terça-feira, 13 de setembro de 2011

Em meio a crise na Europa a China vai as compras ...

O presidente do conselho da maior empresa de alimentos da China foi direto. "Precisamos comprar uma das três maiores empresas europeias de alimentos", disse Wang Zong Nan a dois consultores num brunch dominical num hotel Sheraton no centro de Bruxelas.

Wang, presidente do conselho da Bright Food Group, está entre os líderes empresariais chineses à caça de empresas europeias. Suas ambições, encorajadas pelo governo em Pequim, têm o potencial de mudar os contornos do comércio e dos fluxos de investimento mundiais nos próximos anos e já cria nervosismo na União Europeia.

O país que mais exporta no mundo acumulou US$ 2,7 trilhões em poupança doméstica agregada até o fim de 2009, um cofrinho que deve aumentar seis vezes até 2020, segundo o Banco Mundial. Especialistas preveem um forte aumento das aquisições internacionais por parte de empresas chinesas ao longo da década. Um plano de cinco anos que o governo chinês aprovou em março prevê o estabelecimento de "redes de vendas e marcas internacionais".

O investimento das empresas chinesas em negócios europeus, que totalizou apenas US$ 853 milhões em 2003-05, subiu para US$ 43,9 bilhões entre 2008 e 2010, de acordo com a Dealogic, uma consultoria londrina. O aumento deu às empresas chinesas o controle de 118 empresas européias.

Na mais recente transação, a fabricante de computadores Lenovo Group Ltd. fechou acordo na semana passada para adquirir 37% da Medion AG, uma empresa alemã de computadores e outros eletrônicos, e vai fazer uma oferta pública por mais ações para obter o controle.

Enquanto alguns dos negócios ganham destaque, como a compra no ano passado da montadora de carros Volvo, que era da Ford Motor Co., pela Zhejiang Geely Holding Group, as empresas chinesas também adquiriram discretamente o controle de mais de cem empresas europeias menores, de uma fabricante de cigarros checa e uma farmacêutica holandesa. A frequência dessas aquisições está aumentando.

Thilo Hanemann, diretor de pesquisa da consultoria nova-iorquina Rhodium Group, prevê que as empresas chinesas investirão mais de US$ 1 trilhão até 2020 e diz que, além de seu conhecido interesse em recursos naturais, as empresas chinesas "estão cada vez mais buscando oportunidades em mercados maduros".

Isso faz da UE um foco. Com milhares de fabricantes e comerciantes de produtos que vão de carros a vidro — num mercado de 27 países que é o mais rico do mundo em produção econômica —, a Europa tornou-se silenciosamente o principal alvo para fusões e aquisições da China. Um terço de 3.000 grandes empresas chinesas consultadas numa pesquisa de 2009 do governo afirmou que tinha investido em países da UE, em comparação com 28% que citaram os Estados Unidos.

Na maior parte, o investimento chinês tem sido bem recebido na Europa como fonte de capital, mas em alguns lugares fez eclodir tensões. O comissário da indústria da UE, Antonio Tajani, e algumas autoridades de países do sul como Espanha, Itália e França dizem temer que as empresas chinesas estejam comprando as europeias para tirar a tecnologia delas.

Um motivo que os líderes empresariais chineses citam para preferir a Europa é que, diferentemente dos EUA, onde o Comitê de Investimento Estrangeiro pode impedir transações com base em argumentos de segurança nacional, as autoridades europeias não podem interferir no dinheiro que entra para a compra de empresas.

"Há centenas de empresas atraentes [na Europa] e há menos sensibilidade em questões de segurança nacional comparada aos EUA e outras economias", diz Hanemann.

Um negócio feito anos atrás acabou rendendo um casamento atribulado. A chinesa Qianjing Group adquiriu a fabricante italiana de motocicletas Benelli do Gruppo Merloni. Com vendas em queda, a diretoria chinesa decidiu fazer com que os trabalhadores italianos cumprissem jornadas de meio-período.

De acordo com uma reportagem de uma revista chamada "Motocross Action", um diretor da Qianjing na China disse que a Benelli era prejudicada pela "forte burocracia italiana, o complicado sistema de obter várias permissões e processos empresariais caóticos".

O diretor-presidente da Benelli, Pierluigi Marconi, pediu demissão em meados do ano passado — em protesto, segundo pessoas a par da questão. Ele disse a uma revista de motocicletas chamada "AMCN" que as mudanças que a empresa precisava fazer levavam tempo, "mas o mercado não vai esperar por você, e tem sido difícil explicar isso aos chineses".

Marconi não respondeu a um pedido de comentários, e um representante da Qianjing se negou a comentar.

O investimento chinês é tema de intenso debate na UE, com opiniões diferentes sobre se ele é positivo ou negativo. O comissário da indústria Tajani está particularmente ciente do poder comercial e de investimento da China e está entre os preocupados com a perda de tecnologia. Ele gostaria de dar poder à UE para impedir investimentos e sugeriu a criação de uma versão europeia do Comitê de Investimento Estrangeiro dos EUA.

"A hora de preparar sua casa para um incêndio é antes de ela pegar fogo", diz Tajani. "Queremos nos assegurar de que sabemos quem está investindo na Europa, e por quê."

Tajani se pronunciou contra uma transação chinesa delicada no fim do ano passado. Uma fabricante italiana de cabos de fibra óptica havia fechado acordo para adquirir uma rival holandesa por US$ 1 bilhão. Executivos da empresa italiana, a milanesa Prysmian SpA, celebraram com champanhe. Mas uma semana depois, do nada, surgiu uma empresa chinesa afirmando que poderia pagar US$ 1,3 bilhão pela firma holandesa.

"Ficamos chocados", diz Lorenzo Caruso, o diretor de marketing da empresa italiana.

Suspeitando que a empresa chinesa, a Tianjin Xinmao S&T Investment Corp., poderia fazer uma oferta daquelas apenas com a ajuda do governo chinês, a Prysmian contra-atacou. Seus diretores contraram uma firma de lobby, deram entrevistas expressando suas suspeitas e recorreram à Comissão Europeia em Bruxelas.

Tajani e outras autoridades da UE estavam preocupados porque a empresa holandesa, chamada Draka Holding NV, tinha uma subsidiária que fornecia cabos de fibra óptica a várias forças armadas ocidentais, entre elas a marinha americana. Eles ameaçaram bloquear a compra chinesa, embora não estivesse claro como poderia fazê-lo, já que o governo holandês não se opunha a ela e a UE não têm um comitê que possa analisar aquisições sob argumentos de segurança nacional.

De todo modo, a pressão acabou sendo demais para a empresa chinesa. Ela abandonou sua oferta, citando um problema com o tempo para obter aprovação do governo chinês.

O setor de alimentos pode não parecer tão estratégico quanto o de fibra óptica, mas o governo chinês o identificou como uma área na qual as empresas do país devem adquirir tecnologias e procurar tornarem-se mais eficientes. A Bright Food, de Xangai, teve receita equivalente a US$ 7 bilhões no ano passado e quer dobrá-la até 2015.

"Não há tantas alternativas para conseguir isso que não seja por meio de aquisição", diz Chen Gang, um analista do setor de alimentos e bebidas da corretora Sinolink Securities em Xangai. Ele diz que a Bright Food está interessada em comprar empresas e manter as diretorias delas "porque não tem muita experiência em administrar empresas internacionais". A Bright Food concordou com essa análise.

Para fazer negócio na Europa, a Bright Food recorreu a Yufang Guo, um consultor em Roterdã que diz ter cerca de cem clientes chineses interessados em comprar operações na Europa Ocidental.

Para seduzir os vendedores, diz Guo, as empresas chinesas usam os argumentos de que têm capital de sobra para investir, podem oferecer um mercado consumidor maior e manterão as diretorias.

Guo, um filho de professores da China rural, foi para a Europa como estudante de pós-graduação 25 anos atrás e ficou para estudar direito. Depois de trabalhar para grandes firmas de auditoria, criou seu próprio negócio prestando serviços como contabilidade tributária e tradução.

Num dia de fevereiro, Wang, da Bright Food, voou a Bruxelas com dois colegas, Ji Lu Qing e Tang Zhi Jian, e foi ao Sheraton para um brunch com Guo. Servindo-se de fruta, café e ovos, Wang descreveu suas ambições a Guo e a um advogado europeu de investimento e comércio, Laurent Ruessmann, permitindo que um repórter estivesse presente.

O que eles buscavam, disseram os executivos chineses, eram empresas europeias ricas em marcas e tecnologia. Eles queriam comprar uma participação majoritária.

Um exemplo citado por Wang: "Empresas belgas e italianas de chocolate. Mas conseguir que vendam é difícil. São familiares e querem continuar sendo."

Empresas europeias de nicho são atraentes para as chinesas porque costumam ter marcas familiares e bastante know-how.

Guo e Ruessmann explicaram a seus visitantes chineses que a Europa é dividida em muitos mercados. "Cuidado se for tentar comprar algo que seja muito conhecido", aconselhou Ruessmann. "Há sensibilidades na Europa, como na China ou em qualquer lugar, quanto a grandes aquisições por empresas estrangeiras."

Ele advertiu os visitantes que poderiam encontrar alguma oposição a uma aquisição chinesa. "As empresas europeias antecipam uma onda de investimento chinês e, se ouvirem que o comprador é uma empresa chinesa, podem tentar obter mais", disse. "O preço automaticamente sobe."

A resistência ficou evidente para os executivos chineses pouco tempo mais tarde. Depois da reunião em Bruxelas, Wang foi a Paris. Logo fez uma oferta por uma participação de 50% da fabricante francesa de iogurtes Yoplait, pertencente à cooperativa Sodiaal.

Mas havia outros candidatos à compra, e a americana General Mills Inc. venceu com uma oferta de US$ 1,1 bilhão. Ainda que a oferta da Bright Food fosse maior, o governo francês avalizou o acordo com a General Mills.

"O governo reafirma sua preocupação com a preservação de empregos e o futuro da indústria de laticínios na França", disse o ministro francês da Agricultura, Bruno Le Maire, num comunicado.

A Bright Food não desiste. "Não temos planos de mudar nossa estratégia para expansão internacional", disse seu presidente, Cao Shumin, ao jornal "Shanghai Daily".





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