O biólogo Carlson Paula Cabral era uma promessa para a ciência brasileira quando recebeu, em 1996, uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para fazer um doutorado na área de toxicologia no Canadá. Três anos antes, ele havia recebido o Prêmio Jovem Cientista, concedido a pesquisadores que se destacam no início da carreira. A aposta do CNPq em Cabral, porém, se revelou frustrada. Ele acabou se estabelecendo no exterior, onde abriu uma empresa que faz consultoria sobre mudanças climáticas. O governo brasileiro ficou sem o retorno de seu investimento e agora cobra Cabral por uma dívida de R$ 760 mil, o total com juros e correção que teria sido desembolsado para financiar seus estudos no exterior. Notificado por meio do Diário Oficial da União, já que se encontrava em lugar “incerto e não sabido”, ele aguarda o desfecho de seu processo no Tribunal de Contas da União (TCU). Contatado por e-mail por ÉPOCA, Cabral disse que, por orientação de sua advogada, não iria comentar a situação. Ele vive na província de Ontário, no Canadá. Cabral é um entre as centenas de pesquisadores de quem os dois órgãos federais de fomento à pesquisa cobram a restituição de bolsas de estudos que foram usadas pelos beneficiários como uma espécie escandalosa de verba de imigração. A outra instituição é a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a Capes. Só no ano passado, as duas instituições produziram 110 novos processos desse tipo, um recorde desde 2001, quando as cobranças começaram a ser feitas. Juntos, esses 110 processos somam R$ 30 milhões. Desde 2002, foram abertos 338 processos. Enviar alguém para estudar no exterior custa caro. O valor varia de acordo com o país, o curso e a duração do plano de estudos. Uma estimativa feita pela Capes para os próximos anos mostra uma média anual de gastos de cerca de R$ 40 mil para cada doutor forjado fora do país. É quase o dobro do custo da formação em território nacional. Para garantir que esse investimento volte para o Brasil, exigem-se duas coisas: que o pesquisador conclua seus estudos e que, logo depois do curso, retorne ao Brasil e permaneça no país por um tempo correspondente à bolsa. Se alguma das duas contrapartidas não é cumprida, abre-se um processo administrativo que geralmente envolve novas negociações com o bolsista. A prioridade das agências é resolver o assunto nessa instância. Caso não haja acordo, o caso é encaminhado ao TCU. Por enquanto, são essas as providências ao alcance do Estado. O histórico dos processos em andamento, porém, prova que isso não tem sido suficiente para garantir a devolução do dinheiro. Na Capes, isso nunca ocorreu. O CNPq não divulgou essa informação. O processo do biólogo Cabral está no estágio final. A partir de agora, situações como essa tendem a ganhar mais relevância. Em abril, a presidente Dilma Rousseff anunciou que deseja promover um aumento substancial no número de brasileiros que vão estudar no exterior, principalmente na área de ciências exatas. A ideia é enviar 100 mil estudantes de graduação e de pós até 2014. Desses, 75 mil teriam subsídio da União. Os demais, se possível, seriam patrocinados por empresários. Os números representam um salto significativo em relação ao quadro atual. Nos últimos quatro anos, o total de bolsas para o exterior ficou em 24 mil. A maioria absoluta é de bolsas de doutorado. Os países que mais recebem brasileiros são França e Estados Unidos. Entre as universidades, os destinos mais comuns são Califórnia, Nova York e Harvard. A agrônoma Lea Velho, professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), classifica como “marginal” o número de bolsistas que não voltam ao país. Embora somem dívidas milionárias, os pesquisadores que não cumprem os compromissos assumidos quando vão estudar no exterior não chegam a 2% de todos que são enviados. Uma dessas “exceções” é o pianista Paulo Steinberg, financiado pela Capes entre 1996 e 1998 para fazer o mestrado na área de música na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos. Concluído o curso, ele fez ainda um doutorado no país e acabou se estabelecendo por lá, onde, segundo uma manifestação sua enviada à Capes, sua vida profissional “apresentava-se mais propícia”. Steinberg propôs a Capes morar no Brasil quatro meses por ano, durante suas férias, período em que daria conferências e concertos. Seis anos depois, estaria paga a dívida de 24 meses de permanência exigida pelo governo federal. Inicialmente, a Capes demonstrou interesse em aceitar o acordo, mas depois voltou atrás e argumentou que não havia a possibilidade de fracionar o período de permanência no país. O caso Steinberg chegou ao TCU, que, em fevereiro, determinou ao ex-bolsista a devolução dos R$ 96 mil investidos pelo governo brasileiro em sua formação. Na prática, a dívida de Steinberg já é consideravelmente maior, já que, sobre esse valor, devem ser cobrados uma correção pela inflação e juros de 1% ao mês, relativos à demora no pagamento desde 2006. Procurado pela reportagem, Steinberg se limitou a dizer que vem cumprindo “fielmente” o acordo que a Capes inicialmente havia aceitado em 2005. Nem sempre os processos de cobrança são relativos aos casos que alguns chamam de “fuga de cérebros”. Há situações em que o investimento no bolsista é cobrado porque ele não terminou os estudos no exterior, apesar de ter recebido a bolsa. Foi o que aconteceu com Roselena Gomes de Souza Alves Campos. Financiada pelo CNPq para fazer um doutorado em Direito em Portugal, ela abandonou o curso sem comunicar o órgão. Procurada por ÉPOCA para comentar a situação, disse que não queria se manifestar. No processo que corre no TCU, Roselena afirmou que não fez o trabalho porque teve problemas de saúde. Disse também que precisava voltar a seu trabalho no Tribunal de Justiça Federal, onde disse que depois iria “exercer função de maior complexidade e responsabilidade”. Roselena concluiu sua defesa com uma espécie de alerta ao Estado brasileiro: “A concessão de bolsa pelo CNPq tem embutido um risco inerente, afeto às circunstâncias da vida pessoal do bolsista, inclusive sua saúde, além da capacidade intelectual e acadêmica”. Os argumentos não sensibilizaram os ministros do TCU. “É de estranhar que alguém com quadro de saúde a ponto de impossibilitar a elaboração de trabalho acadêmico ao qual se havia comprometido tivesse condições de assumir função de maior complexidade e responsabilidade que aquela que ocupava até então”, diz o despacho final do órgão. Roselena foi condenada a pagar R$ 113 mil. Os motivos que levam pesquisadores brasileiros a largar seus estudos e voltar ao Brasil, ou concluí-los e permanecer no exterior, são vários. Há pessoas que se casam com estrangeiros, outras alegam doenças e algumas mencionam a dificuldade de conseguir emprego no Brasil. Essa é uma justificativa particularmente duvidosa. O CNPq oferece uma bolsa de pós-doutorado “júnior” no valor de R$ 3.200 mensias, que pode ser paga ao pesquisador que retorna do exterior por um ano. Mas a questão da evasão permanece. Ela (ainda) não é estatisticamente preocupante nem significa, em termos de verba, um grande golpe nas finanças públicas. Mas permitir que acadêmicos usem impunemente o dinheiro dos brasileiros que pagam impostos para se instalar no exterior e começar uma nova vida seria um escárnio duplo: contra os contribuintes e contra a maioria dos bolsistas que age com retidão e retorna ao Brasil para retribuir o privilégio que recebeu. Como lidar com o problema é outra questão. Lea Velho, da Unicamp, diz que seria importante que as agências de fomento à pós-graduação fossem mais flexíveis na hora de cobrar de volta o investimento do bolsista, com a permissão de que a pessoa retribuísse do exterior com alguma atividade vinculada aos interesses do Brasil. Essa, porém, não é a visão predominante. O que se tenta em Brasília é privilegiar modelos de financiamento a estudantes que diminuam a possibilidade de calote. De acordo com um plano do governo, a maior parte das novas bolsas deverá ser enquadrada numa modalidade mais barata e de curta duração, conhecida como “sanduíche”. É o modelo em que o estudante faz parte do curso no Brasil e parte no exterior, mas volta para defender a tese numa instituição brasileira. Dura de quatro a 12 meses. A outra modalidade é o chamado “doutorado pleno”, em que o curso é feito inteiramente fora do país. Leva quatro anos. É no pleno que está a maior parte dos casos de alunos que não voltam. Esse tipo de bolsa tem sido restrita às áreas em que a pós-graduação no Brasil tem fragilidades. De 2005 a 2010, as bolsas de doutorado pleno caíram de 2 mil para 700. Nem todos gostam dessa opção. Para a cientista política Elizabeth Balba-chevsky, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), o risco de que cientistas brasileiros se fixem no exterior não deve inibir a oferta de bolsas que financiem o doutorado completo fora do país. Em primeiro lugar, porque o Brasil tem um ambiente acadêmico atrativo, capaz de trazer de volta a maioria absoluta dos que saem para estudar bancados pelo governo. Segundo porque quem não voltar poderia retribuir o investimento de outra maneira – devolvendo os recursos, vindo periodicamente ao Brasil ou colaborando com instituições brasileiras. “Não temos de agir como se estivesse ocorrendo uma fuga de cérebros. Não é o caso”, diz ela. Por enquanto, de fato, são apenas algumas centenas de estudantes se aproveitando do dinheiro público para melhorar a própria vida. Não é fuga de cérebros. É malandragem.
segunda-feira, 11 de julho de 2011
Péssimos brasileiros: O bolsa imigração
segunda-feira, julho 11, 2011
Molina com muita prosa & muitos versos
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