“O governo do Estado do Pará trabalha a favor das empresas que destroem o meio ambiente. Eu não tenho nenhuma dúvida em afirmar isso.” A denúncia é do jornalista freelancer Marques Casara, que coordenou o estudo ‘O aço da devastação’, financiado pelo Instituto Observatório Social, uma instituição financiada pela CUT e pelas centrais sindicais FNV, da Holanda e DGB, da Alemanha. Segundo explicou Casara, suas decisões são tomadas com a participação de outras organizações – como o Dieese e a Unitrabalho. Disse ainda que foram gastos R$ 60 mil, incluindo pessoal e gráfica e que o estudo terá uma tiragem de 10 mil exemplares. O lançamento será na próxima quarta-feira, 22, às 9h, na rua São Bento, 413, em São Paulo.
Para realizar a pesquisa, Casara fez três viagens ao polo siderúrgico de Carajás, no Pará, totalizando 30 dias na região. A região ganhou as páginas dos jornais após o assassinato dos ambientalistas José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, no dia 24 de maio, em Nova Ipixuna.
Casara esteve em Nova Ipixuna em março, antes da morte dos ambientalistas. Diz que não chegou a conversar com Zé Cláudio, mas admite que as palestras do ambientalista que estão disponíveis na internet o inspiraram a ir para a região.
O trabalho de 2011 dá continuidade a outro, realizado sete anos antes. “A coisa toda começou em 2004, quando eu fiz o primeiro trabalho lá para o Observatório, que é tentar estudar um pouco a cadeia produtiva do carvão, ou seja da onde vem o carvão e para onde vai o carvão”, conta.
Segundo ele, em 2004 a pesquisa conseguiu provas documentais que mostravam que as siderúrgicas de ferro-gusa (insumo produzido a partir da mistura de carvão vegetal e ferro, fundamental para a fabricação do aço) estavam usando carvão do trabalho escravo – contaminando toda a cadeia produtiva do aço. De acordo com Casara, 90% do aço que é produzido ali é exportado para os Estados Unidos, para empresas como a Nucor Corporation e para a National Material Trading (NMT).
Após esse primeiro trabalho, explica ele, houve uma grande mobilização de organizações da sociedade civil e de entidades de classe. “Foi assinada em Brasília, com a participação da Fiesp, do Instituto Ethos, do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Trabalho, do Observatório Social e das empresas, das siderúrgicas, a carta compromisso pelo fim do trabalho escravo no setor do aço. As empresas iniciaram naquela época uma série de atividades para controlar o trabalho escravo nas carvoarias. Elas criaram o Instituto Carvão Cidadão (ICC) que passou a auditar as carvoarias que fornecem para as siderúrgicas. Então o ICC visita as carvoarias e verifica se os trabalhadores estão registrados, se eles têm água potável, se eles têm as condições mínimas de direitos como pessoas, se têm seus direitos fundamentais respeitados”, explica.
Agora, a convite do Observatório Social, Casara voltou à região para ver como estão as coisas na região. Em entrevista ao portal Estadão.com.br, ele descreve um cenário de violência e crimes no polo de Carajás. Faz duras críticas às empresas e às instituições governamentais – principalmente ao Estado do Pará. Casara descreve a Secretaria de Meio Ambiente do Pará como um lugar totalmente tomado pela corrupção.
A reportagem do Estadão.com.br conversou também com a secretária de Meio Ambiente do Pará, Teresa Cativo, que negou que o Estado trabalhe em favor destas empresas. “Isso não existe”, rebateu ela. Teresa, que assumiu a pasta no início de 2011, informou também ter afastado 90 funcionários desde que assumiu o posto. “Em apenas seis meses dá para fazer muita coisa”, conta. Leia abaixo a entrevista com Marques Casara e leia aqui a entrevista com Teresa Cativo.
Vocês fizeram um primeiro estudo em 2004. Como começou esse trabalho?
A coisa toda começou em 2004, quando eu fiz o primeiro trabalho lá para o Observatório, que é tentar estudar um pouco a cadeia produtiva do carvão, ou seja da onde vem o carvão e para onde vai o carvão. A gente conseguiu algumas provas documentais que mostravam que as siderúrgicas de ferro-gusa instaladas na Amazônia, no Polo de Carajás, estavam usando carvão do trabalho escravo. Trabalho escravo era o quê? Eram carvoarias onde os trabalhadores trocavam mão de obra por, no máximo, um prato de comida. A gente fez esse trabalho, ele teve uma repercussão enorme, principalmente no exterior, porque 90% do aço que é produzido ali é exportado para os Estados Unidos, para a Nucor Corporation e para a National Material Trading (NMT).
Eles continuam sendo os principais compradores?
Continuam. Naquela época houve uma grande mobilização de organizações da sociedade civil e de entidades de classe. E aí foi assinado em Brasília, com a participação da Fiesp, do Instituto Ethos, do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Trabalho, do Observatório Social e das siderúrgicas envolvidas, a carta compromisso pelo fim do trabalho escravo no setor do aço. As empresas iniciaram naquela época uma série de atividades para controlar o trabalho escravo nas carvoarias. Criaram o Instituto Carvão Cidadão (ICC) que passou a auditar as carvoarias que fornecem para as siderúrgicas. Então o ICC visita as carvoarias e verifica se os trabalhadores estão registrados, se têm água potável, se eles têm as condições mínimas de direitos como pessoas, se têm seus direitos fundamentais respeitados. Isso foi feito de 2004 até agora. O que aconteceu esse ano? Eu tinha algumas apurações que eu vinha fazendo desde o ano passado e a gente foi checar de fato se a produção de carvão estava sendo de forma sustentável. E aí nós chegamos à seguinte situação: as carvoarias auditadas pelas empresas estão sendo usadas como fachada para esquentar carvão do desmatamento e do trabalho escravo. Em resumo: as siderúrgicas resolveram o problema das carvoarias que são auditadas. Só que essas carvoarias produzem muito mais do que a sua própria capacidade. Elas produzem o que elas conseguem produzir e elas vendem o que as outras, ilegais, produzem. Quando digo ilegal eu digo o seguinte: madeira roubada de terra indígena, madeira retirada ilegalmente de área de preservação ecológica e muitas vezes produzida com trabalho escravo. Entra, contamina a cadeia produtiva do aço, ou seja, o problema, apesar dos esforços realizados até aqui, ele permanece. A gente está numa situação em que os recursos naturais da Amazônia estão quase que privatizados. E extraídos de forma predatória por um pequeno grupo de empresas. Quem se beneficia com isso? Empresários locais, políticos e muitos servidores do Estado do Pará que estão sendo comprados pelos esquemas de lavagem de carvão.
Seriam então três os principais crimes…
A gente tem o trabalho escravo, devastação ilegal e corrupção. Corrupção ativa e passiva. E aí você tem pequenas carvoarias que estão sendo usadas como fachadas para esquentar carvão, e você tem uma quadrilha que opera nos porões da secretária de Meio Ambiente do Estado do Pará. E essa quadrilha foi muito fortalecida ao longo dos últimos anos. No governo do PT, ela cresceu muito no governo da Ana Júlia. E ela permanece no governo hoje do PSDB. Ela transcende agremiações políticas. Ela sobrevive a partidos, a governos, a gestões.
O senhor poderia dar nomes ou funções?
Existem dezenas de funcionários envolvidos na corrupção. Não existe um ou outro. São dezenas. Funcionário que, por exemplo, ganha mil reais por mês e tem um carro de R$ 120 mil. Salvo exceções, o chefe do esquema é o secretário do Meio Ambiente.
Na sua pesquisa você conta que falou com o ex-secretário, o Walmir Ortega (secretário de Meio Ambiente do Pará entre 2007 e 2009, no governo de Ana Júlia (PT))…
O Ortega foi colocado lá para tentar moralizar o negócio. Só que ele mesmo falou que não segurou a onda. Ele não conseguiu. Ele afastou mais de 200 funcionários da Secretaria de Meio Ambiente. Mesmo assim ele não conseguiu resolver o problema.
Quem são esses funcionários?
São fiscais, são burocratas que trabalham internamente. São profissionais que trabalham com a parte de informática, porque eles conseguem jogar no sistema créditos de carvão de madeira, créditos legais, virtuais, são autorizações virtuais. Você consegue ter um lote de madeira virtualmente legal. Só que você preenche uma autorização de desmate com madeira ilegal. Existem caixas e caixas de documentos em poder do Ibama e da Polícia Federal e também nossa que mostra como operam esses esquemas. Eles estão fartamente documentados.
Você disse que o chefe é o secretário de Meio Ambiente. Hoje também?
Hoje eu não sei. Porque é nova a a secretária de Meio Ambiente que está lá. A gestão dela não tem nem seis meses.
O gestor que encerrou no final do ano passado era chefe?Ele, no mínimo, conhecia o esquema. O governo do Estado do Pará trabalha a favor das empresas que destróem o Meio Ambiente. Eu não tenho nenhuma dúvida em afirmar isso. É uma questão de Estado. Ela transcende o governo. É uma ação de Estado para proteger a devastação ambiental, a privatização dos recursos naturais. Então é um crime contra a humanidade o que está acontecendo lá.
É possível dizer que o principal responsável é o governo do Estado do Pará?
O governo e as empresas. O governo tem uma atitude passiva. Ele é o passivo da história. E as empresas aplicam a corrupção ativa. A siderurgia hoje, no Pará, só funciona porque existe a corrupção e porque existem crimes ambientais não investigados.
Quais são esses crimes ambientais?
Devastação ilegal, roubo de madeira de terra indígena, contaminação do meio ambiente, e aí você tem grilagem de terra e você tem assassinatos. Quer dizer, as pessoas estão sendo assassinadas para que esse esquema continue de pé. O Zé Cláudio, a mulher dele, toda essa turma que foi assassinada lá nas últimas semanas, eles morreram porque denunciavam a devastação ambiental para produzir carvão e para produzir madeira.
É uma infeliz coincidência que o seu estudo saia tão pouco tempo depois da morte do Zé Cláudio e da sua esposa e de todos esses outros assassinatos. Como é isso lá? É um faroeste mesmo?
É faroeste. É uma situação medieval. O que impera lá é a lei da pistola.
Quem são esses assassinos?
São pistoleiros contratados por madeireiras, pelos grupos econômicos que retiram a madeira para fazer carvão e para fazer toras para beneficiamento e para produção de madeira.
Essas mesmas empresas que estão denunciadas no seu trabalho?
As carvoarias. As siderúrgicas financiam esse processo.
O serviço sujo não é com elas….
Elas não sujam a mão de sangue. Elas financiam. As siderúrgicas têm responsabilidade diretas por esses assassinatos. Eu não estou dizendo que eles não têm responsabilidade. Eles são diretamente responsáveis por esses crimes na medida em que financiam as empresas que desmatam e usam trabalho escravo. Isso precisa ficar bem claro. Eu não estou dizendo que eles mandam matar. Eles só financiam quem patrocina os assassinatos.
O Estado do Pará também é responsável por esses assassinatos?
Exato. Pela omissão e pela corrupção. Existe uma responsabilidade direta por esses crimes por parte do Estado. Do governo do Pará, dos servidores que estão se vendendo para o crime organizado. Grandes empresas e o governo do Pará têm responsabilidade por essas mortes.
E o governo federal?
O governo federal também tem responsabilidade na medida em que ele não oferece a logística necessária para os órgãos federais que estão lá, a Polícia Federal e o Ibama. A corrupção no Ibama e na Polícia Federal é infinitamente menor.
Não chega a corromper a estrutura?
No caso do governo do Pará, a estrutura está podre. No caso do Ibama e da Polícia Federal o principal problema é a falta de pessoas e de equipamentos para fazer isso. Quer dizer, se você visitar o escritório do Ibama em Marabá, eles têm duas ou três equipes de fiscalização. Para uma região enorme. Eles precisariam ter de 15 a 20 equipes de fiscalização.
Quem dá o combate é o governo federal?
O governo federal tem uma responsabilidade e o governo estadual tem outra. O controle eletrônico, de quanta madeira e de quanto carvão é movimentado é feito pelo órgão estadual, pela Secretaria de Meio Ambiente. O poder de manipular eletronicamente os dados está nas mãos do governo do Estado. O governo federal, através do Ibama, concede autorizações mediante as próprias autorizações já concedidas pelo governo do Estado. Ele fiscaliza. Ele fiscaliza os planos de manejo, ele fiscaliza as rodovias para ver se o caminhão que está transportando carvão está com toda a documentação necessária. Deveria ser uma atividade compartilhada. Só que essa atividade tem falhas porque, primeiro, o órgão estadual é completamente corrupto e, segundo, o órgão federal não tem recursos humanos e financeiros suficientes para desenvolver essa atividade. A Polícia Federal acaba atuando mais com a investigação dos crimes a partir do momento em que ele acontece. Não existe uma ação preventiva. Quer dizer, a Polícia Federal entra quando a coisa já esta feita ou dá suporte quando necessário para a fiscalização do Ministério Público Federal, do Ibama, do Ministério Público do Trabalho.
Que tipo de abusos existem na questão do trabalho escravo?
Existem vários conceitos do que é o trabalho escravo hoje. Um deles é a escravidão por dívida. Ou seja, você é contratado para trabalhar num lugar e para chegar lá eles te cobram o transporte, eles te cobram o equipamento de proteção – capacete, luva, bota – que eles deveriam te dar. E você trabalha, trabalha, trabalha e você está sempre devendo na caderneta do chefe da carvoaria. Isso chama-se escravidão por dívida. O outro tipo de escravidão é aquela em que o seu direito de ir e vir está cerceado, em que você é proibido de se movimentar. Essa acontece com muito menos intensidade no caso do carvão. No caso do carvão o que acontece mais hoje é a escravidão por dívida e onde você não tem nenhum dos seus direitos fundamentais preservados. Não tem nem água potável. Mas você precisa daquele trabalho, se você não trabalhar naquelas condições, você morre de fome. Isso caracteriza a escravidão moderna. Você trabalha para comer. Você trabalha por um prato por comida. Você tem a liberdade de pegar suas malas, pegar sua trouxinha e ir embora. Mas você vai para onde? Você vai para outra carvoaria do lado, fazer a mesma coisa. É um sistema econômico extremamente perverso, que não respeita os direitos humanos, não respeita os direitos trabalhistas e as pessoas vivem num regime de opressão brutal por conta disso.
Quanto do aço consumido no País vem dessa região?
30% do ferro-gusa é produzido lá. Por que o ferro-gusa de lá é tão bom? Porque ele usa carvão vegetal, que tem baixíssimo teor de impurezas, enxofre, essas coisas. Quando você tem um gusa com baixa impureza, você consegue tirar os aços especiais, que é o aço para a indústria aero-espacial, para a indústria automobilística, para usar em computadores, celulares, é um aço muito puro. Mas para isso você precisa de carvão vegetal. Por isso que aquele carvão é tão importante na cadeia produtiva. 30% da produção nacional de ferro-gusa está lá no pólo da Amazônia. O restante está em Minas Gerais, tem alguma coisa no Mato Grosso, na Bahia, no Espírito Santo… Eu não sei quanto, hoje, isso representa em termos de contaminação pela devastação, mas até agosto a gente vai divulgar um estudo que vai pegar os três biomas. Pantanal, Cerrado e Amazônia. A gente vai fazer um cruzamento das informações desses três biomas para saber quanto o setor siderúrgico contribui para a devastação ambiental no País. A indústria siderúrgica no Brasil é controlada por oito grandes corporações. Essas que a gente está falando elas são links dessas oito grandes corporações. Elas abastecem a indústria global do aço. Mas é um recorte. Precisa estudar todos os biomas. Nós estamos fazendo isso. A parte de campo já está pronta.
É possível que em outros biomas tenha problemas similares?
É possível não: com certeza. No pantanal tem problema de devastação para fazer carvão, tem problema de contrabando de carvão do Paraguai para alimentar as siderúrgicas de Minas Gerais e tem a devastação do Cerrado para alimentar as siderúrgicas de Minas Gerais. Então você tem três dos mais importantes biomas nacionais, Cerrado, Pantanal e Amazônia,sendo devastados para produzir aço.
Com trabalho escravo nos três?
Com trabalho escravo e devastação ambiental. O trabalho escravo está mais presente no Pará. O Pará é o Estado que mais tem trabalho escravo hoje em atividade.
Quanto tempo você esteve lá para fazer esse trabalho?
Eu fiz três viagens para a região, totalizando mais de 30 dias de trabalho. Foi em etapas. Eu ia, coletava os dados, fazia copilação, cruzava com os dados que a gente tinha, e depois voltava. Na região do pólo dos Carajas, que é entre Marabá, no Pará, e Imperatriz, no Maranhão. E aí, entrando ali na região de Nova Ipixuna, lá onde mataram o Zé Cláudio, lá foi o primeiro lugar que eu visitei. Porque lá tem uma grande quantidade de carvoarias clandestinas fornecendo carvão para as siderúrgicas.
Chegou a travar contato com o Zé Cláudio?
Não conversei com ele. Na época que eu estive lá, eu não procurei ele, porque eu tinha já uma pauta definida. Tinha já os endereços onde eu ia, as carvoarias onde eu ia. Muito da minha motivação para eu ir até lá foi de ter ouvido o Zé Cláudio falando que lá era uma região muito complicada. Tem algumas palestras dele, inclusive disponível na internet. Então a partir dessas palestras eu pensei: ‘ali é um lugar que eu preciso ir de todo jeito’.
Como você vê a chegada da Vale à região?
A Vale tem uma história de responsabilidade social e empresarial que deve ser levada em conta. Ela tem um poder enorme de influência sobre o governo, sobre outras empresas e tal. A Vale assinou em 2008 um acordo com o Ministério Público que não iria mais fornecer minério de ferro para as emresas ligadas ao desmatamento. Com essa pesquisa eu conversei com a Vale e a Vale me disse que vai apurar. Eu acho bacana a Vale apurar e ela se colocar diante disso. Ou seja, como ela vê essa questão, e como é que ela vai se posicionar depois do lançamento da pesquisa. Porque ela disse “a gente não tem dados suficientes, a pesquisa ainda não foi lançada, mas de imediato eu posso garantir que nós vamos apurar”. É o que eu espero, que a Vale tome a postura correta, pelo tamanho que ela tem, pela influência nacional e internacional.
Aquela é uma região que tem tido um boom populacional. Isso piora a situação?
Não sei se piora. Precisaria fazer um estudo. Se elas forem para lá e tiverem um emprego qualificado, trabalhando para uma indústria responsável do ponto de vista socio-ambiental, eu acho que é ótimo. Quanto mais gente melhor. A mesma coisa acontece lá em Altamira. Altamira é uma cidadezinha linda de morrer. E que agora vai ficar oito vezes maior por causa de Belo Monte. Que impacto isso vai causar? Vai ter um impacto enorme. A cidade não vai mais ser a mesma. As pessoas lá dormem de porta aberta. Vai chegar lá pesado o tráfico de drogas, a exploração sexual infantil, que isso sempre chega com as grandes obras se você não tem uma ação social paralela. No polo de Carajár, o que falta ali é formação, as pessoas não tem formação. Elas não estão preparadas para o mercado de trabalho não predatório. Elas foram criadas para devastar a floresta. Claro, tem os grupos que vivem e interagem, são aquelas comunidades mais tradicionais, que aprenderam a conviver com a natureza, como as populações indígenas e as comunidades extrativistas. Agora, os caras que estão chegando lá, do Maranhão, que desce lá pra Marabá e tal, eles sabem operar motosserra, derrubar árvore, plantar área para pasto. E eles ganham uma merreca quando ganham alguma coisa.
A legalidade quebraria as siderúrgicas?
Se hoje você parar de usar madeira do desmatamento e do trabalho escravo, o setor siderúrgico entra em colapso. Da região da Amazônia. O desafio é brutal. Como produzir aço sem destruir o planeta? É possível? É totalmente possível.
Como se faz isso?
No caso do carvão você tem que usar a floresta plantada. Tem que plantar eucalipto para fazer carvão. Por que isso não acontece se é tão simples assim? Porque o preço do carvão de eucalipto plantado é dez vezes mais caro que o da Mata Nativa retirado ilegalmente.
Mas é o mesmo carvão que gera um aço de melhor qualidade?
Exatamente. Continua sendo o carvão vegetal. O eucalipto demora mais para crescer e é mais caro. O valor da natureza não está sendo levado em conta. A árvore já está lá prontinha para ser abatida. Então você paga um cara para abater a árvore e você gasta uma merreca e você tem o carvão rapidamente, um carvão de ótima qualidade. Já faz logo um pasto, já bota um gado. As empresas precisam levar em conta o valor da natureza. A natureza não é das empresas. A natureza é da humanidade, é da população, é do povo. Não pode privatizar os recursos naturais desse jeito predatório. Não tem pé nem cabeça, é uma coisa medieval, uma coisa de príncipes encastelados com seu vassalos lá no vale plantando para eles viverem.
E o financiamento público de empresas, que você cita no estudo?
O MPF está acusando o BNDES e o BB de emprestarem dinheiro para as empresas que estão devastando a floresta, usando trabalho escravo na cadeia produtiva. É um exemplo do Estado cúmplice do processo predatório. No meu entender não pode. O Estado e as empresas públicas, e os bancos públicos eles não podem financiar a devastação ambiental, é absolutamente inaceitável você ter o BB e o BNDES financiando trabalho escravo. Não pode acontecer, de forma alguma. Precisa mudar, precisa ficar mais atento. E precisa aprovar a PEC do trabalho escravo.
E o que é possível fazer no caso do Pará? Vem de vários governos, passou pelo Jatene, Ana Júlia, voltou para o Jatene…
É muito poder, é muita grana. Eles controlam, eles dominam a região. Eles mandam e desmandam. E aí você tem desde a influência econômica dos altos escalões, a compra, a corrupção e na linha de frente, na linha mais baixa, você tem a pistolagem. Ou seja, ou você se enquadra ou nós vamos passar fogo mesmo. É tudo o mesmo esquema, é tudo o mesmo negócio. Seja a alta corrupção, o crime do colarinho branco, ou a pistolagem, é tudo para beneficiar os esquemas de devastação ambiental.
O principal negócio a se beneficiar disso tudo é o aço?
No caso do carvão é o aço. Agora, você tem a madeira, por exemplo, e aí você tem a indústria da construção civil. E aí você tem as grandes incorporações imobiliárias. A cidade de São Paulo está calçada na devastação da Amazônia. Esses prédios novos que estão sendo erguidos é com madeira ilegal. 60% da madeira usada na construção civil aqui em São Paulo é madeira do desmatamento ilegal.
E usa o mesmo esquema do carvão?
Lavagem. É o mesmo esquema do carvão. O princípio é o mesmo e as quadrilhas são as mesmas. Só que a madeira de melhor qualidade vem para cá, para móveis, pisos e construção civil e o que sobra vai para o carvão. (As madeireiras ilegais) entregam para a madeireira legal e aquela madeireira legal vai distribuindo. Mas para que isso aconteça a madeireira precisa ter o documento dessa madeira. E esse documento é fornecido pelos esquemas de corrupção do governo do Estado. O documento que acompanha essa madeira é forjado. E só é possível isso porque você tem a corrupção do governo do Estado. Carimba a madeira ilegal com uma maquiagem de madeira legal. A pecuária também se beneficia porque você limpa as áreas, são as mesmas quadrilhas também. Que se beneficiam das áreas. E aí a carne também está contaminada. E os frigoríficos usam a madeira para as caldeiras. E não é o povo da Amazônia que se beneficia. São grandes corporações industriais que não valorizam o preço da natureza. Depredando o planeta em nome de interesses mesquinhos.
Como por exemplo as siderúrgicas americanas?As siderúrgicas daqui que financiam as carvoarias e as carvoarias fazem o serviço sujo.
Quem está em cima?Quem está em cima são as grandes tradings de aço globais. E você tem as montadoras. A Nissan, a Toyota… Elas estão envolvidas, estão comprando esse produto. Não é uma acusação que a gente está fazendo, é um alerta. Essas empresas financiam a devastação da Amazônia. À medida que elas compram de siderúrgicas que se beneficiam do trabalho escravo e da devastação, elas financiam uma cadeia produtiva perversa. Se elas levassem em conta seus próprios estatutos, não poderiam comprar. Elas têm responsabilidade, elas não têm culpa. O que o estudo está fazendo é responsabilizar as grandes tradings de aço e as grandes montadoras por comprarem o aço feito com carvão ilegal.
Essas empresas tem responsabilidade e culpa quem tem?O governo do Estado do Pará e as siderúrgicas do pólo de Carajás. Essas têm culpa criminal.
Quem são os políticos que se beneficiam?
Uma das quadrilhas é liderada pelo vice-prefeito de Anapu, Laudelino Délio Fernandes Neto. Ele está envolvido na morte da irmã Dorothy Stang, e é um dos chefes da quadrilha. Desviou no ano passado um milhão de m³ de carvão. Usou 33 empresas de fachada para abastecer as siderúrgicas com carvão do desmatamento. Aí você vai ver as associações. Quem é o Délio? O Délio é o principal sócio do Jader Barbalho na máfia da Sudam, naquele mega-desvio de R$ 270 milhões, em uma investigação que está engavetada porque envolve gente muito poderosa. Então o alto escalão da política paraense está envolvido.
O que você acha do novo Código Florestal?
Se for aprovado da forma como está, vai ser uma brutal contribuição para os crimes ambientais que acontecem na região.
A anistia é para essa gente?
É para essa gente. O governo federal vai perder o poder que tem hoje de fiscalização. As atribuições do Estado vão aumentar. O poder de corrupção vai aumentar. O poder público estadual está totalmente corrompido, os caras vão deitar e rolar. E com a anistia então… Tem carvoaria com mais de R$ 400 milhões em multa.
Se for aplicar isso aí, quebra.
Quebra. Mas ela não pode funcionar. Não tem condições de continuar funcionando. Totalmente ilegal. Figueiredo Magalhães, por exemplo, fornece para a Tramontina. Essa empresa tem quase R$ 400 milhões em multa e ela já foi embargada várias vezes e continua operando. Por que continua operando? Porque tem costas quentes na política local. Financia campanha, elege prefeitos.