terça-feira, 29 de março de 2011

Senado: nada mudou, nem a Diretoria de Garagem


Senado evita corte e mantém mais de 200 diretores

Depois de duas reformas prometidas e de estudos que custaram R$ 1,5 milhão, a estrutura de diretorias da Casa presidida por José Sarney permanece praticamente a mesma. Só quatro órgãos foram extintos

As promessas de enxugamento da estrutura administrativa do Senado feitas por Sarney até agora não saíram do papel

Em 2009, a série de denúncias que culminou com a descoberta dos atos secretos explicitou as profundas distorções administrativas do Senado Federal. Máquina inchada, privilégios, altos salários, diretorias e outras estruturas que não pareciam fazer sentido. Pressionado pela série de denúncias, a ponto de ver seriamente abalada a sua própria permanência na Presidência do Senado, José Sarney (PMDB-AP) prometeu uma série de providências para enxugar, racionalizar e tornar transparente a estrutura da Casa. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) chegou a ser contratada por R$ 1,5 milhão para fazer estudos da situação e propor as mudanças.

Quase dois anos depois, o Congresso em Foco constata: nada mudou. Até as diretorias que na época das denúncias foram motivos de piadas permanecem. Caso da famosa Diretoria de Garagem, formalmente batizada de "Coordenação de Administração de Residências". Ou a Diretoria de Check-in de Aeroporto, que tem o nome oficial de "Coordenação de Apoio Aeroportuário".

É a segunda vez depois das denúncias e das promessas que o Congresso em Foco verifica o que efetivamente foi feito por Sarney para enxugar a máquina do Senado. Em 30 de julho de 2010, uma reportagem publicada por este site demonstrou a omissão da cúpula administrativa do Senado em relação ao inchaço de sua própria estrutura funcional. A Casa, que chocou a opinião pública ao admitir a existência de 180 diretorias, com a promessa de enxugar tal estrutura, tinha mantido 214 postos de diretoria.

Mas, se a promessa de extinção de departamentos e redução de despesas não foi cumprida àquela época, nada mudou até a publicação desta nova reportagem: quase dois anos depois de denúncias diversas que culminaram com o caso dos atos secretos, em 2009, os mesmos postos de chefia permanecem intocados. Inclusive as exóticas diretorias mencionadas acima. O que houve, sem implicar diminuição de gastos, foi um procedimento meramente burocrático – o deslocamento de servidores de uma função para outra, sem ônus salarial para os “chefes” em questão.

O que aconteceu com os 50 diretores que deveriam ter sido exonerados?

Todos os cargos de diretoria do Senado

Entre as dezenas de órgãos que seriam atingidos, somente quatro foram de fato extintos: as subsecretarias de Planejamento e Execução de Convênios e de Apoio Técnico; e as coordenações de Análise de Notícias e de Pesquisas e Apoio Técnico. Também foi extinta a função de diretor-adjunto do Instituto Legislativo Brasileiro (ILB).

A relação dos 214 servidores que ocupam postos de direção ou equivalentes é composta por funcionários que recebem as mais elevadas funções comissionadas (FC 8, FC 9 e FC 10). Isso significa que, além do salário, advogados ou consultores com função de chefia, por exemplo, podem receber até R$ 10.642,39 a mais apenas para exercer a função. O Senado ressalta que nem todos são diretores “formais”, porque não têm autonomia, subordinados ou orçamento próprio à disposição.

Os cortes anunciados pelo Senado em 2009 atingiriam diretorias de “menor conteúdo de competência”, e resultariam numa economia mensal de R$ 400 mil aos cofres públicos. Se todos esses cargos tivessem sido eliminados, conforme foi anunciado, a Casa teria economizado mais de R$ 10 milhões desde 2009. Principal braço do Legislativo federal, o Senado é refém de uma estrutura gigantesca de cerca de 10 mil servidores (entre efetivos, comissionados, terceirizados, aposentados e pensionistas), cujo orçamento se aproxima de R$ 3 bilhões ao ano.

Estudo de R$ 1,5 milhão

A trajetória legislativa do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), confunde-se com a da instituição. Pela quarta vez não consecutiva no comando da Casa – o único político a realizar tal feito –, Sarney foi o responsável pela nomeação de quase todos os personagens que vieram à tona a partir de 2009. E que, na condição de “intocáveis” da cúpula, respondiam pelos mais variados desmandos administrativos que foram denunciados pela imprensa.

As sucessivas denúncias quase levaram Sarney à bancarrota política. A estratégia de salvamento teve direito a 11 arquivamentos de denúncia contra o senador no Conselho de Ética, ausência em sessões deliberativas e discurso na tribuna com uso de recurso audiovisual – quando, diante de um plenário lotado, Sarney se defendeu de cada uma das acusações e disse que a crise do Senado não era culpa dele.

Dois estudos de reestruturação administrativa foram encomendados pelo Senado à Fundação Getúlio Vargas (FGV) – ao custo de R$ 750 mil cada, pagos com dinheiro público entre 2009 e 2010. Uma série de alterações estruturais e procedimentos de redução de gastos foi proposta pela fundação, mas quase nada foi aproveitado. Uma das orientações dava conta de que, ao invés das dezenas de diretorias atuais, apenas quatro seriam suficientes para o bom funcionamento dos trabalhos legislativos.

Tal número soa como utopia para a “cidade funcional” do Senado. Basta uma consulta às 14 páginas que a Casa registrou em seu Portal da Transparência, com o quadro de servidores e a estrutura remuneratória. Apenas na página 6 (quadro de cargos comissionados), por exemplo, é possível detectar 11 funções de direção: chefe de gabinete do presidente; chefe do cerimonial da Presidência; coordenador; diretor-adjunto; diretor de secretaria; coordenador-adjunto – assessor de planejamento e modernização administrativa; diretor de subsecretaria; diretor-executivo do ILB; vice-reitor da Unilegis; e diretor de jornalismo.

Promessas (ainda) não cumpridas

No dia 10 de fevereiro, Sarney convocou uma entrevista coletiva para dizer que, agora, a reforma administrativa do Senado sairia do papel.

Era o novo capítulo de um processo que se arrasta desde 2009. A proposta de reforma administrativa do Senado está encalhada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em junho de 2009, no calor da crise, um grupo de senadores chegou a apresentar em plenário uma “lista de providências” de alteração da superestrutura. Em seguida, uma subcomissão foi criada na CCJ para atender às demandas daquele grupo. Mas, depois de meses de intenções, idas e vindas, nada ficou resolvido.

Designado relator da reforma no colegiado, o então senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) não conseguiu se reeleger em 2010, mas chegou a apresentar um relatório de recomendações que incluía enxugamento da estrutura funcional e redução de despesas. Nenhuma providência efetiva foi executada. “Por minha vontade, ela [a reforma] já teria sido votada e implementada”, declarou Sarney, o presidente do Senado.

Diretorias não, cargos de direção

A Secretaria Especial de Comunicação Social (SECS) do Senado prefere não classificar como diretorias os cargos de direção – que, apesar de em alguns casos não concederem remuneração de chefia, garantem ao titular prerrogativas diversas, como direito a vaga na garagem e gabinete particular. A secretaria confirma que a atual situação da estrutura do Senado é a mesma descrita na reportagem anterior do Congresso em Foco.

Para a SECS, os números referentes a diretorias e postos de chefia são os mesmos no entendimento de técnicos e membros da subcomissão, e diferem em muito do que foi amplamente noticiado nos principais veículos de comunicação do país.

Segundo a SECS, a contradição dos números foi evidenciada na mais recente reunião da subcomissão temporária criada na CCJ, em 17 de março – justamente para tentar, pela terceira vez, executar a reforma (Projeto de Resolução do Senado 96/2009). Realizada no último dia 22, a audiência contou com a presença de relator e presidente do colegiado – Ricardo Ferraço (PMDB-ES) e Eduardo Suplicy (PT-SP), respectivamente –, do agora ex-senador Tasso Jereissati e do professor Marcus Vinícius Rodrigues, coordenador de elaboração de projetos da FGV.

Na ocasião, o professor disse que os técnicos da FGV tiveram dificuldade em entender o organograma do Senado. “Depois de um levantamento, chegamos a 110 ou 111 diretores, mas que não eram diretores – não tinham salário de diretores, mas status de diretores, como, por exemplo, a utilização do estacionamento ou do elevador. Identificamos 45 diretores – o que, entendam, é realmente um número significativo”, disse Marcus Vinícius, para quem apenas quatro diretorias seriam suficientes para atender à estrutura da instituição.

“Há duas diretorias – a Secretaria Geral de Administração e a Secretaria Geral da Mesa – que estamos colocando num nível diferenciado”, acrescentou o professor.

Ainda de acordo com a secretaria, o presidente da CCJ, Eunício Oliveira (PMDB-CE), definiu prazo de 90 dias para que a subcomissão conclua os trabalhos da reforma. Segundo Suplicy, os membros do colegiado estão conscientes da “responsabilidade” de apresentar à CCJ o parecer final, “já concluído e aprovado”, em 14 de junho. (CONGRESSO EM fOCO)

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