segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Entrevista - 'Vitória Grabois: o PCdoB desapareceu nas selvas do Araguaia'

Diante das denúncias de corrupção vinculadas ao PCdoB, Victória Grabois constata que as convicções políticas defendidas por sua família acabaram esquecidas. Na Guerrilha do Araguaia, ela perdeu o pai, Maurício Grabois, o irmão, André Grabois, e o marido, Gilberto Olímpio, ex-combatentes que ainda hoje são considerados desaparecidos.

A senhora assistiu ao programa do PCdoB?

Assisti e fiquei indignada. Não posso admitir que usem a imagem do meu pai, um grande comunista, que deu a vida a esse partido por suas convicções políticas e ideológicas. Ele foi perseguido, cassado, e desapareceu com seus companheiros. Os fatos que hoje atingem o partido são lamentáveis e não podem estar vinculados a esses valorosos dirigentes. Se meu pai estivesse vivo, ficaria envergonhado com o que virou o PCdoB.

A senhora se refere ao noticiário envolvendo o Ministério do Esporte?

Sim. São estarrecedoras as notícias divulgadas pela imprensa sobre o envolvimento do PCdoB em escândalos de corrupção. Sinto-me mal com isso tudo. Antigamente não era assim. Afirmo sem medo de errar: o PCdoB desapareceu nas selvas do Araguaia.

Além de citar Maurício Grabois, o partido usou também imagens de outros comunistas ilustres, como Prestes, Olga Benário, Jorge Amado, Oscar Niemeyer...

O partido está usando a história das pessoas, que atuaram de forma digna, para responder a acusações de corrupção. Nessa hora, lembram desses nomes. Mas só posso falar pelo meu pai.

Como vivia um dirigente do PCdoB naquela época?

Minha família tinha uma vida espartana. Morava num apartamento de quarto e sala em Niterói. Tudo o que meu pai ganhava, inclusive como deputado constituinte (em 1945), era destinado ao partido. Não ficávamos com um tostão.

A senhora já foi filiada ao PCdoB?

Fui, até cinco anos depois que voltei da clandestinidade, em 1980. Depois saí, não aguentei mais. Li que o partido tem mais de cem mil filiados. Hoje aceitam qualquer um. No passado, a pessoa precisava ter vínculo ideológico para conseguir a filiação. (G1)


Jamais comprarão o povo

Vitória Grabois


Vitória Grabois, filha do comandante-chefe da Guerrilha do Araguaia

Eu falei para o Nilmário que queria os arquivos abertos no meio da rua, na Praça da Sé, no Aterro do Flamengo, na Praça da Liberdade, na Rua da Praia, em Porto Alegre. Eu não quero a informação só para mim, eu não vou guardar segredo. Disseram que vão mandar alguma coisa para o Arquivo Nacional e vão chamar os familiares. O Genuíno — me admira ele — toda hora só fala das famílias:

As famílias têm direito — é o máximo que ele diz!

Sou filha do comandante-chefe da Guerrilha do Araguaia e passei 16 anos na clandestinidade. Guardei segredos demais e vou falar sim, após a abertura dos arquivos, que já foi um compromisso firmado publicamente por mim. Na clandestinidade eu era funcionária pública do Estado de São Paulo, eu dava aula e me chamava Teresa. Eles são uns cínicos, o José Viegas esteve aqui e disse que os arquivos estavam queimados. Como é que agora aparecem arquivos? O comandante da Aeronáutica diz que não tem arquivos que foi tudo queimado no incêndio do aeroporto Santos Dumont. Alguém vai guardar arquivos num aeroporto daquele tamanhinho; tendo ali do lado o III Conar. Será que ali não tinha espaço para guardar? E, no dia seguinte, pilhas de arquivos queimados na base aérea de Salvador! Só pode ser brincadeira! Acham que o povo brasileiro é idiota.

Se a gente continuar fazendo pressão, outros podem abrir e colocar fogo. Acredito, também, que eles colocam fogo em documentos que já possuem cópia. O DOPS de Porto Alegre, por exemplo, queimou em praça pública vários documentos que estavam todos microfilmados. Eles não são bobos, aquilo foi uma encenação para mostrar que os documentos estão sendo queimados. Vão denunciar soldados e cabos, mas o comandante, que mandou queimar, vai ser inocentado. Não é de agora que exigimos que sejam punidos estes comandantes.

A resistência em abrir os arquivos do período da gerência militar é o maior indício de que o aparelho repressivo militar não foi desmontado.

Toda violência que vemos hoje é mantida por este aparato que veio da ditadura militar. Agora a questão do Araguaia é judicial, foi isso que eu falei para o Nilmário:

— Se o governo Lula não cumprir com que o desembargador do Tribunal Superior de Justiça decretou, então vamos queimar a Constituição. E o próprio desembargador afirmou que o governo não deveria ter recorrido da sentença da juíza e deveria ter aberto, ainda ano passado. Esta declaração foi publicado no O Globo. Então, isto é o mínimo para a questão do Araguaia que é singular e tem uma ação judicial.

Eles têm que abrir os arquivos para responder aos 22 autores daquela ação judicial. E mais, chamar para depor os militares de alta patente, pois o único general vivo é o Passarinho. Por que esta comissão especial (Comissão Especial da Lei 9140/95 do Ministério da Justiça), que também foi feita para ouvir, nunca mandou chamar ninguém para depor? E nós mandamos listas e listas de militares para irem à Comissão, depor. Mas sabe o que eles comunicavam para a gente? Que a comissão não tinha poder de justiça e nem de polícia.

Eles achavam que, dando uma reparação, os familiares iriam ficar quietos. Muito pelo contrário, esses familiares não tinham dinheiro, eram de classe média e este dinheiro de muitos que eram militantes políticos está servindo para se mobilizarem mais, viajarem para fazer as denúncias e cobrarem. Antes, tínhamos que nos humilhar em Brasília, na Assembléia Legislativa pedindo passagem a deputado e agora estamos utilizando o nosso dinheiro para financiar a nossa luta. Não há dinheiro que pague uma vida, mas eu peguei para isso. Minha mãe não quis receber porque dizia que não iria receber aquele arroz amargo. É direito de cada um.

No Brasil tem muito de oportunismo. O governo, pela "governabilidade", deve ter feito acordo com os militares. Ele fez acordo com a burguesia e com o capital financeiro para se manter no cargo. Agora, o que me admira são companheiros que estiveram do nosso lado, que foram presos, torturados, que foram exilados, participaram da luta armada, seja na cidade ou no campo, compactuarem com isso. E nos tratar como tratavam os ministros do Sarney, do Itamar Franco, do Fernando Henrique. Primeiro foi uma postura de empurra e, depois, de distanciamento, porque quando a juíza deu a sentença nós fomos a Brasília para pedir para o governo não recorrer. Nós fomos ao Nilmário e ele dizia que era com o Ministro da Justiça. Íamos no ministro da Justiça e ele dizia que não era com ele; era com o advogado geral da União. Este último também dizia que não era com ele, mas com o "núcleo forte do governo". E nós perguntamos quem era esse núcleo forte. Ele nos disse que era o José Dirceu. Enfim, fomos até o José Dirceu e ele nos repetiu que não era com ele, era com o Lula. Foi aí que pedimos a ele uma entrevista com o Lula e veio uma resposta que o Lula não podia nos receber porque a agenda dele estava muito apertada e no dia seguinte ele ia para o Peru.

Que postura eles assumiram? O Pinaud não aceitou. Ele teve caráter.

Eu acho que eles não agem pela governabilidade, por medo de um golpe, acho também que não tem clima na América Latina, e nem no mundo, de um golpe no Brasil. Posso até estar enganada, mas acho que não há clima. "E também é bom estar no poder..."

Nas forças armadas os acordos são feitos à portas fechadas. O que seriam esses acordos secretos? Eu acho o seguinte: as classes dominantes brasileiras, que você inclui ai também os militares, são muito atrasadas. O Brasil é um país escravocrata, vivemos mais de 300 anos na escravidão. Na República, quantas ditaduras nós já tivemos neste meio tempo? Todo mundo esquece de Getúlio, todo mundo fala das atrocidades do regime militar, mas o governo Vargas também torturou e matou, só que o governo Vargas torturou e matou os comunistas e a ditadura, além de ter torturado e matado os comunistas, extrapolou também com os democratas. Aí a coisa foi mais ampla e a maioria que morreu no período de Getúlio eram operários, era gente da classe operária.

Dessa vez, atingiu também a classe média, que é "fazedora de opinião": teve filho de almirante, de coronel, de general, que morreu; foram assassinados e que são desaparecidos políticos, até hoje. Já o Lula nunca foi comunista, ele foi sindicalista, e nunca foi um oponente. (A Nova Democracia)


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