que participou das investigações desde o inĂcio, centrou-se antes da deflagraĂ§Ă£o apenas sobre as parcerias celebradas entre uma das Oscip's e o MinistĂ©rio da Justiça e entre a primeira e o MunicĂpio de ItaipulĂ¢ndia. Ainda assim, as parcerias em questĂ£o envolvem valores significativos, de R$ 3 milhões a R$ 44 milhões, respectivamente. Parte dos valores foi comprovadamente desviado pela quadrilha.
Uma das Oscip's investigadas firmou contratos, entre 2006 e 2009, com os municĂpios de AraucĂ¡ria, CafelĂ¢ndia, Campo Largo, Cascavel, CĂ©u Azul, Colombo, Curitiba, ItaipulĂ¢ndia, Lapa, Missal, Pinhais, Piraquara e SĂ£o JosĂ© dos Pinhais, que correspondem ao valor aproximado de 22 milhões de reais.
Uma segunda Oscip, mantida pela mesma quadrilha, entre 2003 e 2006, firmou contratos com os municĂpios de Curitiba, ItaipulĂ¢ndia, Mercedes, Ouro Verde do Oeste, Palotina, Pato Bragado, Santa Helena, Santa Terezinha do Itaipu, SĂ£o JosĂ© dos Pinhais, SĂ£o Miguel do Iguaçu e SĂ£o Pedro do Iguaçu, os quais correspondem a aproximadamente R$ 65 milhões.
Os fatos configuram crimes de peculato, de advocacia administrativa, contra disposições da Lei de Licitações e associaĂ§Ă£o criminosa, alĂ©m de lavagem de dinheiro. (Assessoria da PolĂcia Federal)