quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Por que os ciganos são tão perseguidos?


Por Francisco Carlos Teixeira da Silva

Historiador tenta responder qual a origem do povo cigano e o motivo de séculos de perseguição.

Não podemos afirmar com certeza a origem das migrações ciganas – ou como se autodenominam: povo rom – plural roma e sinti – ou mesmo quando se deu sua chegada a Europa. A maioria das pesquisas, a partir do século XVIII, com Johan Rüdiger, aponta para a Índia a origem do povo cigano. Documentos antigos portugueses falam, entretanto, de uma origem egípcia (talvez em decorrência do fato de que os ciganos chegaram a Portugal através do norte da África).

A maioria dos estudos acredita, contudo, numa origem ou passagem muito longa pela Índia. Teriam partido de lá em direção ao Ocidente em alguma data anterior ao século XV. De fato, as primeiras populações rom chegam a Europa por volta do final do século XIII, sendo documentada historicamente sua presença na Alemanha em 1417. A partir daí tornar-se-ia comum citações de presença cigana nos Bálcãs e Europa Central (em especial Romênia, Bulgária e Hungria), bem como de um ramo de migrantes que, através da Turquia, chegaria ao Egito e ao Marrocos por volta do final século XV.

Origem desconhecida

A tese mais comum – de que em sua origem os rom eram membros de casta baixa do sistema social hinduísta e por alguma razão fogem da Índia (talvez as invasões muçulmanas no século XII) é largamente hipotética, sem quaisquer comprovações históricas ao seu favor. Mesmo a origem indiana não é aceita como comprovada. É verdade que o idioma rom ( chamado romanês ) é indo-europeu (o mesmo tronco linguístico do latim, do grego e das línguas germânicas), mas isso nada prova sobre a origem étnica do povo rom. Na verdade o povo rom absorveu – e ainda absorve – com grande facilidade as características culturais das regiões onde passam e se estabelecem por algum tempo. Desta forma, encontramos na língua rom forte presença do sânscrito (antiga língua indu), como ainda de línguas persas (iranianas) e do grego.

Também as características culturais, a predileção pela música, o seu cristianismo original – com forte presença de elementos judaicos, do zoroastrismo e seu culto especial a Santa Sara Khalil -, suas danças e a culinária são somatórios de tradições e pouco nos ajudam a traçar um perfil histórico seguro das origens roma.

Discriminação no Ocidente

De qualquer forma, depois de sua chegada ao Ocidente, os roma foram alvo de fortes preconceitos e de insultos. Desde a acusação de participação na crucificação de Cristo até a lenda de serem ladrões de crianças perseguiram a nação rom. Características especiais da vida nômade, a predileção pelo comércio e algumas práticas de conjuração da sorte e do futuro ajudaram a envolver este povo em um mar de mistérios e de desinformação.

Talvez, por isso mesmo, tenham sido alvo de tantas perseguições. Desde o século XV, na Suíça e na Alemanha, foram perseguidos, presos e executados por heresia e bruxaria. No início do século XX suas crianças foram tomadas pelo estado, na Suíça, e transferidas para orfanatos estatais onde serviram de cobaias para estudos racistas indesculpáveis. Durante o III Reich (1933-1945), na Alemanha, os rom foram atingidos pela “Solução Final”, programa de extermínio sistemático de povos e grupos sociais considerados nefastos para a alegada “pureza racial ariana”. Denominados “untermenschen” – subumanos – pelos nazistas (ao lado de judeus, gays, socialistas, etc.) cerca de 10% de toda a população cigana do mundo foi exterminada por ordem dos nazistas. Filmes com famílias ciganas – na maioria das vezes depois de longos períodos de fome e maus-tratos – eram apresentados ao público alemão para provar a não humanidade dos rom.

Expulsões da União Europeia

Hoje cerca de 15 milhões de ciganos vivem na Europa (alguns falam em 12 milhões), com a maioria vivendo em países da União Européia (cerca de 10 milhões). Desde 1991, com o fim da Guerra Fria e da chamada “Cortina de Ferro” separando a Europa Oriental do Ocidente, as migrações em direção a Alemanha e França aumentaram muito. A maioria destes novos migrantes vinha da Romênia, daí a série de expulsões de ciganos – da Alemanha, Suíça e agora da França – para este país e a Bulgária.

O Brasil é um dois países com a maior presença de ciganos no mundo, com um número variando entre 680 mil até um milhão de ciganos (abaixo da índia, Espanha e Estados Unidos). Os primeiros ciganos chegaram ao Brasil em 1574 e desde então serviram em ofícios da Coroa, participaram do comércio atlântico, e mesmo constituíram uma forte comunidade entre o Campo de Santana e a Rua da Constituição (antiga Rua dos Ciganos) no centro histórico do Rio de Janeiro. Em várias ocasiões foram perseguidos pela Igreja e pela própria Coroa, com a proibição de expressão no idioma romanês.

* Francisco Carlos Teixeira da Silva é professor titular de História Contemporânea da UFRJ.

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