domingo, 17 de outubro de 2010

Oportunismo: O PT está querendo ser um partido que não... toma partido!


Por Renato Lima

O segundo turno já é a primeira derrota para o presidente Lula. Ele queria um plebiscito a ser decidido de cara, extirpando a oposição, e o povo deu mais votos a quem não tinha o seu apoio, como o ex-governador de São Paulo José Serra e a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que Lula não levava muito a sério. Soberba, corrupção, candidata sem carisma e que nunca havia disputado uma eleição, institutos de pesquisa sem credibilidade; a lista de causas para Dilma não ter ganho no primeiro turno é grande. Mas o PT preferiu inventar uma: boatos.

Dizem o PT e seus aliados que o partido foi alvo de boatos e isso impediu que as eleições presidenciais terminassem no primeiro turno. Boato é notícia anônima, sem confirmação, que corre publicamente – recorro ao Michaelis aqui. Que o PT como partido defende o aborto está no seu programa de partido aprovado em Congresso e nas resoluções do PNDH III. Tanto que suspendeu o deputado Luiz Bassuma, da Bahia, por se posicionar contra a proposta. A própria Dilma Rousseff, por mais de uma vez, se pronunciou a favor da descriminalização da prática, e os vídeos da sabatina da Folha (2007) e da entrevista à Marie Claire estão aí para quem quiser consultar. Que esses fatos foram lembrados por líderes religiosos está claro em pronunciamentos e por vídeos dos pastores Silas Malafaia e Piragine. O apoio do PT ao aborto não é matéria de notícia anônima (é fato comprovado), nem é sussurado por pessoas que se escondem. Portanto, não é boato.

Boato, na campanha presidencial, foi ter espalhado, em 2006, que Alckmin se eleito iria privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil e outras estatais. Era informação sem confirmação: não estava em nenhum plano do partido do candidato e essas empresas não tinham sido colocadas no Programa Nacional de Desestatização que era comandado pelo BNDES quando o PSDB esteve no governo. Mesmo assim a informação correu publicamente. É a definição de boato.

Boato é dizer que, se eleita, a oposição vai acabar com o Bolsa-Família. Não importa que os programas sociais de transferência de renda com foco tenham sido criados no governo FHC e apenas reunidos sob um único nome no governo Lula. Mas a informação, falsa, é propagada contra a oposição para colocar os mais necessitados (quem recebe o Bolsa-Família) automaticamente contra uma alternativa de mudança democrática. É outra forma de boato interferindo no jogo democrático de se decidir quem é o melhor para governar o país.

O PT é um partido que defende o aborto. É natural que assim seja e é muito comum entre outros partidos da esquerda europeia. Faz parte da representação da sociedade ter segmentos que defendem esse tipo de questão, bem como outros assuntos sociais e econômicos. Não é preciso entrar no mérito da questão para perceber que, se um partido defende x e alguém aponta a defesa de x para não querer votar neste partido, não estamos tratando de boato. Cabe ao partido tentar persuadir maior parte da população de que a proposta de x deve ser aprovada, ou reconhecer que o povo não deseja x e retirar isso do seu programa partidário. O que não dá é para ser x e “não x” ao mesmo tempo. É romper o princípio da identidade. Mas é isso que o PT pede na eleição. O partido que se aproveita de boatos espalhados contra os seus candidatos não aceita que se aponte fatos verdadeiros sobre ele.

Enfim, o PT está querendo ser um partido que não… toma partido! Afinal, “tomar partido” é justamente se posicionar, ter definição sobre alguma proposta.

Independente da posição pessoal, em qualquer país avançado o tema do aborto é de discussão política. Nos Estados Unidos, é sempre possível saber a posição de um parlamentar no que aqui chamam de “pro-life” (contrário ao aborto) e “pro-choice” (favorável à escolha da mulher). E a mesma questão é sempre sensível para a indicação de um novo juiz na Suprema Corte americana.

Dilma Rousseff quer manter a fala de um ano atrás, favorável ao aborto, e a de uma semana atrás, de que sempre foi favorável “à vida”, sem negar o que disse antes. Ela quer ser “pro-life” e “pro-choice” ao mesmo tempo. Mas não está em operação aí apenas uma suposta confusão mental da candidata ou oportunismo eleitoral. Esse é o modus operandi do PT. A sociedade brasileira é ampla, diversa, com diferentes valores éticos e projetos de desenvolvimento. Essa diversidade pode ser expressa em associações de bairro, ONGs, sindicatos, igrejas e partidos políticos. Acontece que o PT parece não aceitar como legítima – vai logo gritando é boato, é terrorismo! – posições contrárias ao que ele defende. O PT não quer ser um partido que toma partido, mas que toma a sociedade. Sentiu um cheiro de totalitarismo no ar?

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