quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Mensalão: o que começa a ser julgado amanhã


Na sua peça acusatória, o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza classificou-o como a ação de uma “sofisticada organização criminosa” destinada a comprar apoio de partidos para o projeto político do PT e do ex-presidente Lula. Na apresentação de memorial concluído na semana passada, o atual procurador-geral da República, Roberto Gurgel, chamou-o de “o mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção e de desvio de dinheiro público flagrado no Brasil”. Em sua defesa, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares diz que tudo não passou de um acerto financeiro feito entre ele e o empresário Marcos Valério para a concessão de um empréstimo para saldar dívidas de campanha do partido e de aliados. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu vai mais além: segundo ele, o mensalão não existiu, trata-se de uma invenção do presidente do PTB, Roberto Jefferson, motivada por sentimentos de vingança.

Será entre as alegações da acusação e as da defesas, com as provas anexadas, que os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal terão de avaliar em que ponto está a verdade. O julgamento que começa amanhã (2), e que deverá se estender por mais de um mês, talvez seja o mais complexo de toda a história da Suprema Corte. A Ação Penal 470, que trata do caso que Roberto Jefferson, delator e réu, chamou de “mensalão”, tem 147 volumes, 173 apensos, 69 mil páginas. Serão julgados 38 réus, dos quais dois – o ex-secretário de Comunicação do governo Luiz Gushiken e Antônio Lamas, que era ligado ao PL (hoje PR) – foram inocentados pelo Ministério Público. Na acusação inicial, os réus eram 40, mas um deles morreu, o ex-deputado do PP José Janene, e  outro, Sílvio Pereira, ex-secretário do PT, fez um acordo com a Justiça.
As acusações de vários crimes – como formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva – pesam sobre os outros 36 réus. Nomes como Roberto Jefferson, Delúbio, Dirceu, Marcos Valério e Duda Mendonça, entre outros.
Para ajudar o leitor a entender o que estará em julgamento, o Congresso em Foco reuniu os principais documentos já disponíveis sobre o caso, e faz um resumo do que há contra cada um dos réus e o que eles alegam em sua defesa.
A acusação
Na abertura das 136 páginas da peça acusatória, Antônio Fernando de Souza começa historiando que o início do caso remete à denúncia de pagamento de propina ao ex-diretor da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) Maurício Marinho. Indicado pelo PTB, Maurício Marinho foi flagrado em um vídeo pedindo e recebendo propina. O flagrante acabou estampando a capa da edição da revista Veja de 18 de maio de 2005, sob o título “O homem chave do PTB”.
“Acuado, pois o esquema de corrupção e desvio de dinheiro público estava focado, em um primeiro momento em dirigentes da ECT indicados pelo PTB”, Roberto Jefferson, então deputado e já presidente do partido, resolveu denunciar a existência de um esquema mais amplo, pelo qual “parlamentares que compunham a chamada ‘base aliada’, recebiam periodicamente, recursos do Partido dos Trabalhadores em razão do seu apoio ao governo federal, constituindo o que se denominou como ‘mensalão’”. Segundo Antônio Fernando, “todas as imputações feitas pelo ex-deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas”.
“O conjunto probatório produzido no âmbito do presente inquérito demonstra a existência de uma sofisticada organização criminosa, dividida em setores de atuação, que se estruturou profissionalmente para a prática de crimes como peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta, além das mais variadas formas de fraude”, conclui o ex-procurador-geral da República.
Setores de atuação
A acusação da Procuradoria-Geral da República foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal, que abriu a Ação Penal 470, transformando os acusados em réus. O caso foi relatado pelo ministro Joaquim Barbosa. No relatório que detalha a ação, ele repete o que foi narrado por Antônio Fernando de Souza, e estabelece que a organização era dividida em “setores de atuação”.
Havia o “grupo político”, formado pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, pelo ex-presidente do partido José Genoino e pelo também dirigente petista Sílvio Pereira. A função desse grupo era obter junto aos aliados o suporte político para o projeto de poder do partido.
Para viabilizar tal “suporte político”, uniu-se o “grupo operacional”, capitaneado por Marcos Valério. O empresário mineiro do ramo da publicidade repetiu para o PT o que fizera para o PSDB em Minas Gerais, “especialmente a partir do um esquema baseado em empréstimos feitos “em troca de vantagens patrimoniais no governo federal”. Para garantir o necessário suporte financeiro ao esquema imaginado, juntou-se o terceiro grupo, o “financeiro”, formado pelos executivos do Banco Rural e do BMG.
Memorial
O último documento que o Congresso em Foco torna disponível é o memorial feito pelo atual procurador-geral da República, Roberto Gurgel. O memorial tem sete páginas de apresentação, e mais 338 páginas que resumem as peças de todo o processo, os depoimentos dos réus e testemunhas, documentos do Banco Central, auditorias da Controladoria Geral da União (CGU), documentos do governo dos Estados Unidos que atestariam o crime de lavagem de dinheiro por parte do publicitário Duda Mendonça (responsável pela campanha vitoria do ex-presidente Lula em 2002) e perícias técnicas e contábeis. Ontem (31), o ministro Joaquim Barbosa tornou o memorial disponível aos advogados dos réus.
Congresso em Foco não obteve a íntegra das sete páginas da apresentação, mas apenas das outras 338 páginas que detalham o processo. Na apresentação, Gurgel classifica o caso que ficou conhecido como “mensalão” como o mais “atrevido esquema de corrupção” da história.
Nas demais 338 páginas, ele destaca trechos do processo. Aponta, por exemplo, que exames contábeis feitas nas contas das empresas de Marcos Valério apontam a existência de fraudes para tentar explicar o empréstimo concedido ao PT. “O contador e os prepostos executaram verdadeira engenharia contábil (…) criando a falsa ideia de que somente o PT foi beneficiário dos recursos”. Documento do Banco Central mencionado por Gurgel no memorial diz que “os empréstimos foram concedidos sem qualquer embasamento técnico de crédito, sendo os valores totalmente incompatíveis com a capacidade financeira” das empresas de Marcos Valério envolvidas. Avalistas dos empréstimos, Genoino e Delúbio, afirmam, ambos, em depoimento, não ter condições financeiras para avalizar os valores emprestados, respectivamente R$ 19 e R$ 10 milhões.
Destaca ainda que a mulher e sócia de Marcos Valério, Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, em depoimento à CPI dos Correios, afirmou que José Dirceu sabia da existência dos empréstimos. “A única coisa que ele me falou é que o Dr. – na época, ministro – José Dirceu sabia dos empréstimos”, disse ela. Na mesma CPI, perguntado sobre o depoimento de sua mulher pelo então deputado Júlio Redecker (PSDB-RS), Marcos Valério respondeu: “Eu confirmo o depoimento de minha esposa”.
O procurador-geral da República ainda menciona de depoimento da executiva do Banco Rural, Kática Rabelo, à CPI dos Correios, na qual ela diz que Marcos Valério “era um facilitador para a interlocução do Banco Rural junto a várias pessoas” para tratar de uma questão que era do interesse do banco, a liquidação extrajudicial do Banco Mercantil de Pernambuco, do qual o Rural tinha uma participação de 22%. Na ocasião, o então deputado Gustavo Fruet (na época no PSDB e hoje candidato pelo PDT à prefeitura de Curitiba, com o apoio do PT), perguntou se ela poderia nominar quem eram as tais “pessoas”. Kátia respondeu: “Perfeitamente. Uma das pessoas com a qual nós tratamos desse assunto foi o ministro José Dirceu”.
O memorial traz ainda relatos de retiradas de dinheiro em espécie no Banco Rural em caixas ou “malas do tipo 007”. Não contém, porém, muitos trechos de depoimentos nos quais os réus se defendam das acusações ou as rebatam.
Colaboraram Fábio Góis e Mariana Haubert

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