sábado, 15 de maio de 2010

Brasil auxilia ofensiva contra o santuário dos cartéis no território paraguaio


Juraci Oliveira da Silva

ZERO HORA

A linha da fronteira entre o Brasil e o Paraguai, que há anos funcionava como santuário para foragidos da Justiça, desapareceu. Esse é o recado deixado com a captura, na quarta-feira, do traficante gaúcho Juraci Oliveira da Silva, o Jura. Ele foi preso pela polícia paraguaia e expulso a jato, literalmente, para o Rio Grande do Sul. Imobilizado, foi exibido para o público, num claro recado de que as polícias também decidiram pular fronteiras para agir, a exemplo do que faz o crime. Na localização do foragido gaúcho, investigadores paraguaios e brasileiros agiram ombro a ombro.

Em outra época, foragidos como Jura não seriam incomodados pelas autoridades. Prosperaria em seus negócios até se tornar um megatraficante. Ele não foi longe. Mesmo sem ter certeza sobre sua identidade, as autoridades que o prenderam sabiam o mínimo necessário: que era brasileiro e bandido.

O traficante foi alvo de uma bem estruturada rede de informações que vem sendo arquitetada há anos por policiais brasileiros, não só junto a paraguaios, mas com todos os países com os quais o Brasil faz fronteira. Esses agentes já não toleram a ideia de um criminoso atravessar uma rua fronteiriça e abanar do outro lado, debochando e abusando da burocracia que envolve a prisão de quem comete crimes e foge para outro país.

Hoje, Jura integra uma longa lista de bandidos brasileiros que têm sido presos e recambiados ao Brasil, sem maiores trâmites. Tudo resulta de uma política de boa vizinhança entre as autoridades que têm pelo menos 10 anos e cujo marco começou na fronteira com outro país, a Colômbia. Foi lá que, em 21 de abril de 2001, quando o “capo” do Comando Vermelho (CV), Luís Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, foi preso na selva colombiana, ferido em combate com militares daquele país. Não adiantaram os esforços dos seus advogados: ele foi expulso quatro dias depois para o Brasil, onde permanece até hoje, trancafiado em cela de segurança máxima.

A prisão de Beira-Mar foi um divisor de águas, admite o superintendente da Polícia Federal (PF) no Rio Grande do Sul, Ildo Gasparetto.

– Então dá para fazer assim, prender e trazer rápido? Basta que o brasileiro esteja ilegal por lá, sem parentes, sem vínculos...Vamos fazer, pensaram os colegas. Solicitar cada vez mais expulsões – relata Gasparetto.

Pela nova filosofia, maconha no Paraguai é problema do Brasil

E tem sido feito, de forma sistemática. Em 2001, a Secretaria Nacional Anti-Drogas (Senad) paraguaia prendeu, em Capitán Bado (Paraguai), traficante ligado ao Comando Vermelho – facção criminosa do Rio. Como ele portava fuzis e granadas, foi expulso no mesmo dia e entregue à PF. Há poucos meses foi feito o mesmo com Jarvis Pavão, outro brasileiro atravessador das drogas radicado no departamento paraguaio de Amambay – o mesmo onde Jura se escondia. Os dois amargam agora prisões brasileiras.

A ofensiva não para aí. O Brasil, via pressão, conseguiu que o Paraguai, em 2009, destruísse 400 hectares de maconha, droga da qual os paraguaios são os maiores exportadores aos brasileiros. Isso significa 2,3 mil toneladas prontas para consumo que deixaram de ingressar nas ruas brasileiras.

– Se ficássemos no conceito antigo, poderíamos dizer que essa maconha é um problema do Paraguai. Não, ela é problema também do Brasil – relatou o diretor-geral da PF, o delegado gaúcho Luiz Fernando Corrêa, em recente encontro no Rio.

Prisão de traficante gaúcho é fruto de parceria binacional

É um cenário oposto ao que vigorava no passado. Basta lembrar de Luis Newton Galeano, o Juca Galeano, gaúcho que foi apelidado de Rei da Maconha por trazer de avião desde o Paraguai cargas de droga para o Rio Grande do Sul.

Chegou a fugir uma vez da cela da PF em Porto Alegre, mas foi recapturado em 1986 em São Paulo com um caminhão contendo 150 quilos de cocaína misturada a café em pó. Cumpriu parte da pena, fugiu e se refugiou no Paraguai. O Brasil, reiteradas vezes, pediu informações sobre ele, mas o governo do ditador Alfredo Stroessner nunca as deu.

Stroessner foi derrubado, o Paraguai deixou de ser uma ditadura e seus dirigentes estão empenhados em mostrar confiança aos vizinhos e investidores brasileiros, dos quais sua economia depende. E o Brasil, interessado em afastar a ameaça de um cancro de banditismo nas suas fronteiras, tem correspondido. Policiais paraguaios têm acesso agora à tecnologia de espionagem usada pela PF, como rastreadores de telefonia. Agentes paraguaios do Senad fazem cursos nas escolas de polícia brasileiras, tanto estaduais quanto federal.

Operações conjuntas das polícias dos dois países não são mais mero exibicionismo – a prisão de Jura é exemplo disso. E existem ainda compensações econômicas. O governo brasileiro acaba de prometer que financiará uma linha de transmissão da Usina de Itaipu (fronteira) até Assunção. Foram anunciadas obras de saneamento básico, em parceria com o Brasil. A Força Aérea Brasileira repassou aviões militares usados (Tucano) aos colegas paraguaios, a custo quase zero.

O Brasil, em suma, faz no Paraguai o que os Estados Unidos fizeram com o Plano Colômbia (foram US$ 7 bilhões injetados pelos norte-americanos nos países andinos, para combater as drogas). E o que os norte-americanos tentam fazer agora contra os cartéis de drogas no México – ainda sem resultados.

Nação que começa a ganhar certo respeito internacional, o Brasil tem passado um recado aos criminosos: nem mesmo velhos truques do submundo garantirão um refúgio tranquilo.

Quem é Jura

- Condenado até 2027 por tráfico e homicídio, o traficante natural de Fontoura Xavier também responde atualmente a processos por homicídio, em trâmite na 1ª Vara do Júri. Veja parte de seu histórico, que revela como se forjou um dos traficantes mais perigosos do Estado:

1999 - Preso por usar coronhadas para espancar um jovem com quem discutiu

2001 - Indiciado pelo assassinato de um rapaz. Depois, foi indiciado pela morte de um adversário no tráfico, que foi torturado antes de ser executado. A vítima, Cássio Michel Silva da Silva, teve uma orelha e um dedo amputados

2003 - Procurado por dois homicídios, foi preso em flagrante numa caminhonete, vindo de Ponta Porã (MS), na fronteira com o Paraguai. Estava acompanhado de um dos traficantes mais procurados no Brasil, José Paulo Vieira de Melo, o Paulo Seco, gaúcho ligado ao Comando Vermelho, facção criminosa que atua no Rio de Janeiro

2005 - Indiciado por tráfico de drogas e, no mesmo ano, por esconder em caixas dágua da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) explosivos, cordel, toucas ninja e uma corda (jiboia), material que seria usado em uma fuga

2009 - Transferido para o albergue prisional Pio Buck em 31 de março, ficou apenas 24 dias. Fugiu em 23 de abril. A polícia concluiu que, mesmo foragido, intermediou o assassinato do médico Marco Antônio Becker como favor prestado a outro médico do qual é cliente, Bayard Fischer dos Santos

2010 - Responde a processos na 1ª Vara do Júri por um duplo homicídio (ocorrido em maio de 2006, por desavenças no tráfico) e tentativa de homicídio (a vítima ficou paraplégica) e pelo caso Becker

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