CentĂmetro a centĂmetro, os gigantescos painĂ©is que compõem Guerra e Paz, de Candido Portinari, voltam a ganhar tons originais. Com pincĂ©is, tubos de ensaio e um microscĂ³pio eletrĂ´nico, restauradores tentam reverter no Rio efeitos da exposiĂ§Ă£o ao sol, desgastes provocados por um pigmento misterioso e atĂ© respingos de coquetĂ©is servidos na sede da ONU, em Nova York, onde a obra ficou por 54 anos.
SerĂ£o necessĂ¡rios quatro meses para a recuperaĂ§Ă£o minuciosa das 28 peças que compõem os murais, de 140 m² cada. No ateliĂª montado no PalĂ¡cio Gustavo Capanema, aberto Ă visitaĂ§Ă£o atĂ© 20 de maio, o pĂºblico poderĂ¡ ver de perto um trabalho que envolve anĂ¡lises quĂmicas, soluções tecnolĂ³gicas e tĂ©cnicas aparentemente rudimentares, como o uso de esponjas para limpeza.
Para calcular com precisĂ£o os danos provocados aos painĂ©is desde sua conclusĂ£o, em 1956, os restauradores identificaram atĂ© a posiĂ§Ă£o das janelas do prĂ©dio das Nações Unidas. E descobriram que placas inferiores de Paz sofreram desgaste maior, pois o mural estava voltado para sudoeste e foi bombardeado por anos pela luz do pĂ´r do sol. "O pigmento branco que Portinari usou reagia com facilidade Ă luz, o que deixou algumas Ă¡reas do painel esbranquiçadas", diz Edson Motta JĂºnior, um dos coordenadores da restauraĂ§Ă£o.
Apenas 5% de Guerra e Paz sofreu com esse fenĂ´meno, mas a equipe vai fotografar cada ponto danificado com um microscĂ³pio digital e aplicar resina para devolver a cor original Ă obra.
Outra particularidade do material usado por Portinari intriga restauradores. Eles enviaram amostras a laboratĂ³rio da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para tentar entender como, apĂ³s cinco dĂ©cadas, algumas tintas nĂ£o estĂ£o completamente secas. A textura viscosa facilitou acĂºmulo de poeira e consequente alteraĂ§Ă£o das cores, que serĂ¡ corrigida com esponjas que absorvem impurezas. "De modo geral, os painĂ©is estĂ£o em Ă³timo estado. Encontramos apenas problemas pontuais, que serĂ£o corrigidos com o menor nĂºmero possĂvel de intervenções", afirma o restaurador Claudio ValĂ©rio Teixeira.
A restauraĂ§Ă£o dos imponentes murais exigiu que eles fossem totalmente desmontados. Os painĂ©is sĂ³ voltarĂ£o a ser vistos novamente como uma Ăºnica obra a partir de julho, em SĂ£o Paulo, na primeira exibiĂ§Ă£o mundial de Guerra e Paz apĂ³s sua recuperaĂ§Ă£o. JoĂ£o Candido Portinari, filho do artista, negocia patrocĂnio para exposiĂ§Ă£o de dois meses na Oca, no Ibirapuera.
Quando voltar Ă ONU, em 2013, os painĂ©is de Guerra e Paz estarĂ£o cobertos por um verniz que reduzirĂ¡ desgastes por luz e poluiĂ§Ă£o. Restauradores tambĂ©m recomendarĂ£o uso de pelĂculas nas janelas do prĂ©dio.