Os Estados Unidos, que acusam a Coréia de estar produzindo armas de destruição em massa, não hesitaram, desde os anos 40, em usá-las. É esta a história desconhecida da guerra do Coréia, que aniquilou cidades e matou milhões de pessoas com bombardeios de napalm
Soldados estadunidenses andam entre prisioneiros políticos assassinados pelo governo sul-coreano em Daejeon, Coréia do Sul. Julho de 1950
Mais que uma guerra "esquecida", valeria a pena falar, tratando-se da guerra da Coréia (1950-1953), de uma guerra desconhecida. O efeito inacreditavelmente destrutivo das campanhas aéreas norte-americanas contra a Coréia do Norte – que foram do despejo contínuo e em grande escala de bombas incendiárias (essencialmente com napalm) às ameaças de recurso a armas nucleares e químicas1 e à destruição de gigantescas barragens norte-coreanas na fase final da guerra – é indelével. Estes fatos são no entanto pouco conhecidos, mesmo pelos historiadores, e as análises da imprensa sobre o problema nuclear norte-coreano nestes últimos dez anos nunca as mencionaram.
A guerra da Coréia tem fama de ter sido limitada, mas ela foi bem parecida com a guerra aérea contra o Japão imperial durante a Segunda Guerra mundial. E foi freqüentemente dirigida pelos mesmos responsáveis militares norte-americanos. Se os ataques de Hiroshima e Nagasaki foram objeto de inúmeras análises, os bombardeios incendiários contra as cidades japonesas e coreanas receberam bem menos atenção. Quanto às estratégias nuclear e aérea de Washington no nordeste asiático depois da guerra da Coréia, estas foram ainda menos compreendidas, ao passo que estas estratégias definiram as escolhas norte-coreanas e permanecem um fator chave na elaboração da estratégia norte-americana em matéria de segurança nacional. (...)
O napalm foi inventado no fim da Segunda Guerra mundial. Sua utilização provocou um debate de grandes proporções durante a guerra do Vietnã, fomentado por fotos intoleráveis de crianças que corriam nuas sobre as estradas, com a pele em farrapos... Uma quantidade ainda maior de napalm foi no entanto despejada sobre a Coréia, com efeito bem mais devastador, porque a República Popular Democrática da Coréia (RPDC) tinha maior número de cidades populosas que o Vietnã do Norte. Em 2003, eu participe de uma conferência ao lado de ex-combatentes norte-americanos da guerra da Coréia. No momento de uma discussão a respeito de napalm, um sobrevivente da batalha do Reservatório de Changjin (Chosin, em japonês), que havia perdido um olho e uma parte da perna, afirmou que esta arma era, bem entendido, ignóbil, mas que ela «caíra sobre as pessoas boas».
Cenas macabras
As pessoas boas? Como quando um bombardeio atingiu por engano uma dúzia de soldados norte-americanos: "Em toda minha volta os homens estavam queimados. Eles rolavam na neve. Homens que eu conhecia, com quem eu havia marchado e combatido, suplicavam que eu atirasse neles... Era terrível. Quando o napalm havia queimado completamente a pele, ela se descolava em farrapos do rosto, dos braços, das pernas... como batatas chips2".
Um pouco mais tarde, George Barrett, do New York Times, descobriu um "tributo macabro à totalidade da guerra moderna" numa vila ao norte de Anyang (Coréia do Sul): "Os habitantes de toda a cidade e dos campos em torno foram mortos e conservaram exatamente a posição em que estavam quando foram atingidos pelo napalm: um homem se preparava para montar na bicicleta, cinco dezenas de crianças brincavam num orfanato, uma mãe de família estranhamente intacta tinha na mão uma página do catálogo Sears-Roebuck onde estava o pedido n° 3 811 294 de uma ‘encantadora espreguiçadeira de cor coral’". Dean Acheson, secretário de Estado, queria que este tipo de «reportagem sensacionalista» fosse denunciada à censura, a fim de que se possa nelas colocar um fim3.
Uma das primeiras ordens para incendiar as cidades e as vilas que encontrei nos arquivos foi dada no extremo sudeste da Coréia, enquanto combates violentos se desenrolavam ao longo do perímetro de Pusan. Era o começo de agosto de 1950, quando milhares de guerrilheiros assediavam os soldados norte-americanos. No dia 6 de agosto de 1950, um oficial norte-americano deu à força aérea a ordem de "obliterar as seguintes cidades": Chongsong, Chinbo e Kusu-Dong. Bombardeiros estratégicos B-29 foram igualmente empregados para bombardeios táticos. No dia 16 de agosto, cinco formações de B-29 atacaram uma zona retangular próxima ao front, que contava um grande número de cidades e vilas. Criaram um oceano de fogo, despejando centenas de toneladas de napalm. Uma ordem semelhante foi emitida no dia 20 de agosto. E no dia 26 de agosto, encontramos nestes mesmos arquivos a simples menção: "onze vilas incendiadas4". (...)
Chuvas de napalm
Cidades coreanas arrasadas pelos ataques com bombas incendiárias norte americanas
Os pilotos tinham ordem de atacar os alvos que eles pudessem discernir para evitar atingir civis, mas eles bombardeavam freqüentemente centros populacionais importantes identificados por radar, ou despejavam enormes quantidades de napalm sobre objetivos secundários, nos casos em que o alvo principal não pôde ser atingido. A cidade industiral de Hungnam foi alvo de um ataque maior no dia 31 de julho de 1950, no curso do qual 500 toneladas de bombas foram soltas através das nuvens. As chamas se elevaram a até uma centena de metros. O exército norte-americano despejou 625 toneladas de bombas sobre a Coréia do Norte no dia 12 de agosto, uma tonelagem que teria requerido uma frota de 250 B-17 durante a Segunda Guerra mundial. No fim de agosto, as formações de B-29 derramavam 800 toneladas de bombas por dia sobre o Norte5. Esta tonelagem consistia em grande parte em napalm puro. De junho a fim de outubro de 1950, os B-29 derramaram 3,2 milhões de litros de napalm.
No seio da força aérea norte-americna, alguns se deleitavam com as virtudes deste exército relativamente novo, introduzido no fim da guerra precedente, rindo-se dos protestos comunistas e confundindo a imprensa ao falar de "bombardeios de precisão". Os civis, gostavam eles de supor, eram prevenidos da chegada dos bombardeiros por panfletos, enquanto que todos os pilotos sabiam que estes panfletos não tinham qualquer efeito6. Isso não era mais que um prelúdio da destruição da maioria das cidades e vilas norte-coreanas que iria se seguir à entrada da China na guerra.
A entrada dos chineses no conflito provocou uma escalada imediata da campanha aérea. A contar do início de novembro de 1950, o general MacArthur ordenou que a zona situada entre o front e a fronteira chinesa fosse transformada em deserto, que a viação destruísse todos os "equipamentos, usinas, cidades e vilas" nos milhares de quilômetros quadrados do território norte-coreano. Como relatou um assessor militar britânico do quartel-general de MacArthur, o general norte-americano deu ordem para "destruir todos os meios de comunicação, todos os equipamentos, usinas, cidades e vilas", com exceção das barragens de Najin, próximas à fronteira soviética e de Yalu (poupadas para não provocar Moscou e Pequim). "Esta destruição [deveria] começar na fronteira manchu e continuar em direção ao sul". No dia 8 de novembro de 1950, 79 B-29 despejaram 550 toneladas de bombas incendiárias sobre Sinuiju, "riscando [a cidade] do mapa". Uma semana depois, um dilúvio de napalm se abatia sobre Hoeryong "com o objetivo de liquidar o local". No dia 25 de novembro, "uma grande parte da região noroeste entre Yalu e as linhas inimigas mais ao sul [...] está mais ou menos incendiada". A zona logo iria se tornar uma "extensão deserta de terra queimada7".
Ameaça atômica
Tudo isso se passava antes da grande ofensiva sino-coreana, que expulsou as foças da ONU do norte da Coréia. No início do ataque, nos dias 14 e 15 de dezembro, a aviação norte-americana soltava sobre Pyongyang 700 bombas de 500 libras, napalm derramado por aviões de combate Mustang, e 175 toneladas de bombas de demolição de efeito retardado, que aterrorizavam com um barulho surdo e explodiam em seguida, quando as pessoas tentavam salvar os mortos dos braseiros acesos pelo napalm. No início de janeiro, o general Ridgeway ordenou de novo qua a aviação atacasse a capital Pyongyang "com o objetivo que foi alcançado em dois tempos, nos dias 3 e 5 de janeiro". À medida que os norte-americanos se retiravam para o sul do paralelo 30, a política incendiária da terra arrasada prosseguiu: Uijongbu, Wonju e outras pequenas cidades do sul, das quais o inimigo se aproximava, foram a presa das chamas8.
A aviação militar tentou também decapitar a direção norte-coreana. Durante a guerra no Iraque em março de 2003, o mundo conheceu a existência da bomba denominada "MOAB" (Mother of all bombs, ou Mãe de todas as bombas), que pesa 21.500 libras e tem uma capacidade explosiva de 18 mil libras de TNT. A Newsweek publicou uma foto dela em sua capa, com o título "Por que a América dá medo no mundo? 9". No decurso do inverno de 1950-1951, Kim Il Sung e seus aliados mais próximos haviam voltado a seu ponto de partida dos anos 30 e se abrigavam em profundos bunkers em Kanggye, perto da fronteira manchu. Depois de três meses de vãs buscas a partir do desembarque de Inch’on, os B-29 despejaram bombas "Tarzan" sobre Kanggye. Tratava-se de uma bomba nova, enorme, de 12 mil libras, nunca utilizada antes. Mas não era mais que um foguete ao lado da arma incendiária final, a bomba atômica.
No dia 9 de julho de 1950, apenas duas semanas depois do começo da guerra, o general MacArthur enviou ao general Ridgeway uma "mensagem urgente" que incitou os chefes do Estado Maior (CEM) "a examinar se seria necessário ou não dar ’bombas A’ a MacArthur". O general Charles Bolte, chefe das operações, foi encarregado de discutir com MacArthur sobre a utilização de bombas atômicas "em apoio direto aos combates terrestres". Bolte avaliava que se poderia reservar de dez a vinte bombas para o teatro coreano sem que as capacidades militares globais dos Estados Unidos se encontrassem afetadas "além da medida". MacArthur sugeriu a Bolte uma utilização tática das armas atômicas e lhe fez uma exposição sumária das ambições extraordinárias que ele alimentava no âmbito da guerra, especialmente a ocupação do Norte e uma resposta a uma potencial intervenção chinesa ou soviética, como segue: «Eu os isolarei na Coréia do Norte. Na Coréia, eu vejo um beco sem saída. Apenas as passagens provenientes da Manchúria e Vladivostock comportam inúmeros túneis e pontes. Eu vejo aí uma ocasião única de utilizar a bomba atômica, para fazer um ataque que barraria a estrada e demandaria um trabalho de reparação de seis meses".
A China na mira
Presidente Truman ameaçou ataque nuclear contra a China
Nesta fase da guerra, no entanto, os chefes do Estado Maior rejeitaram o uso da bomba, pois faltavam alvos suficicientemente importantes para necessitar de armas nucleares; temiam também as reações da opinião mundial cinco anos após Hiroshima e esperavam que o curso da guerra fosse mudado por meios militares clássicos. O cálculo não foi mais o mesmo desde que consideráveis contingentes de soldados chineses entraram na guerra em outubro de 1950.
Na ocasião de uma famosa entrevista coletiva, no dia 30 de novembro, o presidente Truman desfraldou a ameaça da bomba atômica10. Não era um blefe, como se supunha então. No mesmo dia, o general da força aérea Stratemeyer enviou ordem ao general Hoyt Vandenberg para colocar em alerta o comando aéreo estratégico "a fim de que ele esteja pronto para enviar sem atraso formações de bombardeiros equipados de bombas médias ao Extremo Oriente [...] este suplemento [devendo] compreender capacidades atômicas".
O brigadeiro Curtis LeMay se lembra claramente que os CEM haviam chegado anteriormente à conclusão de que as armas atômicas provavelmente não seriam empregadas na Coréia, exceto no caso de uma "campanha atômica geral contra a China maoísta". Mas, como as ordens mudavam em razão da entrada das forças chinesas na guerra, LeMay queria ser encarregado da tarefa; ele declarou a Stratemeyer que seu quartel general era o único a possuir a experiência, a formação técnica e "o conhecimento íntimo" dos métodos de lançamento. O homem que dirigiu o bombardeio incendiário de Tóquio em março de 1945 estava pronto a voltar ao Extremo Oriente para comandar os ataques11. Washington se preocupava pouco, na época, em saber como Moscou iria reagir, pois os norte-americanos possuíam ao menos 450 bombas atômicas, enquanto os soviéticos tinham apenas 25.
Planos de ataque
Pouco tempo depois, no dia 9 de dezembro, MacArthur fez saber que queria um poder discricionário no que dizia respeito à utilização de armas atômicas sobre o teatro coreano, e, no dia 24 de dezembro, ele entregou uma "lista de alvos que devem retardar o avanço inimigo" para os quais ele dizia ter necessidade de 26 bombas atômicas. Ele pedia, além disso, que quatro bombas fossem lançadas sobre as "forças de invasão" e quatro outras sobre as "concentrações inimigas cruciais de meios aéreos".
Em entrevistas divulgadas depois de sua morte, MacArthur afirmava ter um plano que permitia ganhar a guerra em dez dias: "eu teria despejado três dezenas de bombas atômicas [...] arrasando tudo ao longo da fronteira com a Manchúria". Ele teria em seguida levado 500 mil soldados da China nacionalista a Yalu, depois teria "espalhado atrás de nós, do mar do Japão ao mar Amarelo, um cinturão de cobalto radioativo [...] cuja duração de vida ativa se situa entre 60 e 120 anos. Durante 60 anos ao menos, não seria possível uma invasão terrestre da Coréia pelo norte". Ele tinha certeza de que os Russos nada fariam diante desta estratégia do extremo: "Meu plano era simples como um bom-dia12".
A radioatividade do cobalto 60 é 320 vezes mais elevadas que a do rádio. Segundo o historiador Carroll Quigley, uma bomba H de 400 toneladas de cobalto poderia destruir toda vida animal sobre a terra. As propostas belicistas de MacArthur parecem insensatas, mas ele não era o único a pensar dessa maneira. Antes da ofensiva sino-coreana, um comitê submetido aos chefes do Estado Maior havia declarado que as bombas atômicas poderiam se mostrar como "fator decisivo" que bloquearia o avanço chinês na Coréia. No início, via-se eventualmente sua utilização num "cordão sanitário [que poderia] ser estabelecido pela ONU, seguindo uma faixa situada da Manchúria até o norte da fronteira coreana".
Sugestão de cataclisma
Enquanto ameaçavam de ataque atômico os norte americanos faziam testes nucleares para mostrarem o poder da bomba
Alguns meses mais tarde, o deputado Albert Gore (o pai de Al Gore, candidato democrata derrotado em 2000, que se opôs em seguida à guerra do Vietnã), deplorava que "a Coréia [faça] a cama da virilidade norte-americana" e sugeria que se pusesse um fim à guerra com "alguma coisa cataclísmica" - a saber, um cinturão radioativo que dividiria a península coreana em duas de maneira permanente. Ainda que o general Ridgeway não tenha falado de bomba de cobalto, depois de ter sucedido MacArthur enquanto comandante norte-americano na Coréia, ele renovou em maio de 1951 o pedido formulado por seu predecessor no dia 24 de dezembro, reivindicando desta vez 38 bombas atômicas13. Esse pedido não foi aceito.
No início de abril de 1951, os Estados Unidos estiveram a um passo de utilizar armas atômicas, no momento, precisamente, em que Truman destituía MacArthur. Se as informações a respeito desse episódio permaneceram ainda em grande parte classificadas como secretas, é agora claro que Truman não destituiu MacArthur unicamente em razão de sua insubordinação reiterada, mas porque ele queria um comandante confiável no local, caso Washington decidisse recorrer às armas atômicas. Em outros termos, Truman se livrou de MacArthur para manter aberta sua política em matéria de armas atômicas. No dia 10 de março de 1951, depois que os chineses concentraram novas forças perto da fronteira coreana e que os soviéticos estacionaram 200 bombardeiros sobre as bases aéreas da Manchúria (de onde eles poderiam atingir não apenas a Coréia, mas as bases norte-americanas no Japão) 14, MacArthur pediu uma "força atômica do tipo Dia D", a fim de conservar a superioridade aérea no teatro coreano. No dia 14 de março, o general Vandenberg escrevia: "Finletter e Lovett alertados sobre as discussões atômicas. Eu creio que está tudo pronto". Fim de março, Stratemeyer relatou que os fossos de carregamento de bombas atômicas sobre a base aérea de Kadena, em Okinawa, estavam novamente operacionais. As bombas foram transportadas para lá em peças separadas e montadas depois na base, faltando apenas carregar o miolo nuclear. No dia 5 de abril, os CEM ordenaram que represálias atômicas imediatas fossem lançadas contra as bases manchus se novos contingentes importantes de soldados chineses se juntassem aos combates ou, ao que parece, se bombardeiros partissem de lá contra posições norte-americanas. No mesmo dia, Gordon Dean, presidente da Comissão sobre Energia Atômica, tomou medidas para fazer a transferência de nove ogivas nucleares Mark IV para o 9o grupo de bombardeiros da aviação militar, destinado ao transporte de bombas atômicas. (…)
Milhões de mortos
Os chefes do Estado Maior cogitaram novamente o emprego de armas nucleares em junho de 1951 – desta vez, do ponto de vista tático sobre o campo de batalha15 – e foi o caso de várias outras situações até 1953. Robert Oppenheimer, ex-diretor do Projeto Manhattan, trabalhou sobre o "Projeto Vista", destinado a avaliar a viabilidade do uso tático de armas atômicas. No início de 1951, um jovem chamado Samuel Cohen, que estava em missão secreta para o departamento de defesa, estudou as batalhas que conduziram à segunda tomada de Seul e concluiu que deveria existir um meio de destruir o inimigo sem destruir a cidade. Ele se tornaria o pai da bomba de nêutrons16.
O projeto nuclear mais aterrorizante dos Estados Unidos na Coréia foi provavelmente a operação Hudson Harbor. Esta operação parece ter feito parte de um projeto mais vasto que tratava da «especulação aberta pelo departamento de defesa e especulação clandestina por parte da Central Intelligence Agency, na Coréia, sobre a possibilidade de utilizar novas armas» (um eufemismo designando o que se chama hoje de armas de destruição em massa). (...)
Sem recorrer às «novas armas», ainda que o napalm fosse muito novo na época, a ofensiva aérea não deixou de arrasar a Coréia do Norte e de matar milhões de civis antes do fim da guerra. Durante três anos, os norte-coreanos se viram diante da ameaça cotidiana de serem queimados pelo napalm: "Não se podia escapar", disse-me um deles em 1981. Em 1952, praticamente tudo havia sido completamente arrasado no centro e no norte da Coréia. Os sobreviventes viviam em grutas. (...)
Cidades aniquilidadas
No decorrer da guerra, escrevia Conrad Crane, a força aérea norte-americana «provocou uma destruição terrível em toda a Coréia do Norte. A avaliação, na época do armistício, dos prejuízos causados pelos bombardeios revelou que das 22 principais cidades do país, 18 haviam sido aniquiladas no mínimo pela metade». Sobressaía de um quadro estabelecido pelo autor que as grandes cidades industriais de Hamh˘ung e de H˘ungnam haviam sido destruídas em 80 a 85%, Sariw˘on em 95%, Sinanju em 100%, o porto de Chinnamp’o em 80% e Pyongyang em 75%. Um jornalista britânico descrevia uma das milhares de vilas aniquiladas como "um montículo expandido de cinzas violetas". O general William Dean, que foi capturado depois de batalha de Taej˘on, em julho de 1950, e levado ao Norte, declarou em seguida que da maioria das cidades e vilas que ele viu, não restou mais que "entulho ou ruínas cobertas de neve". Todos os coreanos que ele encontrou, ou quase, haviam perdido um parente no bombardeio17. Winston Churchill, no fim da guerra, se emocionou e declarou a Washington que no momento em que o napalm foi inventado no fim da Segunda Guerra mundial, ninguém imaginava que se iria "aspergi-lo" sobre uma população civil18.
Tal foi a "guerra limitada" travada na Coréia. À guisa de epitáfio para esta guerra aérea desenfreada, citemos o ponto de vista de seu arquiteto, o general Curtis LeMay, que declarou depois do início do conflito: "De certa forma nós colocamos por baixo da porta do Pentágono um bilhete dizendo: ‘Nos deixem ir até lá [...] incendiar cinco das maiores cidades da Coréia do Norte – elas não são muito grandes – isso deverá acertar as coisas’. Bem, nos responderam aos gritos – ‘Vocês vão matar inúmeros civis’ e ‘é horrível demais’. No entanto, em três anos (...) nós incendiamos todas [sic] as cidades da Coréia do Norte, assim como da Coréia do Sul (...). Em três anos, é aceitável, mas matar algumas pessoas para resolver o problema, muita gente não consegue conceber 19".
(Trad. : Fabio de Castro)
1 - Stephen Endicott, Edward Hagerman, “As armas biológicas da guerra da Coréia”, Le Monde diplomatique, julho de 1999.
2 - Citado em Clay Blair, Forgotten War, p. 515.
3 - Arquivos nacionais norte-americanos, dossiê 995.000, caixa 6175, despacho de George Barrett, 8 de fevereiro de 1951.
4 - Arquivos nacionais, RG338, dossiê KMAG, caixa 5418, diário KMAG, entradas dos 6, 16, 20 e 26 de agosto de 1950.
5 - New York Times, 31 de julho, 2 de agosto e 1o de setembro de 1950.
6 - Ver “Air War in Korea”, em Air University Quarterly Review 4, n° 2, outono de 1950, pp. 19-40 e “ Precision bombing ” in Air University Quartely Review 4, n° 4, verão de 1951, pp. 58-65.
7 - Arquivos MacArthur, RG6, caixa 1, “Stratemeyer para MacArthur”, 8 de novembro de 1950; Public Record Office, FO 317, documento n° 84072, “Relatório aos chefes do Estado Maior”, 6 de novembro de 1950; documento n° 84073, 25 de novembro de 1959.
8 - Bruce Cumings, The Origins of the Korean War, tomo 2, Princeton University Press, 1990, pp. 753-754; New York Times, 13 de dezembro de 1950 e 3 de janeiro de 1951.
9 - Newsweek, 24 de março de 2003.
10 - The New York Times, 30 de novembro e 1o de dezembro de 1950.
11 - Hoyt Vandenberg Papers, caixa 86, Stratemeyer para Vandenberg, 30 de novembro de 1950; LeMay para Vandenberg, 2 de dezembro de 1950. Ver também Richard Rhodes, Dark Sun: The Making of the Hydrogen Bomb, 1955, pp. 444-446.
12 - Bruce Cumings, op. cit. , p. 750. Charles Willoughby Papers, caixa 8, entrevistas para Bob Considine e Jim Lucas em 1954, publicadas em The New York Times, 9 de abril de 1964.
13 - Carroll Quigley, Tragedy and Hope: A History of the World in Our Time, MacMillan, Nova York, 1966, p. 875. C. Quigley foi o professor preferido de William Clinton na Georgetown University. Ver também B. Cumings, op. cit. p. 750.
14 - Os documentos tornados públicos depois do colapso da União Soviética não parecem corroborar esta informação. Segundo os historiadores, os soviéticos não empregaram uma força aérea desta importância na época, ao contrário do que pensavam os serviços de informação – em razão talvez de um serviço eficaz de desinformação por parte dos chineses.
15 - Não se tratava de utilizar armas nucleares ditas táticas, ainda não disponíveis em 1951, mas de utilizar os Mark IV taticamente nos combates, como as bombas clássicas despejadas pelos B-29 haviam sido utilizadas nos combates desde o fim de agosto de 1950.
16 - Samuel Cohen era um amigo de infância de Herman Kahn. Ver Fred Kaplan, The Wizards of the Armageddon, Simon & Schuster, Nova York, 1983, p. 220. Sobre Oppenheimer e o Projet Vista, ver B. Cumings, op. cit., pp. 751-752, David C. Elliot, “Project Vista and Nuclear Weapons in Europe” in International Security 2, n° 1, verão de 1986, pp. 163-183.
17 - Conrad Crane, American Airpower Strategy in Korea, pp. 168-169.
18 - Jon Halliday e Bruce Cumings, Korea: The Unknown War, Pantheon Books, Nova York, 1988, p. 166.
19 - J. F. Dulles Papers, história oral Curtis LeMay, 28 de abril de 1966.
2 - Citado em Clay Blair, Forgotten War, p. 515.
3 - Arquivos nacionais norte-americanos, dossiê 995.000, caixa 6175, despacho de George Barrett, 8 de fevereiro de 1951.
4 - Arquivos nacionais, RG338, dossiê KMAG, caixa 5418, diário KMAG, entradas dos 6, 16, 20 e 26 de agosto de 1950.
5 - New York Times, 31 de julho, 2 de agosto e 1o de setembro de 1950.
6 - Ver “Air War in Korea”, em Air University Quarterly Review 4, n° 2, outono de 1950, pp. 19-40 e “ Precision bombing ” in Air University Quartely Review 4, n° 4, verão de 1951, pp. 58-65.
7 - Arquivos MacArthur, RG6, caixa 1, “Stratemeyer para MacArthur”, 8 de novembro de 1950; Public Record Office, FO 317, documento n° 84072, “Relatório aos chefes do Estado Maior”, 6 de novembro de 1950; documento n° 84073, 25 de novembro de 1959.
8 - Bruce Cumings, The Origins of the Korean War, tomo 2, Princeton University Press, 1990, pp. 753-754; New York Times, 13 de dezembro de 1950 e 3 de janeiro de 1951.
9 - Newsweek, 24 de março de 2003.
10 - The New York Times, 30 de novembro e 1o de dezembro de 1950.
11 - Hoyt Vandenberg Papers, caixa 86, Stratemeyer para Vandenberg, 30 de novembro de 1950; LeMay para Vandenberg, 2 de dezembro de 1950. Ver também Richard Rhodes, Dark Sun: The Making of the Hydrogen Bomb, 1955, pp. 444-446.
12 - Bruce Cumings, op. cit. , p. 750. Charles Willoughby Papers, caixa 8, entrevistas para Bob Considine e Jim Lucas em 1954, publicadas em The New York Times, 9 de abril de 1964.
13 - Carroll Quigley, Tragedy and Hope: A History of the World in Our Time, MacMillan, Nova York, 1966, p. 875. C. Quigley foi o professor preferido de William Clinton na Georgetown University. Ver também B. Cumings, op. cit. p. 750.
14 - Os documentos tornados públicos depois do colapso da União Soviética não parecem corroborar esta informação. Segundo os historiadores, os soviéticos não empregaram uma força aérea desta importância na época, ao contrário do que pensavam os serviços de informação – em razão talvez de um serviço eficaz de desinformação por parte dos chineses.
15 - Não se tratava de utilizar armas nucleares ditas táticas, ainda não disponíveis em 1951, mas de utilizar os Mark IV taticamente nos combates, como as bombas clássicas despejadas pelos B-29 haviam sido utilizadas nos combates desde o fim de agosto de 1950.
16 - Samuel Cohen era um amigo de infância de Herman Kahn. Ver Fred Kaplan, The Wizards of the Armageddon, Simon & Schuster, Nova York, 1983, p. 220. Sobre Oppenheimer e o Projet Vista, ver B. Cumings, op. cit., pp. 751-752, David C. Elliot, “Project Vista and Nuclear Weapons in Europe” in International Security 2, n° 1, verão de 1986, pp. 163-183.
17 - Conrad Crane, American Airpower Strategy in Korea, pp. 168-169.
18 - Jon Halliday e Bruce Cumings, Korea: The Unknown War, Pantheon Books, Nova York, 1988, p. 166.
19 - J. F. Dulles Papers, história oral Curtis LeMay, 28 de abril de 1966.
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